Carta IEDI
A Estagnação com Investimentos Cadentes
A revisão dos números do PIB pelo IBGE, devido à adoção dos critérios mais recentes estabelecidos a partir da ONU, refez a série até 2013 com taxas de expansão maiores, mais de acordo com as taxas de desocupação experimentadas no País. Se melhorou para trás, o mais recente relatório das Contas Nacionais Trimestrais (CNT) asseverou a estagnação brasileira em 2014, com variação de 0,1%, contrastando mesmo com economias avançadas, mais maduras. Logo, o PIB per capita declinou 0,7%. Pela ótica do dispêndio, o consumo das famílias e o consumo do governo atuaram no sentido ascendente, mas sem a força e consistência necessárias para a retomada dos investimentos.
- A taxa de 0,1% no ano passado decorreu de acréscimo de 0,3% no valor adicionado e queda de 0,3% nos impostos líquidos de subsídios;
- A formação bruta de capital fixo (FBCF) sofreu contração de 4,4%, com o agravante de que, trimestre a trimestre na série dessazonalizada, experimentou seu sexto período seguido de decréscimo – no último quarto de 2014, a queda foi de 0,4% frente a julho-setembro. Ante igual período de 2013, o declínio foi de 5,8%;
- Ainda pelo prisma das despesas, as exportações de bens e serviços retrocederam 1,1%, o que só não foi pior devido às importações terem caído 1,0%;
- Em termos setoriais, a agropecuária cresceu apenas 0,4%, com os serviços crescendo um pouco mais, 0,7%, mas o suficiente para contrabalançar a queda de 1,2% da indústria;
- Dentro do setor industrial, apenas a extração mineral cresceu, 8,7%, com a construção civil e os serviços industriais de utilidade pública registrando o mesmo patamar de retração, de 2,6%. Já a indústria de transformação retrocedeu 3,8%, asseverando que as tentativas governamentais de dinamizá-lo passaram longe dos intentos esperados.
Frisa-se que a taxa de investimento fixo retrocedeu, de 20,5% do PIB em 2013 para 19,7% do PIB em 2014. Em paralelo, a taxa de poupança bruta teve diminuição ainda mais pronunciada, de 17,0% do PIB para 15,8% do PIB. Assim, ampliou-se a distância entre este e aquele indicador, realçando os cuidados com o balanço de pagamentos para que o Brasil retome o crescimento, devido às necessidades externas de financiamento. Isso sinaliza para as exportações como sendo a principal opção alternativa ao desaquecimento do mercado doméstico. Se exportar por si só está longe de ser matéria trivial, de um lado, a taxa de câmbio pode ajudar, de outro, podem criar obstáculos, a baixa participação efetiva em cadeias globais de valor (efetiva no sentido de lograr apropriação de valor de fato e captura tecnológica, não apenas uma inserção espúria) e os imbróglios recentes envolvendo a Petrobras, com seus desdobramentos.
O conjunto de desafios, ao invés de ter diminuído ao longo de 2014, ganhou proporções ainda maiores. A estiagem combinada com as altas temperaturas do verão culminaram na chamada crise hídrica, algo que parecia impensável anos atrás. Em paralelo o ajuste fiscal nesse contexto e com taxas de juros mais elevadas criam óbices de monta para o investimento fixo.
Talvez o mais grave nesse contexto seja a falta de sinalização das autoridades da esfera pública acerca das iniciativas para o Brasil tomar um rumo doravante, uma postura estratégica, posto que o rumo adotado até 2008 mostrou claramente os limites da inserção externa calcada principalmente em vantagens comparativas a partir de recursos naturais a reboque de outras economias. Em paralelo, a transição demográfica caminha a passos largos, com o risco do País envelhecer sem saber o que quer ser quando voltar a crescer. Embora cada vez menor em relação ao bônus demográfico, há tempo para o realinhamento produtivo do Brasil: a indústria tem um papel relevante a exercer nesse processo. As exportações e o investimento são a outra face da mesma moeda.
Visão Geral do PIB. Com as Contas Nacionais Trimestrais (CNT) sendo revistas de acordo com as mudanças realizadas pelo IBGE para o Sistema de Contas Nacionais (SCN) em acordo com as diretrizes divulgadas pela ONU em 2008, a economia brasileira ficou estável em 2014: variação de 0,1% em relação ao ano anterior, com o resultado de 2013 sendo revisto para cima, incremento de 2,7% do PIB. Assim, o PIB per capita retrocedeu no ano passado.
Agrava tal quadro o desempenho trimestre a trimestre de 2014, ainda mais nesse início de 2015 com juros em elevação e ajuste fiscal em curso acompanhados da questão hídrica, cujos desdobramentos recaem na oferta de energia elétrica. Mais amiúde:
- Pelos dados dessazonalizados, no quarto trimestre de 2014, o PIB até cresceu, 0,3%, frente a julho-setembro, mas, embora seja o segundo período seguido de discreta alta, foi insuficiente para a magnitude da queda registrada no segundo trimestre;
- Na comparação com igual período de 2013, houve ligeira queda, de 0,2%, a terceira consecutiva nessa base comparativa – só um trimestre logrou alta em 2014;
- A variação de 0,1% em 2014 decorreu de acréscimo de 0,2% no valor adicionado e do recuo de 0,3% nos impostos líquidos de subsídios;
- Vale notar que, tanto pela comparação entre acumulado do ano e mesmo período de 2013, quanto pelo acumulado de quatro trimestres e acumulado equivalente anterior, até o primeiro trimestre de 2014 as taxas ainda tinham ímpeto, porém caíram bastante desde então, apesar de se manterem positivas.
- O problema é que a piora do início do ano vai trazer o sinal negativo para as comparações envolvendo acumulados.
O Investimento Se Recuperou Mas Diante De Uma Base Baixa. Como fora relatado quando da divulgação do PIB de 2013, seu crescimento foi capitaneado pelo investimento fixo, mas tal expansão se dera sobre uma base de comparação baixa. Ademais, trimestre a trimestre esse componente do produto agregado já vinha perdendo dinamismo ao longo de 2013. Pior: tal deterioração continuou em 2014, ao invés de haver uma reversão no quadro. Desde julho-setembro de 2013, a formação bruta de capital fixo (FBCF) tem decrescido na passagem de um trimestre a outro.
Mesmo assim, nessa comparação entre trimestre e trimestre imediatamente anterior (série livre de sazonalidade), o PIB teve variação de 0,3% em outubro-dezembro. No terceiro trimestre, o incremento foi de 0,2%. Mas tais taxas destoam do declínio de 1,4% na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2014. Vale frisar que o consumo das famílias foi determinante para o ligeiro acréscimo registrado no último quarto de 2014, com aumento de 1,1%. Em contrapartida, o consumo do governo caiu 0,6% e a FBCF declinou 0,4%. Como visto, a FBCF teve seu sexto trimestre de retração. As exportações de bens e serviços também declinaram, queda de 12,3%, o que foi em parte mitigado pelo recuo de 5,5% nas importações.
No contraponto entre os trimestres derradeiros de 2014 e de 2013, a economia teve retração de 0,6%, com apenas o consumo das famílias logrando sinal positivo: aumento de 1,3%. O consumo do governo experimentou ligeiro decréscimo, de 0,2%. Já a inversão fixa declinou agudamente, recuo de 5,8%, sendo o terceiro trimestre seguido de variação negativa nessa base de comparação. As exportações declinaram 10,7%, com o recuo de 4,4% das importações atuando em sentido contrário.
O comparativo entre os resultados fechados de 2014 e do ano anterior mostra que a estagnação do País (0,1% de incremento) teve no consumo das famílias (0,9%) e no consumo do governo (1,3%) o fôlego necessário para se evitar uma queda no PIB. Tais aumentos foram praticamente anulados com a retração de 4,4% do investimento fixo e o declínio de 1,1% nas exportações, ainda que as importações também tenham se retraído em 1,0%.
Mais do que as taxas negativas da FBCF registradas nos últimos trimestres, salta aos olhos a queda na taxa de investimento fixo e na taxa de poupança bruta em 2014. Com as reformulações seguindo as diretrizes da ONU e tendo como ano de referência 2010, a taxa de investimento fixo ficou maior se compararmos com os resultados a partir das diretrizes anteriores e com 2000 como ano referencial. Assim, em 2013, pela série antiga, a taxa de FBCF era de 18,2%, enquanto pela série nova, 20,5%, uma diferença de 2,3 pontos percentuais. Na série referenciada em 2010, esse patamar de 2013 ficou bem próximo ao galgado em 2010, ano de forte recuperação, taxa de FBCF de 20,6%. De qualquer modo, em 2014 a participação da inversão fixa no PIB caiu para 19,7%, retrocedendo quase 1,0 ponto percentual vis-à-vis o ano anterior.
Mais acentuado ainda foi o declínio na taxa de poupança bruta. Pela nova série do IBGE, de 2010 a 2011, esta chegou a crescer discretamente, de 19,2% para 19,4% do PIB. Todavia, daí em diante só fez declinar: foi para 17,7% no ano seguinte, para 17,0% em 2013, chegando em 2014 a 15,9% do PIB. Com isso ampliou-se sensivelmente a necessidade de financiamento da economia brasileira.
O conjunto de desafios, ao invés de terem diminuído ao longo de 2014, ganhou proporções ainda maiores. A estiagem combinada com as altas temperaturas do verão culminaram na chamada crise hídrica, algo que parecia impensável anos atrás. Em paralelo o ajuste fiscal nesse contexto e com taxas de juros mais elevadas criam óbices de monta para o investimento fixo.
Talvez o mais grave nesse contexto seja a falta de sinalização das autoridades da esfera pública acerca das iniciativas para o Brasil tomar um rumo doravante, uma vez que o rumo adotado até 2008 mostrou claramente os limites da inserção internacional calcada exclusivamente em vantagens comparativas a partir de recursos naturais a reboque de outras economias. Em paralelo, a transição demográfica caminha a passos largos, com o risco do País envelhecer sem saber o que quer ser quando voltar a crescer.
O Desempenho Por Setor. Em 2014, em termos de grandes setores, a agropecuária e os serviços lograram variações positivas embora de baixa magnitude. Já a indústria retrocedeu quase contrabalançando o desempenho daqueles dois, de sorte que o valor adicionado bruto cresceu 0,3%. Os impostos sobre produção líquidos de subsídios, por sua vez, recuaram 0,2%. O valor adicionado e os impostos sobre a produção, somados, conformam o produto interno bruto a preços de mercado – o PIBpm ou simplesmente PIB, como está sendo usado no presente texto.
No contraponto entre outubro-dezembro/ 2014 e julho-setembro do mesmo ano pela série dessazonalizada, a indústria ficou praticamente parado, com variação de -0,1%. A agropecuária cresceu bem: 1,8%. Os serviços também cresceram, porém sem a mesma pujança, 0,3%, a mesma expansão do valor adicionado dos três grandes setores em conjunto e a mesma do PIB.
Ao se comparar o trimestre final de 2014 e o de 2013, tem-se padrão assemelhado para os três grandes setores. Tal qual na base de comparação anterior, a indústria de transformação sofreu retração, mas de maior monta, queda de 1,9%. A agropecuária, a seu turno, cresceu 1,2%, enquanto os serviços aumentaram 0,4%. A semelhança entre as duas formas de comparação para por aí, pois tanto o valor adicionado quanto o PIB declinaram 0,2% no contraste entre outubro-dezembro de 2014 e igual período do ano anterior. Os impostos líquidos de subsídios também diminuíram: taxa de -0,6%.
No confronto entre 2014 e 2013, a indústria novamente foi o grande setor que caiu, variação de -1,2%. A agropecuária cresceu 0,4% e os serviços, 0,7%. Em que pese a pouco expressão dessas expansões, estas permitiram que o Brasil encerrasse o ano sem que a economia se retraísse, taxa de 0,1%. Vale notar que, dentro de 2014, sem desconsiderar os vários problemas enfrentados pelo País, os piores resultados para os três grandes setores ocorreram no segundo trimestre do ano, quando houve a Copa do Mundo.
A Indústria Em Detalhe. Atendo-se ao setor industrial, seus quatro segmentos podem ser analisados em separado. Na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro pela série livre de efeitos sazonais, o ligeiro recuo de 0,1% no valor adicionado decorreu da contração da indústria de transformação, que declinou 1,6%. A extração mineral ficou parada. A construção civil cresceu 0,9%. Os serviços industriais de utilidade pública (SIUP) logrou o melhor desempenho com expansão de 1,4%.
No contraponto entre o quarto derradeiro de 2014 e igual período do ano anterior, o único destaque positivo coube à indústria extrativa que cresceu 9,7%. Em contrapartida, os demais sofreram contração, com os SIUP tendo a queda mais acentuada, de 5,9%. A indústria de transformação, o segmento de maior peso na indústria, também registrou queda aguda, de 5,4%. Já a construção civil teve recuo de 2,3%.
No acumulado do ano, a retração de 1,2% foi puxada pela indústria de transformação, que caiu 3,8%. A construção civil e os SIUP também experimentaram queda, com taxas iguais, de -2,3%. Novamente, apenas a extração mineral cresceu: 8,7%.
O Brasil Frente A Outras Economias – O Desempenho No Trimestre. Pelas estimativas do FMI, o mundo cresceu 3,3% em 2014, a mesma expansão lograda no ano anterior. Ao manter a mesma taxa, tal performance supera bem a brasileira. Assim, vale confrontar o comportamento do produto agregado do País com o de outros.
O contraponto entre Brasil e países membros da OCDE pela variação trimestre contra trimestre imediatamente anterior (dados dessazonalizados) asseveram o quão aquém tem ficado o primeiro. Como visto, o PIB brasileiro cresceu 0,3%, após crescer apenas 0,2% no terceiro trimestre, ante um recuo de 1,4% na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2014. Todos os países americanos da OCDE apresentados no gráfico – Canadá, EUA, México e Chile – cresceram mais que o Brasil em outubro-dezembro e com taxas mais consistentes ao longo do ano. Fora do continente, só a França e a Itália registraram taxas menores. A Coreia do Sul apresentou a mesma taxa que a brasileira, porém com desempenho mais consistente trimestre a trimestre.
Passando para o investimento fixo, o Brasil sofreu queda de 0,4% em outubro-dezembro, configurando seis trimestres seguidos de queda. Coreia do Sul, com queda de 2,9%, França e Reino Unido, com a mesma taxa de -0,5%, foram os países com pior desempenho que o Brasil em termos de evolução da FBCF no trimestre. Mas foram antecedidos por período(s) de incremento, exceto o caso francês. Embora inconstante, a inversão fixa cresceu 4,4% na base comparativa em questão, após forte recuo. Já os EUA têm mostrado consistência ao lograr o terceiro trimestre consecutivo de ampliação da FBCF – taxa de 1,2% no último quarto de 2014.
O Brasil Frente A Outras Economias – Projeções. As expectativas de mercado apuradas no relatório Focus do Banco Central em 27/03/2015, trouxeram expectativas de queda de 1,0% para o corrente ano e de incremento de apenas 1,05% em 2016. O Relatório de inflação do Banco Central do Brasil (BCB) divulgado na semana passada já trazia uma projeção de contração para 2015: taxa de -0,5%.
As expectativas constantes do relatório Focus se mostram mais pessimistas que as projeções divulgadas ou atualizadas em janeiro tanto pela ONU, em seu World Economic Situation and Prospects, quanto pelo FMI, na atualização do World Economic Outlook. Segundo o Fundo, as taxas ficariam em 0,3% em 2015 e 1,5% em 2016. Todavia as diferenças expostas provavelmente decorrem mais do momento da apuração: quanto mais recente, pior é a projeção/ expectativa.
No caso da atualização de janeiro último do World Economic Outlook do FMI, estas trazem também projeções para outros países. Assim, embora anteriores à divulgação dos dados mais recentes do Brasil, permitem um comparativo entre taxas de crescimento projetadas de vários países para 2015 e 2016.
Mesmo diante de economias avançadas, mais maduras e menor expansão demográfica, a crescimento projetado para o Brasil decepciona. Enquanto são projetadas taxas de 0,3% e 1,5% para o Brasil, projeta-se incremento maior para países como o Canadá, os EUA, Alemanha e Reino Unido. Mesmo a Espanha, único dentre os selecionados não pertencente ao G7 tem variação projetada superior à brasileira. Ademais, Japão, França e Itália devem ter expansão similar ou próxima à do Brasil em média.
O hiato entre o Brasil e o mundo pode ser viso na expansão projetada para este de 3,5% em 2015 e de 3,7% em 2016, variações bem acima do que se projeta para o Brasil. As Outras Economias Avançadas deverão crescer segundo o FMI 3,0% e 3,2% para 2015 e 2016, respectivamente. Esse subconjunto das economias avançadas engloba as novas economias avançadas asiáticas. Quanto aos países emergentes e em desenvolvimento, as taxas projetadas do PIB são ainda maiores, de 4,3% e 4,7%, respectivamente, puxadas principalmente pelas economias em desenvolvimento da Ásia (exclusive Oriente Médio), com taxas projetadas de 6,4% em 2015 e de 6,2% no ano subsequente. A África Subsaariana possui taxas projetadas de 4,9% e de 5,2%, respectivamente. O Fundo projetou para a América Latina & Caribe incremento de 1,3% em 2015 e de 2,3% em 2016, incremento acima do projetado para o Brasil. Apenas a Comunidade dos Estados Independentes tem projetadas taxas em média inferiores àquelas que o FMI projetou para o Brasil nos dois anos.
O contraste maior está na comparação entre as projeções para o Brasil vis-à-vis as da China e Índia. Para o primeiro, o Fundo projetou incremento de 6,8% e de 6,3%, ratificando o fôlego do País, porém com desaceleração, ensejando dificuldades para as commodities brasileiras. Para a Índia, as taxas projetadas também chamam a atenção: 6,3% e 6,5%, respectivamente. Quanto à Rússia, deve sofrer retração nos dois anos em questão segundo o FMI. Já para a África do Sul, é projetado incremento superior, de 2,1% e de 2,5% para 2015 e 2016. Quanto ao México, seu crescimento projetado, é de 3,2% no ano em curso e 3,5% no próximo, bem acima do brasileiro.