Carta IEDI
O Balde de Água Fria do Final de 2014: A Indústria por Intensidade Tecnológica
Sumário
Se o último trimestre era a esperança de retomada da produção da indústria de transformação, por conta das festas de fim de ano, o resultado foi distinto do esperado. O que espelha, de um lado, a falta de confiança empresarial e, de outro, o fato do último trimestre de 2013 ter sido já potencializado por compras para a Copa do Mundo, tornando a base de comparação maior. Com isto, a indústria de transformação retrocedeu 5,5% no trimestre final de 2014, com o mês de dezembro observando declínio de 4,4%. Assim 2014 encerrou com a indústria de transformação produzindo 4,3% menos do que no ano anterior.
A indústria de transformação pode ser apreendida pela classificação adotada pela OCDE na qual é dividida em quatro faixas de intensidade tecnológica: alta intensidade, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica.
- Em 2014, apenas a produção da faixa de alta intensidade não retrocedeu, enquanto as demais faixas sofreram retração, com destaque para o forte recuo do conjunto de atividades de média-alta intensidade.
- A faixa de alta intensidade teve como destaques positivos o incremento de 3,4% na fabricação de bens de informática e de escritório e de 2,1% na indústria farmacêutica. A produção de equipamentos de áudio e vídeo, de telecomunicações e componentes recuou 4,0%, mesmo com o forte incremento no primeiro semestre. Com isso a indústria de alta intensidade ficou estagnada, com taxa de 0,2%.
- Já o segmento de média-alta intensidade experimentou a maior retração, de 9,7%. Todos os ramos que lhe compõem produziram menos do que em 2013 - são atividades associadas à produção de bens de capital, à indústria automotiva e a indústria química. Tanto o mês quanto o trimestre de encerramento do acumulado também foram de retração, de 6,0% e de 8,7%, respectivamente.
- A faixa de média-baixa também sofreu queda em todas as bases comparativas, mas sem a mesma magnitude. Apresentou retrações em dezembro (-4,0%) e em outubro-dezembro (-3,8%), concorrendo para a queda de 2,7% no ano. Sua produção física é ditada sobremaneira pela produção de bens metálicos, incluindo a siderurgia, e a de produtos de petróleo refinado, álcool e afins.
- A faixa de baixa intensidade se comportou de modo similar ao de média-baixa, com recuos de 3,2% em dezembro e de 4,1% no quarto trimestre, o que contribuiu para que a produção física se retraísse 2,3% em 2014 Tais desempenhos foram bastante influenciados pela menor produção das indústrias alimentícias, de bebidas e fumo.
A intermitência da produção física da indústria de transformação tem sido a tônica depois de 2010. Tal processo tem sido acompanhado pela deterioração da balança comercial dos bens tipicamente oriundos da indústria de transformação. Mesmo antes de se tornar intermitente, a produção física já se descolava da performance do comércio varejista. Ou seja, as tentativas de estimular a indústria de transformação foram simplistas no sentido de potencializar o mercado consumidor doméstico mas sem a devida atenção à articulação entre o poder de compra das famílias e a inserção internacional brasileira. O fato de ter acontecido sem mudanças de vulto em torno da arrecadação, permanecendo o foco nos impostos indiretos, fez com que parte desse maior poder aquisitivo doméstico se voltasse para as compras no exterior, o que até recentemente foi reforçado pelo câmbio. Tal movimento seria essencial, pois, além de seu provável impacto positivo na redistribuição de renda, concorreria para melhores condições para os produtos domésticos competirem.
O exposto reflete também um ponto-chave: mesmo com doses de voluntarismo, estímulos ao setor produtivo requerem um arcabouço estratégico como suporte, algo que o Plano Brasil Maior, apesar de seus méritos, não conseguiu se tornar até por seu descolamento com o que se passa no espaço geográfico brasileiro. É hora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior dialogar com o Ministério da Integração e o Ministério das Cidades.
Uma visão geral da indústria de transformação. Se o último trimestre era a esperança de retomada da produção da indústria de transformação, por conta das festas de fim de ano, o resultado foi distinto do esperado. O que espelha, de um lado, a falta de confiança empresarial e, de outro, o fato do último trimestre de 2013 ter tido desempenho potencializado pelas compras para a Copa do Mundo que viria em junho de 2014, tornando a base de comparação maior.
Com isto, a indústria de transformação retrocedeu 5,5% no trimestre final de 2014, com o mês de dezembro observando declínio de 4,4%. Assim 2014 encerrou com a indústria de transformação produzindo 4,3% menos do que no ano anterior. Acompanhando tanto, o déficit dos produtos típicos da indústria de transformação aumentou, chegando a US$ 63,5 bilhões, com as exportações em dólares correntes caindo 8,6%.
A indústria de transformação por intensidade tecnológica. A análise que se segue trata da indústria de transformação, agrupando suas atividades em quatro segmentos segundo a intensidade tecnológica conforme procedimento adotado pela OCDE, a saber, alta intensidade, media-alta, média-baixa e baixa intensidade.
Vale frisar que, com as mudanças metodológicas da PIM-PF, utilizou-se a indústria de transformação sem computar a atividade de manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos. Esse ramo passou a ser descriminado na versão mais recente da Classificação Industrial Internacional Uniforme (CIIU) e, por conseguinte, na versão 2 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A seguir estão tabulados resultados selecionados para os mencionados segmentos de intensidade tecnológica, com a ressalva de que os dados apresentados para a tipologia da OCDE ainda poderão ser revistos.
Em 2014, três das quatro faixas de intensidade tecnológica sofreram retração – média-alta, média-baixa e baixa. A de média-baixa foi a que mais encolheu. Mesmo a de alta intensidade, a única que não se retraiu, ficou praticamente estagnada.
A indústria de alta intensidade no começo do ano se beneficiou de demandas de ano de Copa: a produção de televisores vinha concorrendo para a expansão do complexo eletrônico. Daí também o forte revés em meses subsequentes a ponto da taxa ficar negativa para 2014, pois o estímulo do efeito Copa começou no último quarto de 2013. Já a fabricação de bens de informática e escritório cresceu bem no terceiro trimestre, declinando na sequência, mas fechando o ano com variação positiva. A produção de farmacêuticos também cresceu positivamente a despeito do recuo nos três meses finais.
A retração da faixa de média-alta intensidade foi se configurando ao longo do ano de 2014, com retrocesso em todos os ramos industriais nela abarcados, da produção de bens de capital, à indústria de material de transporte terrestre passado pela indústria química. Tanto o mês, quanto o trimestre de encerramento do acumulado também foram de retração. Aliás todos os ramos se retraíram em quaisquer das três bases de comparação para dezembro de 2014.
A faixa de média-baixa como um todo também registrou queda em todas as bases comparativas expostas na tabela, porém as retrações foram menos vultosas. Seu desempenho em dezembro e no último trimestre concorreu para o declínio registrado no ano. A produção física desse segmento é ditada sobremaneira pela produção de bens metálicos, incluindo a siderurgia, e a de produtos de petróleo refinado, álcool e afins.
O segmento de baixa intensidade teve comportamento similar ao de média-baixa, com recuos em dezembro e em outubro-dezembro, o que contribuiu para retração de 2014. Tais performances foram em muito ditadas pela menor produção das indústrias alimentícias, de bebidas e fumo, embora todos os demais tenham sofrido retração e d maior magnitude.
Alta intensidade tecnológica. O fato da produção da indústria de alta intensidade não ter caído em 2014 pode ser atribuído ao dinamismo tanto de bens de informática e de escritório, quanto de produtos farmacêuticos em especial no terceiro trimestre, quanto ao desempenho no início do ano da fabricação de eletrônicos de consumo, arrefecendo o declínio do segmento no final do ano. O déficit comercial dos bens tipicamente oriundos desse segmento, de US$ 30,8 bilhões, foi o segundo maior da história. Embora represente ligeiro recuo frente ao ano anterior, tal saldo foi acompanhado de retrocesso das exportações. Frisa-se que a maior parte das atividades dessa faixa se caracteriza por produzir bens complexos com várias etapas e inseridos em extensas cadeias globais de valor, a exemplo da aeronáutica e dos segmentos do complexo eletrônicos.
O ramo farmacêutico se distingue dos demais por não produzir bens montados. Vem sendo justamente uma das atividades a proporcionar dinamismo a essa faixa de intensidade. Cresceu 2,1% em 2014, mesmo com a estagnação em dezembro e o recuo de 2,3% no contraponto entre outubro-dezembro de 2014 e igual período do ano anterior. Apesar do aumento da produção física no ano, o déficit comercial dos produtos farmacêuticos continuou elevado, saldo negativo de US$ 6,5 bilhões, abaixo apenaste do observado em 2013. Notar que o aumento da produção física ocorreu com as exportações em dólares correntes caindo 1,9% em relação ao ano anterior.
Quanto o complexo eletrônico, sua queda de 2,8% só não foi maior devido ao incremento na produção de material de escritório e de informática, 3,4% no ano. Esse último, assim como todo o complexo eletrônico, registrou queda de 7,0% no trimestre derradeiro de 2014, declínio puxado pelo mês de dezembro, taxa de -16,5%, arrefecendo seu ímpeto. As retrações do complexo eletrônico foram ainda maiores: variações de -22,5% na comparação entre meses de dezembro e de -7,6% entre outubro-dezembro de 2014 e igual período de 2013. O déficit comercial diminui em relação a 2013 seja para equipamentos de escritório e informática, seja para o complexo eletrônico, todavia isso ocorreu com exportações cadentes. As vendas externas de bens de informática e escritório não chegaram a US$ 300 milhões em 2014.
Já o ramo de maior peso do complexo eletrônico, fabricação de equipamentos de rádio, TV e comunicação (inclusive componentes eletrônicos), sofreu queda de 4% no ano. Notar que no encerramento do terceiro trimestre, ainda apresentava incremento, de 4,5% em janeiro-setembro e de 7,4% em doze meses, mesmo com declínio de 7,4% em setembro e de 10,7% no trimestre. E as festas de fim de ano não melhoraram o resultado: em dezembro o declínio foi de 29,1%, concorrendo para o recuo de 20,1% em outubro-dezembro. O efeito Copa, com acréscimo na produção de aparelhos de tevê, ficou concentrado no último quarto de 2013 e no primeiro de 2014. Ademais o déficit se situou em R$ 12,4 bilhões, o que se deve em parte pelas importações principalmente de componentes eletrônicos, muitos dos quais destinados à produção de bens de outros ramos. Suas exportações retrocederam pelo sexto ano seguido, ficando em US$ 688 milhões. Em 2006, ápice exportador desses produtos, o País exportou US$ 3,6 bilhões
Já a produção de equipamentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão e material ótico e fotográfico experimentou forte retração em todas as bases de comparação: retração de 24,5% no ano, destacando-se os fortes retrocessos em dezembro, queda de 32,7%, e no quarto trimestre, de 37,6%. O déficit em produtos típicos da atividade chegou a US$ 6,3 bilhões.
Média-alta intensidade tecnológica. Dentre as quatro faixas, a de média-alta sofreu o maior declínio em 2014, de 9,7%. Aliás, nenhuma atividade dessa faixa cresceu seja nessa base comparativa, seja em dezembro, seja no último trimestre. Em dezembro a queda da faixa foi de 6,0%, no quarto trimestre, o recuo foi de 8,7%. O déficit dos produtos típicos desse segmento chegou a US$ 59,5 bilhões, só abaixo do observado em 2013. Registre-se que as exportações em dólares correntes declinaram 13,5% no ano passado.
A produção da indústria química foi a que menos caiu em 2014, queda de 2,8%. O quarto final de 2014 contribuiu para tanto, com variação negativa de 3,2%. Em dezembro, a variação também ficou negativa, mas em menor monta, taxa de -0,5%. Isoladamente, o saldo comercial dos produtos químicos (exclusive farmacêuticos) apresentou o maior déficit dentre todos os grupos de bens das quatro faixas de intensidade tecnológica, de US$ 27,2 bilhões, com as exportações em dólares correntes retrocedendo 1,7%.
Contudo o retrocesso da produção física dessa faixa coube mais à fabricação de veículos automotores, com variação de -16,8%. Também em dezembro e em outubro-dezembro, as taxas foram negativas em dois dígitos: de -11,5% e de -13,5%, respectivamente. O déficit comercial em automóveis e afins atingiu patamar recorde, de US$ 9,5 bilhões, grandeza esta explicada pelo fato do País ter exportado 28,3% menos em 2014.
Já as atividades mais associadas à produção de bens de capital – fabricação de máquinas e equipamentos elétricos; e fabricação máquinas de equipamentos mecânicos e não especificados em outras atividades, estas também viram sua produção declinar no ano passado, recuos de 7,2% e 5,2%, respectivamente. No contraponto entre meses de dezembro, as reduções foram de 5,3% e de 7,5%. A balança comercial de máquinas e equipamentos elétricos registrou déficit de US$ 7,1 bilhões em 2014, ligeiramente menor que o déficit de 2013. Suas exportações em dólares correntes declinaram 4,9% nessa base comparativa. Quanto às máquinas mecânicas ou não especificadas, seu saldo ficou negativo em US$ 14,4 bilhões, abaixo do registrado no ano anterior, mas com queda de 4,4% nas vendas externas.
Média-baixa intensidade tecnológica. Passando para o segmento de média-baixa intensidade, este produziu 2,7% menos em 2014 frente ao ano anterior, com dezembro (-4,0%) e o último trimestre (-3,8%) concorrendo para tanto. Nessa faixa, as exportações em dólares correntes caíram 13,3%. Dessa forma, o déficit alcançou de US$ 11,3 bilhões, o maior de toda a série iniciada em 1989. A produção de bens metálicos, que encampa a siderurgia, e a de derivados do refino de petróleo, álcool e afins se constituem nas indústrias que ditam em larga medida os comportamentos tanto da produção física quanto dos fluxos comerciais dos produtos típicos.
A produção de bens de petróleo refinado, álcool e outros combustíveis foi o único ramo do segmento a crescer no ano passado, 2,4%, dirimindo o efeito do declínio dos demais que compõem essa faixa de intensidade. Mesmo em outubro-dezembro, houve incremento de 1,2% na produção física, embora o mês de dezembro tenha observado queda de 0,8%. Se, de um lado, a produção crescia, de outro, o déficit das mercadorias típicas da atividade também se ampliava, atingindo US$ 15,1 bilhões. As vendas externas em dólares correntes recuaram 13,0%, contrastando com a produção física.
Passando para a indústria de produtos metálicos, sua produção física retrocedeu 8,3%, puxada pelo declínio de 10,2% no quarto trimestre (com diminuição de 9,3% em dezembro), enquanto o superávit comercial dos produtos metálicos, de US$ 8,8 bilhões atenuou o déficit de produtos derivados do refino do petróleo, álcool e afins. Todavia esse superávit já foi maior: de 2005 a 2009, os superávits foram maiores. Em que pese a retração da produção física nesse período, as exportações em dólares correntes cresceram 7,8%.
Quanto aos demais ramos da faixa de média-baixa intensidade, a produção de outros produtos minerais não-metálicos declinou 2,5%. Similarmente aos produtos metálicos, tal resultado se fez acompanhar de incremento nas vendas externas em dólares correntes, de 4,0%. Esse aumento não foi o suficiente para impedir o quarto déficit consecutivo dos bens dessa atividade, embora tenha reduzido. A fabricação de borracha e produtos plásticos registrou recuo de 4,0%, a mesma variação registrada em outubro-dezembro. As exportações em dólares correntes de borracha e produtos plásticos diminuíram 3,7%, com a balança apresentando déficit de US$ 3,4 bilhões.
Baixa intensidade tecnológica. Passando para o segmento de baixa intensidade tecnológica, sua produção física caiu 2,3% em 2014. O próprio mês de dezembro, com queda de 3,2%, contribuiu esse desempenho, assim como o quarto trimestre, retração de 4,1%. O superávit das mercadorias tipicamente produzidas por atividades dessa faixa, de US$ 38,1 bilhões, apesar de expressivo e único dentre as faixas de intensidade tecnológica, ficou aquém do logrado no ano anterior, devido ao retrocesso nas exportações.
O principal agrupamento de atividades dessa faixa, as indústrias de alimentos, bebidas e de fumo produziu 1,0% menos do que em 2013, resultado puxado pelo último quarto do ano, recuo de 4,4%, com dezembro apresentando variação praticamente equivalente. Seus produtos foram os principais responsáveis pelo superávit comercial dos bens típicos do segmento de baixa intensidade tecnológica, ao obter saldo positivo de US$ 34,1 bilhões. Contudo tal superávit ficou abaixo do registrado em 2011, 2012 e 2013, num movimento de declínio gradativo do saldo. Como agravante, as exportações das mercadorias em tela declinaram 6,5% no ano.
Outro grupo superavitário de produtos é formado de bens oriundos das indústrias madeireira, de papel e celulose, gráficas e afins. Este logrou saldo maior do que no ano anterior, US$ 7,2 bilhões, patamar recorde. Para tanto, colaborou o acréscimo de 3,2% nas exportações em dólares correntes. Esse número contrasta com a queda de 2,8% na produção física de 2014, mesma taxa registrada em outubro-dezembro.
Os demais segmentos são caracterizados por serem mais intensivos em recursos humanos do que em recursos naturais. Ambos apresentaram déficit e redução na produção física. As atividades de fabricação de manufaturados não especificados noutras indústrias e de produtos reciclados registraram saldo comercial negativo de US$ 1,1 bilhão. Mais do que o saldo deficitário, também chama a atenção o recuo de 2,4% das exportações. Do mesmo modo que as vendas externas caíram, a produção física retrocedeu: variação negativa de 5,2%. O conjunto das indústrias têxtil, de vestuário, calçados e artigos de couro sofreu queda na produção física de 4,5%. Pari passu, o déficit de seus produtos típicos ficou em US$ 2,2 bilhões, ligeiramente inferior àqueles registrados em 2012 e em 2013. Nesse caso, a redução no déficit contou com o incremento de 7,2% das exportações em dólares correntes.