Carta IEDI
Para participar mais das cadeias globais de valor
Sumário
Para participar mais das cadeias globais de valor
Dando prosseguimento às análises sobre cadeias globais de valor (CGV) que o IEDI vem realizando, esta carta é uma resenha do relatório apresentado em julho de 2014 pelo principal grupo de estudos do tema - uma iniciativa conjunta da OMC (Organização Mundial do Comércio), OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o Banco Mundial - para subsidiar as reuniões do G20.
A visão dominante reforçada no documento considera que os motores da fragmentação das CGV têm sido, primeiramente, a redução dos custos de coordenação através dos avanços tecnológicos na infraestrutura de comunicação e serviços de internet e financeiros. Em segundo lugar, mas não menos importante, a redução de tarifas alfandegárias acompanhadas de medidas domésticas para aumentar a capacidade produtiva e atrair empresas multinacionais. Nesse sentido, a liberalização do comércio é uma das medidas possíveis para se engajar nas CGV, mas cabe fazer a crítica de que afeta diferentemente os países envolvidos.
Contudo é preciso atentar também para outros determinantes, conforme o próprio documento aponta. A dimensão geográfica precisa ser considerada, bem como os acordos de comércio derivados da geopolítica internacional. A Alemanha e os EUA possuem participação significativa comparativamente aos outros países no valor adicionado estrangeiro das exportações de quase todos os países do mundo. Por isso são o “centro de operações” ou os quartéis-generais (headquarters) das CGV, exportando valor adicionado para a produção de outros países – enquanto aqueles que somente utilizam o valor adicionado importado são economias “fábricas”. Portanto faz diferença estar localizado nas redes de infraestrutura de fornecimento dessas regiões.
As estratégias de negócios das grandes empresas multinacionais estão também dentre os principais determinantes das CGV, pois a partir delas se distribuem os investimentos estrangeiros diretos (IED) que dominam os fluxos de mercadorias e serviços. Mais além, formatam e dimensionam a participação de cada país nas CGV, tendo como requisitos de operação e/ ou escolha de fornecedores a flexibilidade para atender à demanda da cadeia, ou ao processo associado à mesma, e também, a clareza sobre as regras burocráticas e tributárias para entrada e saída de bens, serviços e capitais.
Em diversas indústrias, inclusive em tecnologia da informação e comunicações (TIC), pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) são cruciais para a competitividade das empresas. Contudo, principalmente nos novos segmentos de produtos e serviços que mais crescem, é preciso ponderar que os direitos de propriedade sobre a inovação tecnológica garantem lucros extraordinários para as grandes multinacionais que já atuam nas CGV e são barreiras à entrada de novas firmas.
De acordo com os resultados de um questionário aplicado pela OECD e pela OMC em países da OECD e alguns em desenvolvimento, na visão do setor público e privado as maiores barreiras que as firmas de países em desenvolvimento encontram para se conectar às CGV são infraestrutura inadequada, acesso a financiamento, atendimentos a padrões internacionais/ ou da cadeia e incertezas regulatórias.
Outro ponto importante que as políticas para melhorar a inserção nas CGV precisam levar em conta é a separação cada vez mais tênue entre os setores de atividade econômica, especialmente diante do crescente conteúdo de serviços incorporados aos produtos. Segundo o relatório, o conteúdo médio dos serviços nas exportações dos países do G20 teria sido 42% em 2009, e superior a 50% para países como EUA, Reino Unido, Índia, França. No caso do Brasil, não chegou a 40%, estando entre os países com menor contribuição dos serviços nas exportações junto com Arábia Saudita, Indonésia, China, Rússia, Canadá e África do Sul.
A inserção nas CGV pode apoiar o desenvolvimento econômico na medida em que os investimentos e o progresso tecnológico dos processos produtivos e administrativos contribuam para aumentar a renda e a produtividade tanto dos setores exportadores, quanto não exportadores, contribuindo também para a melhor distribuição doméstica e internacional da renda. E para que isso se realize, o marco institucional do país é essencial, incluindo o regime macroeconômico e a política industrial.
A conclusão geral do relatório é que: “é importante ressaltar que a liberalização do comércio é uma condição importante para a geração inclusiva de emprego e crescimento da renda a partir das CGV, mas não é suficiente por si só. Nem todos os países, empresas e trabalhadores estão igualmente preparados para os ajustes associados a mercados mais integrados. Embora cada país tenha suas próprias especificidades, ainda é crucial ter políticas ativas para o mercado de trabalho e investimentos na educação, na qualificação e formação - para melhor adequar a oferta de trabalho à demanda -, bem como redes de segurança social e políticas de concorrência em vigor. Serão necessários investimentos na melhoria das capacidades do lado da oferta em muitos países em desenvolvimento, além da criação de um ambiente político propício à inovação em geral”.
Introdução: a mensagem do relatório. Dando prosseguimento às análises sobre cadeias globais de valor (CGV) que o IEDI vem realizando, desta vez se apresentam criticamente os principais pontos do relatório apresentado pelo grupo de estudos conjunto da OMC (Organização Mundial do Comércio), OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e Banco Mundial para o Encontro dos Ministros do Comércio dos países do G20 – na Austrália, em julho de 2014. O Grupo dos 20 (G20) inclui: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Turquia, Reino Unido e União Europeia.
É preciso compreender melhor o nexo dos fluxos internacionais de investimento, comércio e serviços, caracterizados por costurar uma ampla rede produtiva, comercial e financeira liderada por grandes oligopólios internacionais e que leva a consequências diversas sobre o desenvolvimento econômico das regiões envolvidas.
Segundo o documento, políticas são necessárias para responder “a esta nova realidade e promover o ambiente de negócios que não apenas torne os países atrativos para alocar parte das CGV, mas também para facilitar que as oportunidades melhorem ao longo do tempo”. É claro que cada país deve analisar criticamente as recomendações da OMC/ OCDE/ Banco Mundial. Como o próprio relatório ressalva, a abertura é um passo para entrar nas CGV, mas não pode ser suficiente nem para assegurar a participação naquelas, nem muito menos resultados interessantes. Nesse último sentido, a inserção pode apoiar o desenvolvimento econômico na medida em que os efeitos de transbordamento dos investimentos, da tecnologia, dos processos produtivos e administrativos etc. contribuam para aumentar a renda e a produtividade tanto dos setores exportadores, quanto não exportadores. E para que isso se realize, o marco institucional do país é essencial, incluindo o regime macroeconômico e a política industrial.
Sobre os determinantes das cadeias globais de valor. Dezenas de fatores contribuem ou dificultam o engajamento nas CGV, alguns são mais permanentes, outros não; alguns dependem de forças domésticas, ou externas; uns são estruturais, outros institucionais; alguns partem do governo, outros do setor privado. Assim as estruturas organizacionais das CGV refletem, também, a distribuição de poder.
A visão tradicional reforça que a fragmentação das CGV tem sido liderada pela redução dos custos de coordenação e de comércio através de avanços tecnológicos, como o ship de container, ou o motor a jato, infraestrutura de comunicação e serviços de internet e financeiros.
A queda dos custos de transação teve a ver com a remoção, principalmente, de tarifas alfandegárias e medidas comerciais protecionistas, mas também com medidas domésticas para aumentar a capacidade produtiva e atrair empresas multinacionais. Assim, a liberalização do comércio é uma das muitas medidas possíveis para se engajar nas CGV. O fluxo das CGV implica geralmente mais exportações e também importações, porque os países dependem de mais insumos importados para exportar seus bens, finais ou intermediários, para continuarem a ser processados em outros países.
A dimensão geográfica precisa ser considerada no âmbito dos acordos de comércio, embora não seja o único determinante da inserção nas CGV. Por exemplo, 13% do valor das exportações totais da China vieram de países asiáticos vizinhos, da mesma forma, 13% do valor das exportações totais mexicanas têm origem nos EUA e 14% do da Alemanha vêm de vizinhos europeus. De outro modo, a Alemanha e os EUA possuem participação significativa comparativamente aos outros países no valor adicionado estrangeiro das exportações de quase todos os países do mundo. O relatório os denomina “centro de operações” ou quartéis-generais (headquarters) da produção das CGVs, pois vendem seu valor adicionado – enquanto aqueles que somente utilizam são economias “fábricas”.
Fatores estruturais, também são condicionantes importantes da participação dos países nas CGV. De acordo com o relatório, em geral:
- quanto maior o mercado doméstico, menor o envolvimento do país no suprimento das CGV (menor índice para trás, de participação dos importados no valor adicionado exportado total do país), porque em geral o setor de bens intermediários doméstico está mais desenvolvido.
- quanto maior a renda per capita, maior o engajamento para frente na cadeia – isto é, maior participação no valor adicionado exportado pelos outros países. Países desenvolvidos em geral contam com uma parcela maior dos bens intermediários nas suas exportações
- quanto maior a participação da indústria de transformação no PIB, maior o engajamento para trás nas cadeias e menor o engajamento para frente.
- as CGV estão concentradas na Europa, América do Norte e Ásia. Quanto mais longe os países estiverem desses núcleos, menor o engajamento para trás e para frente nas CGV.
Ou seja, como o Brasil é uma economia grande, de renda per capita média, com participação relativa da indústria no produto baixa e está longe do núcleo dos fluxos de bens internacionais, seu engajamento nas CGV pode ser explicado também por motivos estruturais. Para que essa situação se reverta, é preciso planejar estrategicamente, o que no caso do Brasil, por exemplo, buscando a sofisticação das atividades de serviços em nichos específicos a serem desenvolvidos. Caso contrário, o engajamento continuará sendo pequeno e concentrado no fornecimento de alimentos e matérias-primas, ou como destino de bens para consumo interno.
Entretanto, o motor da expansão das CGV está nas estratégias de negócios das grandes empresas multinacionais, pois a partir delas se distribuem os investimentos estrangeiros diretos (IED) pelo mundo. Mais além, formatam e dimensionam a participação de cada país nas CGV. Neste sentido, as empresas engajadas nestes fluxos de mercadorias e investimentos na maioria das vezes têm como requisito de operação a flexibilidade para atender à demanda da cadeia, ou ao processo associado à mesma. Isso significa, também, que a clareza sobre as condições do país para esse movimento - como as regras burocráticas e tributárias para entrada e saída de bens, serviços e capitais - acabam influenciando consideravelmente as decisões estratégicas de distribuição das atividades das CGV.
Então, o protagonismo das firmas nacionais depende de seus tamanho, posição na hierarquia das CGV, tipo de produto ou serviço gerado, capacidade de modernização, estrutura organizacional etc. A despeito dessas particularidades, segundo o relatório as firmas que se engajam com sucesso nas CGV partilham do fator-chave competitividade nos mercados internos e externos. Tanto no caso das grandes multinacionais, quanto das pequenas e médias empresas. Recentemente, tem-se aumentado a quantidade de firmas originárias dos países em desenvolvimento, que reformularam suas estratégias para o acesso, integração e sofisticação da participação nas CGV.
As empresas pequenas e médias costumavam se inserir na CGV vendendo produtos e serviços para as maiores, sendo exportadoras diretas ou indiretas. Seu papel sobre as o desenvolvimento econômico varia em cada país, mas essa inserção na CGV promete transbordamentos tecnológicos e administrativos. Contudo a promessa se realiza conforme forem as políticas internas de crescimento, a estratégia de desenvolvimento do Estado e das firmas líderes internacionais. Há diversas dificuldades a serem superadas em países em desenvolvimento, tanto sistêmicas – como mercados financeiros fracos, infraestrutura ineficiente, capital humano escasso, redes industriais incipientes (ver quadro). Depende também de sua própria capacidade de sofisticar sua produção para assegurar e aumentar sua competitividade na CGV, além de corresponder aos padrões de atuação e certificação exigidos.
O engajamento nas CGV das pequenas e médias empresas é bastante interessante para a criação de vagas de trabalho, porém sobretudo para sofisticar suas atividades, seja funcionalmente (diversificar para novas atividades), em termos de processo, de produto e da cadeia como um todo. Mais além, “o foco nas CGV traz novos elementos e atores para o fórum”, oriundos do sistema educacional, do sistema nacional de inovação e do setor privado.
O papel do governo não se resume a criar, subsidiar ou regular as CGV, mais do que isso, promover ambientes produtivos, de investimento, transporte, comunicação e comercialização – o que tem a ver também com a manutenção de um regime macroeconômico de acordo com o desenvolvimento industrial e comercial desejados, bem como o acesso ao financiamento e outros processos relacionados aos negócios. Neste sentido, antigas políticas comerciais já não são tão determinantes, procedimentos alfandegários, barreiras não-tarifárias, restrições ao fluxo de informações, restrições ao IED e ao trânsito de pessoas acabam contando até mais para as decisões de realocação segundo a hierarquia das cadeias.
As evidências apontam que em diversas indústrias, Pesquisa & Desenvolvimento & Inovação são cruciais para a competitividade das empresas. Contudo, principalmente nos novos segmentos de produtos e serviços que mais crescem, os direitos de propriedade das grandes firmas garantam lucros extraordinários e constituem-se em barreiras à entrada de novas firmas dos países em desenvolvimento. O planejamento estratégico para inserção nas CGV precisa, assim, de políticas de concorrência também. E ainda, intervenções governamentais na esfera social podem contribuir para dirimir algumas barreiras para a participação dos países em desenvolvimento nas CGV relacionadas ao empreendedorismo e a formalização – já que o mercado informal parece prevalecer nas partes a jusante do CGV em países de baixa renda.
Dados de 2011 mostram que o Brasil gasta mais em inovação em termos do PIB do que países como Chile, Indonésia, Eslováquia, África do Sul, Índia, Turquia, Polônia, México e até mesmo a Rússia, cerca de 1,2% do PIB – mas é um percentual abaixo dos países desenvolvidos e da China. Por outro lado, a quantidade relativa de pesquisadores é inferior em relação à maior parte da amostra de países estudada.
O relatório ressalva que as políticas industriais e tecnológicas voltadas à participação nas CGV não são necessariamente as mesmas para promover a competitividade em geral na economia, horizontais (infraestrutura, conectividade, ambiente de negócios favorável, acesso ao financiamento, inovação). Pois a inserção externa dos países tem envolvido também políticas mais precisas e focadas setorialmente, como restrições de comércio, conteúdo local, requisitos de desempenho exportador, entre outros.
Entretanto, política industrial com o objetivo de sofisticação, que diversas economias já estão almejando, não é onipotente – no sentido de que deve estar atenta aos obstáculos comuns na sua elaboração e implementação. Como exemplo, cita-se a seleção adversa em casos de subsídio indiscriminado, falta de condicionalidades de desempenho em troca de incentivos, construção de "catedrais no deserto" - fábricas e laboratórios de pesquisa em locais remotos que não geram resultados satisfatórios, excessiva burocracia, captura pelos grupos de interesses historicamente privilegiados, baixa massa crítica de investimentos que limita a eficácia dos planos de desenvolvimento industrial, horizonte de curto prazo e descumprimento dos planos devido a dificuldades no orçamento anual, falta de mecanismos de monitoramento e avaliação, excesso de protecionismo que reduz a competitividade das firmas existentes, entre outros.
De acordo com os resultados dos questionários aplicados pela OECD e pela OMC em países da OECD e alguns em desenvolvimento, na visão do setor público as três maiores barreiras que as firmas de países em desenvolvimento encontram para se conectar às CGV são infraestrutura inadequada, acesso a financiamento, e atendimentos a padrões internacionais/ ou da cadeia. Já na visão do setor privado a maior delas é financiamento, seguido dos custos de transporte, infraestrutura inadequada e incertezas regulatórias. As firmas líderes também consideraram um obstáculo importante os procedimentos alfandegários.
Com relação aos gargalos da infraestrutura, que incluem as instalações de transporte, telecomunicações, energia, rede sanitária etc., a solução para superar as várias lacunas, incluindo a cobertura, acesso e os custos, está fortemente associado à superação das limitações de recursos e à ação coordenada dos diferentes órgãos responsáveis e agentes envolvidos. A dificuldade é especialmente aguda nos países que têm dificuldades para executar seu orçamento. Segundo o relatório, mais de 30% dos países africanos e do sul da Ásia, e perto de 25% dos países da América Central e do Caribe, executam menos de 80% das suas despesas de capital orçado. Ou seja, em muitos casos é preciso, antes, conseguir levar a cabo a execução do orçamento do que propriamente aumentar os investimentos públicos em infraestrutura. Mesmo nos casos em que os projetos de infra-estrutura são impulsionados pelo setor privado, os governos podem estar envolvidos, não somente como incentivador e regulador, mas também monitorando para que os benefícios não se limitem aos provedores do investimento.
Sobre as questões comerciais, o relatório destaca que diante das CGV os formuladores de políticas devem valorizar o tempo, tanto quanto as tarifas. Mesmo as tarifas não sendo mais tão importantes na maioria dos canais de comercialização, a estrutura intrincada das cadeias pode multiplicar os seus efeitos. A OCDE/ OMC mostra que na conta de Koopman et al. (2010) dos chamados "índices de ampliação de tarifa" sobre bens manufaturados, tendo em conta as tarifas ao longo de todas as etapas da cadeia de abastecimento, o efeito de ampliação é particularmente importante em cadeias de valor longas, tais como comunicações e eletrônicos, veículos automotores, metalurgia básica e produtos têxteis.
Outras pesquisas destacam o efeito negativo das tarifas de entrada sobre intermediários. Um estudo recente da OCDE sugeriu que se as tarifas sobre produtos eletrônicos fossem reduzidas em um país em que as tarifas são elevadas (como o Brasil) para o nível médio da amostra de países incluídos na análise, as exportações de eletrônicos pode aumentar em 26%. Além disso, as tarifas de entrada sobre intermediários afetam as exportações do mesmo setor e também de indústrias a jusante. Por exemplo, se um país com altas tarifas sobre produtos têxteis (por exemplo, a África do Sul) promove uma redução para o nível médio na amostra de países incluídos na análise, as exportações de vestuário deste país pode aumentar em mais de 30%. Aliás, o relatório comenta também que como o comércio de bens intermediários em cadeias regionais e globais é intenso, países em desenvolvimento tendem a procurar fortalecer relações também com outras economias emergentes – que inclusive estão absorvendo cada vez mais produtos finais.
As zonas econômicas especiais (ZEE) ou programas relacionados são ações menos abrangentes do que a eliminação de tarifas para facilitar a importação de insumos, quer através de acordos multilaterais ou regionais. A implementação do ZEE pode ter implicações ambíguas de participação nas CGV. Por um lado, pode atrair atividades altamente sensíveis às tarifas, diferenciando a participação do país nas exportações mundiais. Por outro, as ZEE podem se tornar bolsões isolados de produção, ou aumentar a vulnerabilidade dos países de acolhimento às estratégias das empresas multinacionais relacionadas a essa atividade. Além disso, em geral as empresas multinacionais que localizam instalações nas ZEE estão perseguindo uma estratégia de redução de custos e, portanto, é improvável que priorizem a sofisticação funcional ou investimentos em P&D local.
Medidas não-tarifárias (MNT - abarcando todas as demais políticas exceto tarifas alfandegárias comuns que influenciam o comércio) afetam os fluxos das CGV, mas muitas vezes não têm necessariamente um caráter protecionista. Por exemplo, as medidas de requisitos de conteúdo local têm crescido desde os anos 2000, por exemplo, no segmento de energias renováveis. Do mesmo modo, a observância necessária de uma infinidade de normas e regulamentações técnicas podem ser particularmente difícil para que pequenas e médias empresas (PME) participem nas CGV. Também os padrões de sustentabilidade ambiental e social podem representar uma barreira à entrada para a participação GVC pelas PME. Promover a convergência das normas e requisitos de certificação e acordos de reconhecimento mútuo nos países envolvidos por uma cadeia de valor é um longo caminho necessário para aumentar a competitividade dos exportadores de pequena escala.
Por fim, cabe ressaltar que as restrições de acesso a serviços no mercado internacional podem impactar diretamente a indústria, agricultura e mineração. “Isto é particularmente verdadeiro para os serviços que atuam como facilitadores essenciais na dispersão geográfica dos CGV. Tais serviços incluem as TIC, o que reduz o custo de coordenação para CGV e são um importante facilitador do comércio de serviços, da gestão da cadeia de suprimentos (para reduzir os estoques, encurtar os prazos de entrega, e responder mais rapidamente ao cliente) e da melhoria dos serviços logísticos, incluindo bens monitoramento em tempo real de ativos físicos em todo o mundo através da "Internet das Coisas"”. Atualmente, a abertura dos mercados nacionais aos prestadores de serviços estrangeiros varia amplamente entre os países, seja através de barreiras à entrada, ou à de direitos de propriedade e de operações e procedimentos de licenciamento discricionários. Os serviços de negócios e de transportes estão entre os setores mais protegidos, enquanto que varejo, telecomunicações e financeiros tendem a ser mais abertos – tanto nos países industrializados quanto nos em desenvolvimento.
CGV e o comércio de serviços. A separação do comércio dos setores da indústria e dos serviços é bastante tênue, uma vez que o conteúdo de serviços incorporado nos produtos é grande e crescente. Este processo costuma ser chamado na literatura estrangeira de “servitization”, “servicification” ou “manuservice economy”. Segundo o relatório, o conteúdo médio dos serviços nas exportações dos países do G20 teria sido 42% em 2009, e superior a 50% para países como EUA, Reino Unido, Índia, França. No caso do Brasil, não chegou a 40%, estando entre os países com menor contribuição dos serviços nas exportações junto com Arábia Saudita, Indonésia, China, Rússia, Canadá e África do Sul. Aliás, os serviços também estão associados às atividades da agricultura, tal como extensões de serviços agrícolas, aluguel de equipamentos de produção, embalagem, armazenamento, marketing e distribuição.
Em muitos casos a sofisticação da participação dos países nas CGV está relacionada à diversificação para atividades de serviços que melhoram a qualidade dos produtos, reduzem custos, customizam – geralmente relacionadas a tarefas de desenvolvimento dos produtos como P&D, ou de comercialização como marketing. Estabelece-se assim, uma associação importante entre serviços e ativos intangíveis das empresas, que aumentam a produtividade, mas não assumem a forma de capital físico. Por exemplo, o estudo sobre a cadeia de valor de um determinado paletó masculino de preço US$ 450,00 mostrou que somente 9% do valor correspondem aos custos diretos de produção– o restante está relacionado a diversos serviços, propriedade intelectual, lucros e outros.
Por outro lado, as CGV dos serviços transacionados são menos internacionalizadas, já que o conteúdo estrangeiro nas exportações de serviços em 2010 foi de 14% - enquanto o dos bens industriais foi de cerca de 30%, e nas exportações primárias em média teria sido pouco menos de 10%(World Investment Report 2013, apud OCDE/ OMC 2014). Estima-se que a internacionalização das cadeias de serviços deve aumentar notadamente devido à redução dos custos computacionais e de comunicações e à maior qualificação da mão-de-obra nos países em desenvolvimento, o que colabora para a realocação de serviços para aqueles países.
CGV e o mercado de trabalho em países em desenvolvimento. De acordo com o relatório, de 1995 para 2008, a parcela do setor exportador nos empregos das empresas dos países do G20 aumentou consideravelmente – correspondendo entre a 10% a 35% do total. Esse crescimento foi mais expressivo na Alemanha, Japão, China e Índia. Por outro lado, o Brasil apresenta o menor percentual relativo de trabalho no setor exportador do G20 – o que está associado, por um lado à sua grande economia doméstica (como o caso dos EUA), mas também ao menor papel relativo do país no comércio internacional (22º no ranking de exportações em 2012, sendo uma das 10 maiores economias).
A internacionalização dos mercados de trabalho têm duas implicações lógicas. A primeira é a maior busca pela conformidade a leis e padrões internacionais, bem como suas renovações. A segunda é maior realocação dos postos de trabalho, o que os torna mais vulneráveis aos choques externos. Além disso, torna-se mais complexa a redistribuição dos ganhos associados ao valor da hora trabalhada...segundo o relatório, estudos sugerem que a desigualdade aumentou.
Esta observação é extremamente importante para atentar às diferenças de resultados relacionadas à inserção nas CGV. Especialmente no cenário em que continua a procura por custos de trabalho reduzidos, o que explica a transposição de segmentos trabalho-intensivos da China para economias asiáticas menores, como o Vietnã. As economias menores, em particular, apresentam condições mais fracas para negociar os termos do investimento das empresas multinacionais em seu país, o que compromete os efeitos de transbordamento e as externalidades que reduzem a heterogeneidade estrutural (setor exportador com produtividade e salários maiores em relação ao setor não exportador doméstico).
Por outro lado, há formas de inserção de países em desenvolvimentos que atraem investimentos e aumentam a produção de bens, e apontam para a sofisticação das tarefas – como pesquisa, design e inovação. Esse movimento tem maior chance de acontecer em países que já possuem certa capacitação doa trabalhadores e mercados domésticos largos, de forma que atraem investimentos não somente para as empresas montarem plataformas de exportação, mas também para atuar no mercado interno – como na Índia, China ou Brasil. Pode-se especializar também em nichos específicos de maior valor adicionado, como no caso de equipamentos médicos da Costa Rica– o que depende dos incentivos de política industrial e externa.
Genericamente, à medida que a inserção nas CGV reduza o conteúdo doméstico das exportações, já que as firmas passam a ter mais fornecedores estrangeiros, passa-se a trocar trabalho doméstico por estrangeiro. Esta substituição pode ser compensada pela criação de outras atividades relacionadas à CGV no país, ou pelo aumento de competitividade que essa inserção pode gerar para as atividades exportadoras em conjunto. Há o risco também de especialização em alguns segmentos da CGV que não contribuem para o desenvolvimento da economia como um todo, ou que degeneram condições de trabalho, ambientais e institucionais de um país.
À guisa de conclusão: Agendas domésticas e internacionais para fortalecer as CGV. Como se pode depreender da discussão acima, a participação nas CGV requer coordenação e colaboração entre as partes interessadas dos setores público, privado e sem fins lucrativos, a fim de garantir que os interesses estão alinhados, as competências claramente especificadas, e as restrições estruturais bem cobertas. Tal interação entre as partes interessadas da indústria pode ser promovida e sustentada através de mecanismos como conselhos público-privados estratégicas para indústrias selecionadas, colaborações das associações de classe e setoriais, coordenação intragovernamental e cooperação ao nível inter-ministerial. A agenda desse esforço, em especial no âmbito do G20, deveria contemplar:
- Formação de instituições públicas robustas, especialmente para melhorar o comércio em setores com longas cadeias de valor.
- Aumentar as capacitações para fortalecer a participação em atividades intensivas em conhecimento das CGV.
- Investimento em inovação.
- Atentar para o fato de que o investimento estrangeiro direto, liderado pelas empresas transnacionais é um determinante importante da CGV.
- Desenvolvimento financeiro.
- Cuidar da regulação dos mercados de trabalho e de bens, atentando para as idiossincrasias das CGV, respeitando as leis internacionais e nacionais.
- Melhorar a infraestrutura.
- Liberalização do comércio a nível multilateral e regional.
- Não esquecer de promover e garantir a execução das política sociais e ambientais
- Aprofundar estudos sobre CGV.
Mesmo considerando que a participação dos países nas CGV é heterogênea, portanto cada país deve analisar sua forma de inserção estrategicamente e particularmente, segundo o relatório, o relatório aponta algumas lições importantes para as políticas para inserção nas cadeias globais:
1) Sobre comércio
- Tarifas não são mais tão relevantes para o comércio como eram antigamente.
- A OMC e a OCDE defendem a abertura multilateral, ao invés de arranjos discriminatórios, ou barreiras para terceiros, no começo ou final da cadeia.
- As CGV são bastante sensíveis à qualidade e eficiência dos serviços, que já respondem a mais de 42% das exportações totais dos países do G20.
- Melhorar a logística é fundamental, pois sua qualidade influencia decisões de CGV até mais do que a distância geográfica, em alguns casos.
2) Sobre crescimento
- A inclusão nas CGV pode significar crescimento e melhoria de produtividade, associados ao transbordamento tecnológico e de conhecimento.
- Políticas para aumentar a competitividade de ofertantes locais tendem a ser mais eficientes do que políticas de conteúdo local.
- A integração à CGV deveria ser um dos fatores de uma agenda mais ampla de crescimento econômico, que combine o regime macroeconômico com políticas industriais.
- Economias em desenvolvimento ainda apresentam deficiências de capacidade produtiva, e portanto necessitam de investimentos estratégicos nas pessoas (saúde, educação, habilidades) e na infraestrutura física.
3) Sobre emprego
- Com a elevação da participação das CGVs no PIB mundial, há um correspondente aumento de vagas no mercado de trabalho que depende da demanda final externa.
- Nas nações-sede de multinacionais, os empregos perdidos pelo deslocamento da produção para outras localidades podem ser contra-balanceados por vagas relativas à operação dessas atividades no exterior, muitas vezes de maior valor adicionado.
- O maior risco para o emprego está na descontinuidade das cadeias, por isso as políticas precisam focar os trabalhadores, e não as vagas, inclusive contra a perda de trabalho em decorrência de reversões de estratégia externa.
- As diferenças entre os países engajados nas CGV em relação à parcela dos lucros brutos das empresas estrangeiras que deixam a economia doméstica se devem aos regimes tributários e às estratégias das empresas.
4) Sobre o desenvolvimento
- Países em desenvolvimento estão se engajando mais nas CGV, mas os ganhos não são automáticos.
- Para a inserção na CGV ser vantajosa, são necessárias políticas sociais, ambientais e de governança.
- Para a sofisticação da participação nas CGV, seria necessário um sistema de inovação expressivo que colabore para o investimento em conhecimento, disseminação da tecnologia, qualificação da mão-de-obra e para o empreendedorismo.
- O desenvolvimento do sistema financeiro também é interessante, reduzindo a restrição de capital e diminuindo o custo do comércio.
- A melhoria dos setores de serviços também é condição importante para melhorar o engajamento nas CGV.
- Os países devem garantir que as firmas participantes das CGV respeitam as leis trabalhistas, monitorando o cumprimento dos padrões de saúde, segurança, ambiente de trabalho e de capacitação da mão-de-obra.
- Finalmente, “é importante ressaltar que a liberalização do comércio é uma condição importante para a geração inclusiva de emprego e crescimento da renda a partir das CGV, mas não é suficiente por si só. Nem todos os países, empresas e trabalhadores estão igualmente preparados para os ajustes associados a mercados mais integrados. Embora cada país tenha suas próprias especificidades, ainda é crucial ter políticas ativas para o mercado de trabalho e investimentos na educação, na qualificação e formação - para melhor adequar a oferta de trabalho à demanda -, bem como redes de segurança social e políticas de concorrência em vigor. Serão necessários investimentos na melhoria das capacidades do lado da oferta em muitos países em desenvolvimento, além da criação de um ambiente político propício à inovação em geral”.