Carta IEDI
Para Uma Nova Política de Comércio Internacional do Brasil
A tímida inserção do Brasil na economia mundial se transformou num dos grandes desafios para o desenvolvimento do país e demanda reformas urgentes em nossa estratégia comercial. O porte da economia brasileira nos permite almejar uma colocação mais relevante no fluxo de comércio global do que a discreta 22º posição que o país ocupa atualmente, o que geraria benefícios tanto para o universo corporativo local como para o bem estar da população.
O presente artigo, de autoria do Presidente do IEDI Pedro Passos e publicado na revista Política Externa, Vol 22 - nº 3 – jan/fev/mar 2014, reúne e resume trabalhos do IEDI a respeito do tema, partindo do diagnóstico de que o atual “déficit” na competição externa de nossas empresas é destacado fator limitativo do desenvolvimento em nossa economia de padrões de qualidade, governança, produtividade e inovação vigentes nos países mais avançados. É necessário, portanto, perseguir com muito mais tenacidade do que temos feito a reinserção externa da economia brasileira e a internacionalização dos grupos empresariais.
Nas últimas três décadas, a globalização reconfigurou o crescimento econômico, abrindo canais importantíssimos para que os países emergentes se aproximassem do mundo desenvolvido. O Brasil participou apenas marginalmente desse processo e não conquistou como deveria o seu espaço no mapa global da produção e dos avanços tecnológicos.
Na moderna era da globalização, as políticas de desenvolvimento que pretendam maior presença nas cadeias de geração de valor não devem deixar de contemplar novas formas de integração comercial, o que envolve abertura do mercado por meio de reduções de tarifas e acordos de comércio, visando o barateamento das importações e aumento da competitividade nas exportações. Resumindo: importar para exportar. Isso significa manter proximidade e estabelecer como referência para nosso parque produtivo a estrutura de custos internacionais, o que induzirá à criação de canais de atualização tecnológica.
A contrapartida à abertura de mercado proposta acima é o incentivo à atuação externa mais vigorosa por parte da empresa brasileira. Esse movimento é imprescindível para atualizar e renovar as condições e a produtividade da produção local. Internamente, a intensidade dos ganhos derivados da maior internacionalização vai depender dos avanços na produtividade geral da economia, o que implica melhoria da educação, da infraestrutura, dos sistemas de comunicação e dos sistemas tributários.
O Impasse no Sistema Multilateral de Comércio e os Acordos Preferenciais de Comércio. A participação mais ativa do país na economia internacional requer também dedicação crescente aos acordos comerciais entre países e blocos, que, nos últimos anos, vêm sendo perseguidos com determinação por economias nos mais diversos estágios de desenvolvimento. O Mercosul e, especialmente, o Brasil, se mantêm isolados nesse contexto, o que leva à participação modesta nas cadeias globais de valor.
A maior integração brasileira no comércio mundial abre oportunidade para o aumento da produtividade da economia e para o reposicionamento do país no comércio global, duas demandas urgentes na atual conjuntura. Além disso, bem exploradas, ajudarão a revigorar a base produtiva e o crescimento da atividade industrial, além de estimular as exportações. Necessitamos de mais investimentos em inovação e desenvolvimento acentuado dos setores intensivos em tecnologia e mão de obra qualificada. E precisamos também de mudanças na política de comércio exterior, negociando acordos preferenciais e buscando maior integração nas cadeias produtivas globais.
Nos últimos anos, o Brasil deu prioridade a organismos internacionais como a OMC para se adequar ao novo ambiente. A organização, porém, vive um momento particularmente difícil de sua história. Criada em 1947 como GATT, se fortaleceu ao longo dos anos perseguindo o objetivo de liberalizar o comércio e direcioná-lo para o desenvolvimento. Ao longo desse período, conduziu com sucesso oito rodadas de negociações, as primeiras dedicadas à redução de barreiras tarifárias e as últimas à ampliação do quadro de atuação para barreiras não-tarifárias e defesa comercial. Além disso, colocou na ordem do dia temas como propriedade intelectual e serviços.
Uma de suas ações cruciais foi a Rodada de Doha, iniciada em 2001, no momento em que a China ingressava na organização. Os objetivos eram reduzir substancialmente as barreiras tarifárias, reformar o setor agrícola ainda protegido por quotas e subsídios. Outra meta era reestruturar a área de defesa comercial, ampliar a liberalização de serviços e introduzir o meio ambiente no seu marco jurídico. As negociações foram travadas pela pouca vontade política dos países desenvolvidos em rever regras da atividade agrícola, contrariando, assim, os anseios dos países em desenvolvimento, que, por sua vez, relutaram em conceder mais abertura de seus mercados de bens e serviços. Com a crise financeira global de 2008, a Rodada entrou em profundo impasse.
A paralisia começou a ser rompida recentemente. O acordo de Bali, celebrado em 7 de dezembro de 2013, foi um teste importante para a governança global. Ainda que modesto, os termos ali definidos facilitarão o comércio, a administração de quotas agrícolas, a segurança alimentar e a ajuda ao desenvolvimento. Tão importantes quanto essas conquistas, o acordo significa que o foro estará aberto para avançar em temas politicamente mais sensíveis, como abertura de mercados para bens agrícolas e não-agrícolas, serviços, além de reincorporar temas do antigo mandato de Doha como investimento, concorrência e compras governamentais.
A hibernação à qual a OMC foi submetida deixou um vácuo que diversos países preencheram com a celebração de dos APCs (Acordos Preferenciais de Comércio) e ,mais recentemente, mega-acordos comerciais. Dessa experiência, o Brasil deve extrair a lição de que o comércio e a constante evolução das regras para sua atuação exigem um marco regulatório flexível e contínuo, que avance na medida em que as imposições do cenário assim o definam. O Brasil não pode permanecer dependente de uma única fonte de deliberação para regras comerciais. Ao contrário, precisa atuar em outras frentes de negociação, ou seja, nos foros dos acordos e mega-acordos que regem esse campo.
É preciso sublinhar que os parâmetros estabelecidos na Rodada Uruguai, que culminou na criação da OMC, se revelaram insuficientes para lidar com os desafios propostos pelo comércio internacional do século XXI, dominado pelas chamadas cadeias globais de valor. Temas como investimento, concorrência, meio ambiente, padrões trabalhistas, barreiras técnicas, comércio eletrônico e padrões de sustentabilidade exigiam uma regulação internacional. A negociação de novas regras se mostrou urgente para fomentar o comércio internacional e o crescimento econômico.
Os acordos comerciais que viriam a ser negociados estabeleceram não apenas compromissos ambiciosos de acesso a mercados em bens e serviços, mas definiram também um novo quadro que ultrapassa as regras da OMC (batizadas de regras OMC-plus). Trataram ainda de uma série de questões deixadas de fora do sistema multilateral, tais como concorrência, padrões trabalhistas, meio ambiente, investimentos (chamadas de regras OMC-extra).
Em 1991, segundo a OMC, cerca de 50 APCs estavam em vigor. Em 2001, algo em torno de 270 acordos já haviam sido notificados à organização e 200 deles encontravam-se em funcionamento. Em julho de 2013, a OMC contava com 575 notificações e 379 acordos em vigor. Os EUA têm atualmente 14 acordos em vigor e a UE, 35. Esse rápido avanço confirma o interesse de muitos países na esfera preferencial em detrimento da esfera multilateral. Isto tem implicações para a regulação do comércio global.
O Brasil pouco participou desse processo. O número de acordos é limitado, já que o país por muito tempo privilegiou as negociações multilaterais em detrimento dos acordos preferenciais. Nessa área, a energia foi direcionada para o Mercosul e para a Associação Latino Americana de Integração – ALADI, no âmbito da qual foram celebrados alguns APCs.
Assim, além da união aduaneira do Mercosul (que reúne, além do Brasil, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e, desde 2012, a Venezuela) o país apenas tem acordos com Chile, Bolívia, Guiana, Suriname, México, Peru, Colômbia, Equador e Cuba. Entretanto, eles se limitam, sobretudo, a tarifas preferenciais. Apenas o acordo com o Chile trata do acesso a serviços.
Fora do âmbito regional, a situação é ainda mais desfavorável. O Brasil privilegiou, durante toda a década de 2000, a integração sul-sul. Assim, foram firmados apenas acordos com países em desenvolvimento, com pouca relevância para a pauta comercial brasileira. Foram cinco no total: Índia, Israel, União Aduaneira do Sul da África – SACU (África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia, Egito e Palestina), sendo que apenas os dois primeiros estão em vigor.
Somente em 2010 foi retomada a negociação para um acordo com a União Europeia. As conversas, em conjunto com o Mercosul, começaram em 1995 e interrompidas em 2004, na mesma época em que o país passou a privilegiar a integração sul-sul. A União Europeia vem exigindo compromissos de abertura de mercados que abranjam 90% das linhas tarifárias e a primeira proposta elaborada pelo Brasil já cobre 87% das linhas. Tal acordo, porém, só trata de barreiras tarifárias, deixando a descoberto a questão relativa às regras de comércio.
Os entraves internos enfrentados pelo Mercosul para novos acordos preferenciais, em especial com parceiros de maior relevância, leva a questionamentos sobre as vantagens da negociação conjunta de acesso a mercados de interesse do Brasil.
A proliferação de APCs modificou o cenário internacional com importantes repercussões, tanto para os países mais ativos nesse campo como para aqueles que se encontram isolados do movimento. De fato, os acordos afetam o acesso a mercados, principal foco na primeira geração de APCs. Eles permitiram que as partes envolvidas se beneficiassem de acesso preferencial, com tarifas mais baixas ou inexistentes e abertura do mercado de serviços. O acesso preferencial pode privilegiar os produtos do parceiro do APC em detrimento de outros players, ainda que estes tenham condições mais competitivas. Assim, países sem a chancela veriam seu acesso a mercados estrangeiros reduzidos em razão da preferência dada aos demais parceiros.
Nesse sentido, o Brasil pode ser prejudicado em razão de seu relativo isolamento. Parceiros comerciais importantes como EUA e UE vêm celebrando inúmeros APCs, com potencial prejuízo das exportações brasileiras que não se beneficiam das mesmas vantagens.
O aumento no número de acordos pode também afetar os países que já desfrutam de acesso preferencial. O acesso preferencial inicialmente concedido a apenas um ou alguns membros é estendido a um número maior de produtores. Assim, os parceiros originais perdem a vantagem comparativa que desfrutavam.
Na América Latina, onde o Brasil possui vários acordos com margens de preferência próximas a 100% , isso já ocorre. O Chile, por exemplo, celebrou outros 28 acordos, além do APC com o Mercosul, inclusive com economias de peso como EUA, China e UE. Assim, a preferência tarifária brasileira perde importância. Outros países com grande número de acordos são Colômbia, com 13 APCs, México (22) e Peru (19).
A demora do Brasil em se inserir no comércio mundial e a reticência em promover a integração com grandes parceiros comerciais coloca o país em posição de isolamento. Caso não modifique sua política de comércio exterior e promova a celebração de novos APCs, corre o sério risco não apenas de deixar de obter os ganhos advindos dessas negociações, mas também o de perder mercados já consolidados para outros atores.
Outro aspecto a ser levado em conta é o seguinte: com a redução das tarifas proporcionada pela conclusão da Rodada Uruguai na OMC, as barreiras não tarifárias se tornaram o principal obstáculo ao comércio internacional. Especialmente em países desenvolvidos, a média das taxas aplicadas já é baixa, de maneira que a simples concessão de tarifas preferenciais não tem grande impacto para o comércio bilateral.
Obstáculos às trocas comerciais são encontrados, sobretudo, na forma de padrões, selos, regulamentos técnicos, entre outros, cujos processos de conformidade e certificação geram custos importantes para os produtores, prejudicando suas exportações. Desse modo, a segunda geração de APCs passou a se preocupar também com a diminuição de barreiras não tarifárias. Os acordos costumam apresentar capítulos envolvendo barreiras técnicas ao comércio e medidas sanitárias e fitossanitárias. Em geral os membros negociam harmonização de padrões e regras de reconhecimento mútuo com o objetivo de reduzir os custos de conformidade.
Além disso, foram criadas nos APCs regulamentações para solucionar uma série de outros pontos não abordados pela OMC. Por exemplo, é comum a existência de regras de propriedade intelectual que ofereçam um nível de proteção superior ao que vigora atualmente.
O avanço na fronteira regulatória do comércio internacional apresentada por alguns APCs tem consequências também nos países não participantes dos acordos. A tendência é que as regras negociadas pelos principais atores internacionais (notadamente EUA e UE, que apresentam modelos próprios bem definidos) sejam estendidas a todos os demais parceiros comerciais. Nesse sentido, o Brasil, em função de seu isolamento, assume o papel de rule taker e não rule maker na definição da governança do comércio global.
Os Mega-acordos. Os mega-acordos são uma grande novidade no comércio internacional. Eles visam promover ampla integração entre parceiros, abrangendo uma parte substancial do sistema mundial e apresentando um denso arcabouço regulatório que vai muito além das questões já tradicionalmente abordadas pelos APCs convencionais.
Os mega-acordos mais amplos são o Trans-Pacific Parnership (TPP), iniciativa dos EUA em conjunto com Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã; e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), entre EUA e UE. Eles têm como objetivos a redução substancial das barreiras tarifárias e não tarifárias, bem como a liberalização do setor de serviços. As negociações visam desenvolver também um novo quadro regulatório para o comércio internacional.
O TPP deriva de uma preocupação dos EUA de responder ao avanço da China na Ásia, mantendo sua influência na região. Os países participantes representam, em conjunto, cerca de 40% do comércio internacional, demonstrando a importância da região do pacífico na economia global e o potencial impacto desse acordo.
O TTIP, por sua vez, assegura a atuação dos EUA sobre o Atlântico e coloca na mesa de negociação dois parceiros com divergências históricas no que tange à regulação do comércio internacional. Durante mais de meio século, os dois atores pautaram as negociações do sistema multilateral, que culminou com o impasse de Doha. Agora, eles se voltam para a esfera preferencial a fim de avançar a fronteira regulatória e criar novos parâmetros para as relações de troca. Juntos, representam 23% de todas as exportações mundiais.
Os dois acordos trarão efeitos importantes para a economia mundial, tanto nos fluxos de comércio como em termos da regulação internacional.
Dentre suas principais propostas está a regulação de temas como comércio eletrônico, ampliação da garantia à propriedade intelectual, estabelecimento de um alto grau de proteção aos investimentos, entre outros. Também propõem abordar outras questões: coerência regulatória, de forma a tornar as legislações domésticas dos participantes compatíveis e mais transparentes; reduções das vantagens estruturais de empresas estatais para permitir igualdade de condições na concorrência entre companhias públicas e privadas; promover a inserção de pequenas e médias empresas no comércio internacional; e incentivar cadeias globais de valor .
No TTIP, as negociações devem se mostrar complexas em alguns pontos. Barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias devem ser os principais pontos do acordo, uma vez que as tarifas dos dois parceiros já são baixas e os principais obstáculos ao comércio bilateral residem em questões regulatórias. A proposta é avaliar cada barreira existente a fim de promover a harmonização entre ambas as legislações. Se isso não for possível, a alternativa é promover reconhecimento mútuo das regras relativas às barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias. Entretanto, muitos se mostram céticos na obtenção de um consenso e é justamente nessas questões que as conversas podem chegar a um impasse.
De outro lado, se a negociação do TTIP for bem sucedida, ela deverá pautar toda regulação futura do comércio internacional, afetando, inclusive, outras economias como a brasileira. O consenso entre dois grandes players, eliminando as divergências históricas entre eles, tem forte potencial para se tornar parâmetro para quaisquer futuras negociações.
Em suma, o TTIP e o TPP, se bem sucedidos, devem expandir de maneira significativa a fronteira regulatória no campo comercial e, em função da abrangência e relevância de ambos os acordos, poderá se tornar referência para o comércio global.
As Cadeias Globais de Valor. O comércio internacional contemporâneo apresenta outro desafio que torna imperativo uma reavaliação brasileira de sua política para o setor. A gradativa liberalização do comércio, o consequente aumento dos fluxos na troca de mercadorias e o desenvolvimento tecnológico permitiram que a cadeia produtiva também fosse internacionalizada. As empresas com domínio de altas tecnologias combinam seu know how aos baixos custos de produção em outros países, criando uma estrutura de manufatura global. Atualmente, o comércio internacional é composto não apenas de mercadorias finalizadas, mas também de um comércio de tarefas (trade in tasks).
Os parques industriais das empresas ultrapassaram as fronteiras e passaram a ser integrados por diversos países, criando cadeias globais de valor compostas pelas diversas partes do produto a ser obtido, bem como por parcela relevante de serviços adquiridos na atividade fabril. Não se trata mais de regular a troca de bens entre companhias sediadas em diferentes países, mas sim de coordenar a produção entre essas empresas, em todas as suas etapas.
Diante desse quadro, se tornou imperativo repensar a regulação do comércio, seja em sua esfera multilateral seja em sua esfera preferencial. As cadeias globais se opõem a todas as barreiras comerciais impostas pelos Estados, pois essas barreiras afetam as exportações das empresas internacionais e as importações de que necessitam para concluir determinada etapa da produção. Mesmo tarifas baixas se tornam relevantes, já que algumas partes e componentes são reexportados diversas vezes, aumentando o peso das tarifas no custo final do produto.
Mais: padrões técnicos e sanitários e outros obstáculos regulatórios necessitam ser harmonizados dentre os países que participam da cadeia, a fim de diminuir os custos de transação. Facilitação de comércio, além de outros temas relacionados a ele, como concorrência, investimentos e propriedade intelectual, é também essencial. A governança das cadeias globais começa a ser desenhada nos acordos preferenciais de comércio. O TTIP e o TPP preveem capítulos dedicados ao tema assim como outros acordos de integração.
É interessante notar que as cadeias globais de valor ainda apresentam forte componente regional. A produção, ainda que ultrapasse as fronteiras nacionais, tende a se concentrar em uma região, sob a liderança de quatro países em três continentes: EUA (América), Alemanha (Europa), Japão e China (Ásia) . É patente a ausência da América do Sul nesse cenário. Sem um polo tecnológico na região e com uma integração ainda limitada, o continente fica à margem do mapa da produção global.
O Mercosul e, especialmente, o Brasil se mantêm distantes dessa tendência. Pesquisa realizada pela OCDE e pela OMC junto a 40 países mostra que a presença do país nas cadeias globais é muito baixa. No principal indicador dessa participação, a contribuição estrangeira ao valor agregado das exportações, o índice brasileiro é inferior a 10%, enquanto na China supera 30% e na média da OCDE alcança 24%. Quanto à proporção de insumos importados que é reexportada, o índice para o Brasil é de 14%. Na China e na Coréia do Sul supera 50%.
Com relação à integração indústria/serviços, segundo aquelas mesmas organizações internacionais, nada menos que 48% do valor agregado exportado pelos países da OCDE correspondem a serviços, boa parte incorporada às vendas externas manufatureiras. A média do Brasil é menor, 36,7%, o que certamente reflete nosso atraso industrial. Mesmo assim, a contribuição da indústria para as exportações de serviços é relevante. Os estudos indicam que, em termos de valor adicionado doméstico, 26% das exportações de serviços por parte do Brasil são de responsabilidade direta das empresas do setor. Mas, percentual muito maior, 65%, resultam de serviços domésticos embutidos nas exportações de bens, sobretudo industriais. Outros 9% se referem a serviços importados.
Em alguns setores fabris, o peso de serviços é significativo. Na exportação de produtos químicos, equipamentos de transporte, alimentos processados e bebidas, quase um terço do valor adicionado corresponde a serviços. Outros segmentos industriais chegam perto de 30%. Na agricultura, o percentual é bem inferior: 17%. Ou seja, a indústria moderna é uma engrenagem de exportação de serviços.
A maior participação brasileira em cadeias produtivas e mais intensa interação entre indústria e serviços são oportunidades para aumentar a produtividade da economia e reposicionar o país no contexto global, duas metas que deveriam ser colocados como prioridade na atual conjuntura. Além disso, bem exploradas, ajudarão a revigorar a base produtiva e a acelerar o crescimento da produção e das exportações de bens e serviços. O que nos falta é mais inovação e maior desenvolvimento dos setores intensivos em tecnologia para aproveitar todo o potencial das sinergias entre indústria e serviços. Nos falta também uma mudança na política de comércio exterior, em direção à negociação de acordos preferenciais de integração profunda.
Resumo e Principais Conclusões. Como já frisamos, a política brasileira de comércio internacional está diante de um impasse. A estratégia de concentrar todos os esforços no sistema multilateral de comércio, representado pela OMC, não produziu resultados. Pior: na política comercial, o governo demora a mudar de rumo.
Desde os anos 2000, os principais blocos de países desenvolvidos e emergentes partiram em direção a acordos preferenciais de comércio. O Brasil assistiu ao desenvolvimento desse processo, julgando suficiente manter a economia direcionada ao seu dinâmico mercado interno.
Em 2011, os EUA lançaram negociações para um tratado com vários países do Pacífico. Impacto ainda maior teria uma iniciativa envolvendo EUA e UE em 2013, visando um novo acordo, o TTIP - Transatlantic Trade and Investment Partnership.
Convém sublinhar o significado dessas duas iniciativas: estabelecer um novo marco regulatório para o comércio, incluindo regras para questões prementes como investimentos, concorrência, ambiente e clima, padrões trabalhistas, energia, economia digital, além de expansão da liberalização de serviços e reforços em propriedade intelectual. Em se concretizando, estes acordos abrangentes certamente consolidarão uma fonte alternativa de regras que, com o passar dos anos, será imposta aos demais parceiros que desejem ter acesso a imensos mercados.
Os mega-acordos contaram com o apoio de grandes empresas internacionais, os principais atores do comércio global da atualidade e responsáveis pelo desenvolvimento do modelo de cadeias globais de valor. Esse modelo tem sua força na agregação de serviços a componentes produzidos aos menores custos ao redor do mundo. Na era da economia digital, parcela preponderante do valor agregado cabe aos detentores da inovação, designers, logística e do pacote de financiamento. As empresas internacionalizadas procuram derrubar custos e assim, as regras tradicionais do comércio da OMC acabaram se transformando em barreiras para atingir esse fim.
Nessa intensa movimentação, o Brasil assumiu a postura de espectador, sem participar ativamente de acordos comerciais fora do eixo Mercosul/ALADI e mantendo posição apenas marginal nas cadeias globais de valor.
O país pode ser prejudicado em razão de seu relativo afastamento. Em primeiro lugar, porque os acordos comerciais dos quais não participa concedem acesso preferencial a outros parceiros, o que provoca efeitos negativos às exportações brasileiras. Em segundo lugar, porque o acesso preferencial inicialmente concedido a um ou mais parceiros tende a ser estendido a uma gama maior de produtores. Assim, os membros iniciais perdem a vantagem comparativa que inicialmente desfrutavam.
A posição do Brasil em relação ao acesso a mercados tem se tornado fonte de preocupação, cenário agravado pela demora em se inserir nesse movimento e a hesitação em promover a integração com seus grandes parceiros comerciais. Caso não atualize sua política de comércio exterior para promover a celebração de novos APCs, poderá não apenas deixar de obter os ganhos advindos dessas negociações, mas poderá também perder mercados já consolidados para outros atores.
No plano interno brasileiro constata-se o desgaste da estrutura governamental responsável pela política de comércio internacional. A área perdeu prestígio, comando e capacidade de liderar novas iniciativas. Os participantes da política comercial são múltiplos: o Ministério de Relações Exteriores, o Ministério do Desenvolvimento que chamou para si a política de promoção de exportações e de defesa de interesses setoriais, e o Ministério da Fazenda, que detém os instrumentos de política, mas não domina a complexidade do marco regulatório do sistema internacional de comércio. Todos sob o comando de uma Camex burocratizada, que não tem poder de iniciativa. O mundo assiste a atuação de um USTR nos EUA, de um Trade Comissioner na UE, de Trade Ministers em vários países, mas o Brasil permanece sem face para o comércio internacional.
O Brasil deveria estabelecer o objetivo de conquistar expressão maior nos fluxos comerciais mundiais e participar mais ativamente das cadeias globais de valor, o que lhe permitiria colher os benefícios oriundos de um comércio internacional mais livre e ágil, quais sejam, aumentar a produtividade e reduzir custos de produção.
A inserção externa brasileira é uma necessidade para fazer frente ao avanço da China no mundo e no Brasil, onde sua presença no parque industrial cresce continuamente. Também há maior conscientização dos empresários de que o comércio internacional passa por profunda transformação com o desenvolvimento das cadeias globais de valor, o que nos obriga a buscar maior competitividade. A decisão do governo, de atuar de forma mais decisiva no câmbio, criando um ambiente mais adequado às exportações, é outro fator a ser lembrado. O momento atual é positivo para a tomada de decisões inovadoras.
É hora de voltarmos a dar prioridade ao comércio exterior, que tantos ganhos já trouxe ao país. Para isso, será necessário que o Brasil tenha novamente uma única e forte voz nos foros internacionais, assim como uma estrutura dinâmica e atuante em contato direto com os setores produtivos. O país precisa escolher alternativas que lhe assegurem domínio e coordenação em seu processo de reinserção externa. Seriam elas: a) reestruturar e dar poder à Camex, transformando-a em Ministério do Comércio Exterior, que agregaria as atividades da Secex; ou b) reestruturar o MRE, definindo uma área de economia internacional separada das atividades diplomáticas; ou c) reestruturar o MDIC, fortalecendo a Secex, dotando-a de poder de iniciativa e transformando-a em coordenadora de fato da política de comércio internacional.
Por outro lado, governo, setor empresarial e setor acadêmico devem se debruçar sobre questões prementes e vitais, como:
- Deve o Brasil manter sua política de isolamento, priorizando apenas América do Sul e África?
- Deve o Brasil ceder às pressões da Argentina e retardar a finalização do acordo longamente postergado com a UE?
- Deve o Brasil repensar seus vínculos com o Mercosul, indo além de um quadro regulatório que foi adequado para outro momento histórico?
- Deve o Brasil partir para uma agressiva política de negociar acordos preferenciais com vários de seus parceiros mais desenvolvidos ou manter a estratégia do comércio sul–sul?
- Deve o Brasil, no contexto de uma eventual negociação do TTIP entre EUA e UE, ficar apenas restrito a um acordo Brasil/Mercosul com a UE, ou deve partir para um novo diálogo-atlântico, para compensar o diálogo-pacífico, e partir para a retomada de um acordo com os EUA?
O momento exige uma rediscussão da política brasileira de comércio internacional.
Referências
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Notas
1 - Ver BAUMANN, Renato; CERATTI, Rubens, “A política comercial dos BRICS e seu entorno e efeitos para o Brasil”, IPEA – Texto para Discussão 1745, junho de 2012
2 - FERGUSSON, I.; COOPER, W.; JURENAS, R.; WILLIAMS, B., The Trans-Pacific Partnership Negotiations and Issues for Congress, Congressional Research Service Report for Congress, junho de 2013, p. 47-48 e AKHTAR, S. JONES, V., Proposed Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP): In BriefI, Confressional Research Service, julho de 2013
3 - Ver THORSTENSEN, Vera; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina, BAPTISTA, Adriane, “Sistemas de Regulação do Comércio Internacional em Confronto: o marco dos estados e o marco das transnacionais”, Política Externa, v. 21, n. 4, abril – junho 2013
4 - BALDWIN, Richard, WTO 2.0: Global governance of supply chain trade, CEPR, Policy Insight n. 64,
2012, p.5
5 - Ver a respeito da inserção brasileira nas cadeias globais de valor, IEDI. O Descompasso Brasileiro Entre Investimento Externo Direto e Participação nas Cadeias Globais de Valor, Carta IEDI n. 597 08/11/2013 e IEDI. O Lugar do Brasil nas Cadeias Globais de Valor, Carta IEDI n. 578, 28/06/2013.