Análise IEDI
A importância da indústria para o desenvolvimento, segundo economistas do Banco Mundial
Desenvolvimento econômico e industrialização sempre caminharam juntos. Historicamente, as economias que alcançaram maior nível de renda e atualmente constituem o grupo de economias desenvolvidas foram aquelas que trilharam o caminho do desenvolvimento industrial. A importância do desenvolvimento liderado pela indústria e suas distintas configurações setoriais são tema do primeiro capítulo do livro do Banco Mundial intitulado “Trouble in the Making? The Future of Manufacturing-Led Development” e escrito por Mary Hallward-Driemeier e Gaurav Nayyar.
A indústria é elemento-chave no desenvolvimento por apresentar fatores que, embora não sejam de exclusividade do setor, não aparecem reunidos na mesma intensidade em outros setores. Segundo os autores do estudo, é a combinação dos cinco critérios abaixo que abre a possibilidade de promover ganhos dinâmicos de produtividade que transbordem para a integralidade do sistema econômico de um país.
1. capacidade para absorver mão de obra menos qualificada de outros setores;
2. peso do emprego do setor no total da economia;
3. nível de produtividade que o setor consegue extrair do trabalho;
4. grau de participação do setor nos mercados internacionais;
5. escopo para inovação e difusão.
É a indústria que melhor se posiciona frente a este conjunto de critérios, ao apresentar níveis elevados de produtividade e grande capacidade de absorção de mão de obra menos qualificada de outros setores, ao mesmo tempo em que é o principal responsável pelas atividades de inovação e pela integração internacional das economias. Deste modo, os países têm muito a ganhar se estabelecerem estratégias de desenvolvimento que promovam uma indústria competitiva internacionalmente.
Apesar de importantes para o desenvolvimento, os demais setores da economia encontram dificuldades em reunir todos os critérios acima. A agricultura, por exemplo, pode ser bastante empregadora e muito integrada no comércio internacional, mas geralmente apresenta níveis menores de produtividade e de investimento em inovação. Já o setor de serviços, embora associado a níveis maiores de produtividade e grande capacidade empregadora, está menos inserido no comércio exterior e investe pouco em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, os autores ressaltam que a absorção de mão de obra menos qualificada pelo setor de serviços não garante aumento da produtividade desses trabalhadores, uma vez que são seus funcionários de alta qualificação e especialização que garantem os maiores níveis médios de produtividade do setor.
O papel da indústria na liderança do processo de desenvolvimento, contudo, não é automático nem inevitável. O primeiro condicionante, segundo os autores, é a necessidade de sua integração internacional. O progresso industrial deve ser orientado ao mercado externo, de modo que os países também se aproveitem dos efeitos positivos do comércio mundial. O segundo condicionante diz respeito à heterogeneidade interna ao próprio setor industrial.
O trabalho do Banco Mundial argumenta que a indústria é bastante heterogênea, de modo que seus subsetores se diferem ou se aproximam na medida em que compartilham, em graus distintos, os critérios pró-desenvolvimento identificados anteriormente. A importância da indústria está, assim, relacionada ao fato de o próprio setor constituir um sistema que articula componentes diferentes, cada qual responsável, em maior ou menor medida, por cada um dos critérios que juntos impulsionam o desenvolvimento.
É possível, segundo os autores, construir uma tipologia de cinco conjuntos de subsetores industriais que apresentam, em pesos distintos, tais critérios pró-desenvolvimento. São eles:
• low-skill labor-intensive tradables (como têxteis, confecção e calçados), com grande capacidade empregadora e de inserção internacional, mas pouco intensivos em P&D;
• medium-skill global innovators (máquinas e equipamentos mecânicos, máquinas e aparelhos elétricos e equipamentos de transporte), menos empregadores, mas com elevada inserção internacional e intensivos em P&D;
• high-skill global innovators (instrumentos ópticos, eletroeletrônicos, equipamentos de computação, produtos farmacêuticos), ainda menos empregadores, com grande peso de mão de obra qualificada, ainda mais inseridos internacionalmente e intensivos em P&D;
• commodity-based regional processing (produtos alimentícios, materiais não metálicos, papel e madeira, borracha e plástico), com baixa inserção no comércio internacional, devido a custos de transporte ou porque precisam estar próximos das fontes de matéria-prima;
• capital-intensive regional processing (produtos químicos e derivados de petróleo), melhor inseridos internacionalmente, mas com menor capacidade de absorver mão de obra de menor qualificação.
Tais características não são fixas ou inatas a determinado subsetor. Ao contrário, variam entre países e ao longo do tempo, o que traz à reflexão do desenvolvimento a importância não apenas do que é produzido, mas principalmente de como é produzido. De todo modo, constituem um ponto de partida para compreender os impactos que as transformações tecnológicas em curso no mundo podem ocasionar sobre determinado país e suas condições de desenvolvimento. Países com participação importante dos grupos medium-skill e high-skill global innovators, cuja integração em cadeias globais de valor é maior, tendem a funcionar como uma porta de entrada para as novas tecnologias.
Revisitando as bases históricas de apoio à indústria como estratégia de desenvolvimento. Os principais ganhos em termos de desenvolvimento econômico, entendido como crescimento da renda per capita, estiveram historicamente associados com os processos de industrialização das diversas economias do mundo. Isso se observa desde a Revolução Industrial na Inglaterra e os movimentos subsequentes de industrialização mundo afora. Raros foram os casos de elevação dos níveis de renda por outros meios, como extração de recursos naturais ou exploração de vantagens locacionais. As evidências empíricas e históricas mostram a forte correlação entre o crescimento da atividade industrial e o crescimento econômico em geral de um determinado país.
Nesta dinâmica, cumprem papel decisivo os movimentos de transferência do excesso de mão de obra da agricultura para a indústria e de acumulação de capital neste último setor. Tal transformação estrutural impulsiona a produtividade total da economia, uma vez que os setores industriais apresentam maior produtividade do trabalho, se comparados aos setores primários. Também cabe observar que a produtividade pode variar mesmo dentro dos setores e este tem sido um argumento por parte de diversos estudos para compreender ganhos de produtividade da economia como um todo.
Outra questão fundamental levantada pelos autores envolve o fato de que não apenas o que é produzido, mas sobretudo como um bem é produzido, apresenta importante impacto potencial sobre o desenvolvimento de um país. Diversos exemplos sugerem que os mesmos setores podem ter sido incentivados em países distintos, porém resultando em transbordamentos positivos apenas em alguns locais. Os autores contrastam os casos de industrialização orientada para as exportações do Leste Asiático e de substituição das importações da América Latina para ressaltar que não apenas o que se produz, mas também como se produz, importa para os resultados que a economia obterá em termos de crescimento. Enquanto se destaca a integração dos países asiáticos aos mercados internacionais, possibilitando-lhes alcançar escala, enfrentar a concorrência e adquirir tecnologia estrangeira, sublinha-se que a estratégia de industrialização voltada para o mercado doméstico dos países latino-americanos por meio do uso de barreiras comerciais para proteger os produtores locais não resultou em crescimento semelhante.
Historicamente, se comparada aos setores primários e de serviços, a indústria foi capaz de combinar, em maior medida, sua penetração no comércio internacional e outras características de fomento à produtividade com a criação de empregos em larga escala para uma mão de obra relativamente pouco qualificada. Embora também transacionados internacionalmente, os bens primários enfrentavam volatilidade de preços mais acentuada nos mercados internacionais e ganhos de produtividade fortemente relacionados a tecnologias poupadoras de mão de obra. A dinâmica da demanda também desempenha importante papel, visto que aumentos da renda per capita são acompanhados por redução da participação de produtos primários e ampliação da participação de bens industriais nos gastos totais, dada a menor elasticidade renda da demanda dos primeiros em relação aos últimos. Como consequência, países especializados na produção primária tenderiam a se beneficiar menos de uma expansão dos mercados globais.
Para os setores de serviços, nota-se que os setores de ponta tipicamente são intensivos em conhecimento e capacitações, mas, por muito tempo no passado, não se constituíam serviços transacionáveis nos mercados internacionais. Ainda que serviços mais precários pudessem absorver excesso de mão de obra da agricultura, pouco se traduziam em crescimento da produtividade. Os autores enfatizam, ainda, que crescentemente as fronteiras entre os setores têm se tornado mais tênues e, logo, a peculiaridade da indústria enquanto motor do desenvolvimento econômico deve ser entendida ao longo de toda a cadeia de valor. Cada vez mais, diversos tipos de serviços são incorporados antes, durante e após a execução de um determinado processo produtivo e, nesse sentido, também são essenciais na compreensão do desenvolvimento econômico.
A partir dessas considerações, busca-se destacar o caráter único do desenvolvimento liderado pela indústria por meio da combinação de cinco variáveis que são indicativas dessas características pró-desenvolvimento. São elas: (i) escopo para empregar mão de obra menos qualificada (mensurado pela participação de trabalhadores de colarinho azul no emprego total do setor); (ii) parcela do emprego do setor no total da economia; (iii) produtividade do trabalho (dada pelo produto por trabalhador de cada setor); (iv) grau de comercialização nos mercados internacionais (medido pela razão setorial entre exportações e produto); e (v) escopo para inovação e difusão (mensurado pela razão entre gastos em pesquisa e desenvolvimento – P&D – e valor adicionado). A combinação entre essas variáveis indica o potencial relativo pró-desenvolvimento de cada setor.
Características pró-desenvolvimento entre subsetores industriais. O setor industrial é bastante heterogêneo e composto por diversos subsetores que apresentam, em graus variados, as características pró-desenvolvimento discutidas anteriormente. Tais características de determinado subsetor não são fixas nem tampouco inatas, de modo que variam entre países e ao longo do tempo. Logo, quando se pensa no impacto potencial sobre o desenvolvimento econômico, o que realmente importa é a manifestação de tais características e não simplesmente um subsetor em particular.
Apesar da importância de se considerar a indústria como um todo no processo de desenvolvimento econômico, faz-se também necessário perceber a existência de nítidas diferenças entre subsetores industriais, salientando como as características pró-desenvolvimento se manifestam nos diversos subsetores. Conhecer essas distintas manifestações torna-se fundamental para se refletir sobre potenciais impactos das novas tecnologias e dos encaminhamentos do processo de globalização sobre as possibilidades e limitações do desenvolvimento de países distintos.
O setor industrial, na medida em que é composto de diversos subsetores que combinam em graus distintos as cinco dimensões pró-desenvolvimento, merece uma análise mais desagregada, a partir da qual se permite avaliar com maior clareza o potencial para ganhos dinâmicos resultantes das esferas de mão de obra, produtividade e comércio. No referido estudo, os autores classificam 16 subsetores industriais em cinco categorias, de acordo com o grau de manifestação das cinco características pró-desenvolvimento. Identificam-se cinco grandes grupos de subsetores industriais: (i) low-skill labor-intensive tradables; (ii) medium-skill global innovators; (iii) high-skill global innovators; (iv) commodity-based regional processing; e (v) capital-intensive regional processing.
O primeiro grupo – de low-skill labor-intensive tradables – corresponde aos setores industriais cujos bens são bastante transacionados internacionalmente e, ao mesmo tempo, emprega uma parcela relativamente maior de trabalhadores de colarinho azul e apresenta elevada participação de emprego na produção total. Setores, como têxtil, de vestuário, moveleiro, entre outros, compartilham tais características. Estes setores também possuem a menor relação produto por trabalhador dentre os subsetores industriais e tampouco são intensivos em P&D. Logo, apesar de terem seus bens amplamente transacionados internacionalmente, apresentam um escopo limitado para difusão tecnológica.
Os dois grupos seguintes são compostos por setores intensivos em P&D – medium-skill global innovators e high-skill global innovators. Variam, contudo, conforme o grau de abertura comercial e a participação de trabalhadores de colarinho azul. Os setores classificados como medium-skill global innovators, que envolvem setores de equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos, setores elétricos, entre outros, possuem bens altamente transacionados nos mercados internacionais, assim como os low-skill labor-intensive tradables, porém apresentam menor parcela de trabalhadores de colarinho azul em sua força de trabalho total. Por sua vez, os setores classificados como high-skill global innovators, que compreendem, por exemplo, os setores eletrônicos, de informática e de instrumentos ópticos, e de produtos farmacêuticos, possuem uma razão exportação-produto bastante elevada e uma participação de trabalhadores de colarinho azul bastante baixa em relação aos setores considerados medium-skill global innovators.
Os demais grupos – commodity-based regional processing e capital-intensive regional processing – estão entre os subsetores industriais com menor penetração internacional. Variam tanto na participação de trabalhadores de colarinho azul como no grau de transação internacional. Os setores de alimentos e bebidas, produtos de madeira, produtos de papel e celulose, produtos de metal, produtos de minerais não metálicos, produtos de borracha e de plástico, entre outros, são classificados como commodity-based regional processing. Suas atividades estão fortemente relacionadas ao uso de matérias-primas agrícolas ou minerais. Tais bens são tipicamente menos transacionados internacionalmente, seja porque são volumosos e implicam custos de transporte maiores, seja porque requerem maior proximidade com os recursos naturais e matérias-primas. Dentre esses setores, destaca-se o de alimentos e bebidas por responder pela segunda maior parcela do emprego industrial, atrás apenas do setor têxtil, de vestuário e de produtos de couro. Já os setores agrupados como capital-intensive regional processing apresentam um grau um pouco maior de transação internacional, mas empregam menores parcelas de trabalhadores de colarinho azul. Correspondem aos setores de produtos químicos e de derivados do petróleo.
Estes agrupamentos setoriais permitem identificar potenciais meios de inserção para países de menor renda. Os setores classificados como high-skill global innovators correspondem não apenas aos setores cujos bens são mais transacionados internacionalmente como também são mais intensivos nas cadeias globais de valor, seguidos pelos setores classificados como medium-skill global innovators e low-skill labor-intensive tradables. Tais setores possuem mais estágios produtivos e parcela maior desses estágios realizada no exterior. Nesse sentido, podem oferecer oportunidades aos países de menor renda para participarem dessas cadeias produtivas, embora em um conjunto mais restrito de atividades e tarefas, já que as etapas mais intensivas em tecnologia e mão de obra qualificada se concentram nas economias desenvolvidas. Os setores considerados commodity-based regional processing, por sua vez, possuem menos estágios de produção e menor parcela desses estágios realizada no exterior. No entanto, como envolvem processos produtivos menos complexos, os requisitos à entrada tendem a ser menores, ainda que o potencial de comércio e inovação seja também inferior.
É válido ressaltar também que as características pró-desenvolvimento associadas a determinado subsetor industrial variam entre os países, geralmente refletindo a posição relativa dos países nas cadeias globais de valor. O setor de equipamentos de transporte, por exemplo, emprega uma parcela muito maior de trabalhadores menos qualificados em países de renda média, como Índia, México e Vietnã, do que em países de renda elevada, como França, Espanha e Estados Unidos. O mesmo se verifica para outros subsetores industriais, como o setor de vestuário. Enquanto países de renda menor adicionam valor nas etapas intensivas em trabalho pouco qualificado, associadas à montagem de um determinado bem, países de renda elevada adicionam mais valor por meio da execução daquelas etapas produtivas mais intensivas em conhecimento e capacitações, tanto na concepção do produto como na comercialização e pós-venda.
Não menos importante é o fato de que tais características pró-desenvolvimento também variam ao longo do tempo entre os subsetores industriais. O aumento da razão entre exportação e produto do setor farmacêutico, por exemplo, retrata uma das mudanças mais significativas no tempo. Com exceção dos produtos de minerais não metálicos e dos produtos de madeira, todos os demais apresentaram uma elevação da parcela da produção global que é exportada. A grande maioria dos setores também experimentou uma redução da parcela de trabalhadores de colarinho azul no emprego total, comparando-se dados dos anos 1990 com anos 2010.
Ganhos de produtividade do trabalho também foram observados em diversos setores, notadamente no setor de produtos químicos. No setor de informática e de eletrônicos, no entanto, houve um declínio na produtividade relativa. Já no que se refere à criação de empregos entre 1994 e 2013, mais empregos foram gerados no setor de informática e de eletrônicos comparativamente ao setor têxtil e de vestuário que, embora respondesse por parcela maior do total do emprego industrial, teve sua participação reduzida.
De modo geral, a constatação dessas diferenças entre subsetores industriais implica que maior atenção deve ser dada à expansão daquelas atividades que resultem nas características desejadas, tomado em consideração o contexto de um determinado país, ao invés da produção de um produto específico por si mesmo. O que um país produz é indicativo do conjunto de características pró-desenvolvimento que provavelmente ele irá experimentar, mas como os bens são produzidos – conforme observado nas variações existentes nos processos produtivos e na natureza das atividades desempenhadas pelo mesmo subsetor entre países e ao longo do tempo – reforça a hipótese de que uma avaliação acerca do apoio a determinado subsetor industrial deva considerar a combinação provável de características pró-desenvolvimento no contexto de cada país específico.