Análise IEDI
Contrastes na evolução do crédito
Com o ano de 2017 chegando ao fim, pode-se afirmar que foram dados os primeiros passos em direção à recuperação das condições de financiamento da economia. Permanece, porém, uma forte dissonância entre a evolução do crédito às famílias e às empresas, o que vem impedindo uma melhora mais substancial da economia.
A despeito de variações positivas muito recentes, as concessões de crédito corporativo devem terminar o ano com mais uma retração. No acumulado até novembro a queda é de 3,7% frente a igual período do ano anterior e já descontada a inflação aferida pelo IPCA. Em contrapartida, as concessões às famílias mostram nítida reação desde março, chegando a acumular alta de 9,1% no ano. São estas operações, então, que vêm puxando o crédito total (+3,2% em jan-nov/17).
A evolução do financiamento às empresas jogou contra a melhora geral do crédito em 2017 e isso porque esteve sujeito a uma poderosa trava: um patamar de juros muito elevado. De fato, as taxas dos empréstimos às pessoas jurídicas, mas também às famílias, acompanharam a redução da taxa básica de juros – Selic – com uma impressionante defasagem.
Enquanto a Selic foi praticamente reduzida à metade entre set/16 (isto é, antes do início da flexibilização da política monetária) e nov/17, passando de 14,25% a.a. para 7,5% a.a., os juros nominais das concessões com recursos livres caíram apenas 1/5 tanto para as empresas como para as famílias, como pode ser visto abaixo.
• Juros médios nominais – Total: 53,6% a.a. em set/16; 52,2% em dez/16; 46,2% em jun/17 e 42,7% em nov/17;
• Juros médios nominais – Pessoa Jurídica: 29,7% a.a.; 28,1% a.a.; 24,8% a.a. e 22,9% a.a.;
• Juros médios nominais – Pessoa Física: 74,0% a.a.; 72,4% a.a.; 63,4% a.a. e 58,1% a.a., respectivamente.
Por sua vez, o spread médio praticado no crédito corporativo com recursos livres quase não saiu do lugar em 2017, explicando o repasse muito parcial da queda da Selic às taxas de empréstimo. Em janeiro estava em 16,7% e em novembro em 15,1%, isto é, o recuo foi de apenas 1,6 ponto percentual. No caso do crédito às famílias, o declínio do spread foi bem mais acentuado neste período (-11,1 p.p.), mas ainda assim encontrava-se em um patamar de nada menos que 49,1% em novembro.
É verdade, porém, que a inadimplência também não cedeu muito, especialmente no caso das empresas. Mas é preciso reconhecer que com juros nos patamares em que se encontram e com a recuperação ainda frágil da economia, não teria como melhorar substancialmente.
Há, então, um claro descompasso da evolução dos juros e dos spreads em relação às sinalizações dadas pela autoridade monetária que, por meio da redução da Selic, indicam que o horizonte da economia vem se desanuviando. Recentemente, o Banco Central começou a removeu outra pedra do caminho do crédito ao diminuir a alíquota de compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, criando condições para níveis mais baixos dos spreads.
Juros dos empréstimos em patamares tão elevados, como ainda vigoram, inibem uma reativação mais vigorosa da economia. Em primeiro lugar, porque dificultam o processo de desendividamento e da redução dos compromissos financeiros tanto das empresas como das famílias.
Como mostraram as Cartas IEDI n. 800 e 806, o ajuste das empresas não apenas tem sido incompleto, como foi interrompido no terceiro trimestre de 2017. Por sua vez, o nível de endividamento das famílias, exceto crédito habitacional, em relação à renda disponível recuou só 0,5 ponto percentual, de 23,5% para 23,0% entre dez/16 e out/17 (último dado divulgado). Já a parcela de seu rendimento comprometido com o pagamento de juros e amortizações saiu de 19% para 17,8% no mesmo período.
Em segundo lugar, se o custo de financiamento tivesse evoluído em linha com as ações do Banco Central, famílias e empresas poderiam ter recorrido com maior ênfase ao crédito a fim de recompor uma parcela de seus gastos. Isso porque as condições de financiamento são um componente importante, embora não seja o único, na decisão das empresas em desengavetar projetos de investimento e das famílias em retomar o consumo de bens duráveis e semi duráveis.
Os dados de crédito divulgados hoje pelo Banco Central mostram que o saldo das operações alcançou R$ 3.064 bilhões em novembro, o que representa participação de 47% no PIB (declínio de 2,9 p.p. frente a novembro do ano passado).
A carteira de crédito com recursos livres atingiu R$ 1.553 bilhões, aumento de 0,3% frente ao mesmo mês do ano anterior, em termos nominais. A parcela destas operações realizada junto a pessoas físicas foi de R$ 847 bilhões, variação positiva de 4,8% na mesma comparação. Já o valor das operações junto a pessoas jurídicas apresentou queda de 4,6%, também na comparação com o mesmo período de 2016, ficando em R$ 705 bilhões.
O estoque de crédito com recursos direcionados atingiu R$ 1.511 bilhões em novembro, em termos nominais, indica retração de 2,9% frente ao mesmo mês do ano anterior. O saldo referente a pessoas físicas foi de R$ 793 bilhões, apresentando, na mesma base de comparação, elevação de 6,9%, enquanto o saldo relativo a pessoas jurídicas foi de R$ 718 bilhões, recuo de 11,8%.
Em novembro, foram concedidos R$ 292,8 bilhões em novas operações de crédito, variação positiva de 8,1% frente ao montante de R$ 270,9 bilhões observado no mesmo mês do ano anterior. Deste volume, R$ 267,4 bilhões foram originados de recursos livres e R$ 25,4 bilhões de recursos direcionados, sugerindo, na mesma base de comparação, aumento de 10,3% para recursos livres e queda de 10,9% para recursos direcionados.
Dentre as concessões de crédito às pessoas físicas a partir de recursos livres, destacaram-se as operações de crédito rotativo (R$ 120,2 bilhões), cartão de crédito (R$ 91,8 bilhões), crédito não rotativo (R$ 36,3 bilhões) e cheque especial (R$ 31,7 bilhões). No que se refere às empresas, as principais modalidades foram desconto de duplicatas (R$ 22,2 bilhões), cheque especial (R$ 17,2 bilhões), conta garantida (R$ 17,0 bilhões) e capital de giro (R$ 13,7 bilhões).
Nas novas concessões de crédito realizadas com recursos direcionados destacaram-se, para pessoas físicas, as modalidades de crédito rural (R$ 6,6 bilhões), financiamento imobiliário (R$ 6,3 bilhões), BNDES (R$ 1,1 bilhão) e microcrédito (R$ 902 milhões). Já para as empresas, as principais modalidades foram crédito rural (R$ 4,5 bilhões) e BNDES (R$ 4,4 bilhões).
Setores. Considerando o saldo total de crédito do sistema financeiro nacional, a carteira de operações para indústria atingiu R$ 677,6 bilhões, o que significa uma retração nominal de 10,8% frente a novembro de 2016. No caso da indústria de transformação, a redução do saldo nominal de crédito foi de 13,6% na mesma comparação, atingindo o valor de R$ 363,3 bilhões. O saldo do setor de serviços foi de R$ 694,0 bilhões, queda nominal de 5,7% em relação ao ano anterior, com destaque para as variações de comércio (-10,2%) e transporte (-9,9%). Por fim, o setor agropecuário resultou em R$ 22,7 bilhões, valor 4,1% menor, em termos nominais, do que o registrado em novembro de 2016.
Juros e Inadimplência. A taxa média de juros nominal atingiu 26,8% a.a. em novembro, 6,4 p.p. inferior ao mesmo mês do ano anterior. Nas operações originadas a partir de recursos livres, a taxa média foi de 42,7% a.a. (recuo de 11,4 p.p. em relação ao mesmo mês de 2016), sendo de 33,4% para pessoas físicas e de 17,7% para pessoas jurídicas. No âmbito das operações de crédito oriundo de recursos direcionados, a taxa média foi de 9,3% a.a. (diminuição de 1,3 p.p. na mesma base de comparação), sendo 7,4% para pessoas físicas e 11,4% para pessoas jurídicas.
A inadimplência total de novembro permaneceu estável, em 3,6% (variação de 0,1 p.p. frente a novembro de 2016). Nas operações feitas com recursos livres, a taxa de inadimplência registrada foi de 5,3% e nas operações direcionadas, 1,8%. A inadimplência de pessoas físicas em outubro foi de 3,9% e a de pessoas jurídicas de 3,4%.