Análise IEDI
Quão integrados estão os países da América Latina e Caribe no comércio internacional?
O grau de integração comercial da América Latina é tema frequente de diversas pesquisas. Em geral, as medidas convencionais de integração comercial, como de abertura comercial, apontam para uma baixa inserção externa das economias da região. Um estudo do FMI divulgado recentemente apresenta novas conclusões sobre este tema, sugerindo um quadro desafiador, porém menos desfavorável.
O trabalho “Trade Integration in Latin America: A Network Perspective”, dos pesquisadores do FMI Kimberly Beaton, Aliona Cebotari, Xiaodan Ding e Andras Komaromi, reavalia a integração da América Latina e Caribe na rede mundial de comércio de bens e também sua integração intra-regional a partir da metodologia de redes.
Os resultados encontrados pelos autores indicam que os países de América Latina e Caribe são relativamente bem integrados em termos do número de parceiros comerciais com os quais transacionam mercadorias. Em 2015, por exemplo, a região comercializou com cerca de 70% de todos os países do mundo. Nos últimos 20 anos, como observa o estudo, a região aumentou em 70% o número de parceiros comerciais.
O Brasil aparece como um dos responsáveis por essa expressiva conectividade com o resto do mundo. Na região, a economia brasileira é uma das que possuem mais vínculos comerciais com outros mercados, não ficando muito atrás, por exemplo, da China. Juntos, Brasil, Colômbia, Argentina, Peru e Chile, que respondem por aproximadamente 60% do PIB da América Latina e Caribe, estabelecem relações comerciais com 91% de todos os potenciais parceiros comerciais no mundo.
Outros países, contudo, são subconectados, devido à concentração geográfica de suas exportações, como no caso do México – cujas exportações se destinam majoritariamente aos EUA –, ou devido à concentração de sua pauta exportadora em poucos bens, a exemplo da Venezuela – altamente dependente das exportações de petróleo.
Apesar de sua boa conectividade com o resto do mundo, um lado negativo se apresenta nessas conexões: elas são fracas do ponto de vista da intensidade dos fluxos comerciais. Em outras palavras, a baixa integração da América Latina e Caribe na rede mundial de comércio reflete mais a intensidade de seus fluxos comerciais do que a incapacidade de penetrar diferentes mercados.
Dois aspectos ocasionam essa pouca intensidade dos fluxos comerciais da região: o porte relativamente pequeno de muitas de suas economias – notadamente as do Caribe – e os fluxos pouco intensos em relação ao tamanho de suas economias maiores, como Brasil, Argentina, Colômbia e Venezuela. A subcomercialização nas grandes economias é, contudo, relativa, já que o desvio percentual do comércio efetivamente observado em relação ao comércio potencial estimado pelos pesquisadores do FMI é mais significativo para países de pequeno porte do que para países maiores, como o Brasil.
Em resumo, a América Latina e Caribe é eficaz em estabelecer laços comerciais, mas nem tanto em nutri-los. O que dizer da integração intra-regional, isto é, entre os próprios países da região?
A densidade da rede comercial regional é elevada em razão do pequeno número de países que compõem a região, o que os torna passíveis de estabelecerem relações uns com os outros. A intensidade dos fluxos comerciais entre eles, entretanto, é particularmente baixa. O padrão da integração com o mundo da América Latina e Caribe como um todo se repete, então, na integração entre seus países.
Isso ocorre porque os países da região concentram seu comércio exterior mais com o restante do mundo do que com seus vizinhos latino-americanos. A elevada proporção de commodities nas exportações totais dos países da região está na origem desse perfil de integração. Sendo assim, as principais economias da América Latina e Caribe, isto é, México e Brasil, não figuram como eixos centrais da rede de comércio intra-regional. São, no melhor dos casos, apenas polos locais para países próximos ou parceiros de acordos comerciais (para os da América Central, no caso do México, e para os do Mercosul, no caso do Brasil).
Há espaço, então, para países como Brasil e México ampliarem a integração da América Latina e Caribe na rede global de comércio exterior, o primeiro intensificando seus fluxos e o segundo diversificando seus parceiros. Também podem desempenhar um papel mais central na integração intra-regional, especialmente ao estreitarem os laços comerciais entre eles próprios.
A integração comercial da América Latina e Caribe no comércio mundial. De acordo com medidas tradicionais de comércio, América Latina e Caribe parecem pouco integrados à rede mundial de comércio. Embora respondessem por 8% da atividade econômica global em 2015, a região representava apenas 5,1% das exportações globais de bens e serviços. Naquele ano, a corrente de comércio da região (soma de seus fluxos de exportação e importação) em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) foi de somente 44%, bastante inferior à de outras economias emergentes no mundo.
Apesar dessa baixa abertura comercial média, observa-se grande variabilidade entre os países da região, com graus de abertura variando entre 25% e 125% do PIB. As maiores economias da América do Sul, especialmente Brasil e Argentina, são as menos abertas ao comércio, segundo os indicadores convencionais, apresentando correntes de comércio de 27,5% e 24% do PIB, respectivamente.
Economias da América Central e Caribe, por sua vez, são mais abertas, o que reflete seu tamanho menor e produção doméstica limitada, tornando-as mais dependentes de bens e serviços importados.
Já o México, embora também seja uma economia grande, é relativamente mais aberto do que países da América do Sul, o que resulta particularmente de sua proximidade com os Estados Unidos e das baixas barreiras comerciais em meio ao NAFTA (North American Free Trade Agreement).
A partir da metodologia de redes, pode-se visualizar a configuração da rede mundial de comércio. As representações, tanto geográfica como de centralidade (nesta última, os países que recebem a maior parte dos fluxos se localizam mais ao centro da rede), mostram que a região da América Latina e do Caribe é integrada, segundo o número de parceiros comerciais, porém não muito central à rede mundial, quando considerado o volume dos fluxos comerciais.
América Latina e Caribe são bem integrados à rede mundial de comércio com base no número de seus parceiros comerciais. Neste sentido, a região é mais diversificada em termos de mercados do que a média mundial, ao comercializar, em 2015, com cerca de 70% de todos os países do mundo. Isso sugere que, ao menos parcialmente, alguns custos de se adentrar novos mercados já tenham sido incorridos por diversos países exportadores da região.
Cinco importantes economias da região, a saber, Brasil, Colômbia, Argentina, Peru e Chile, possuem ligações comerciais bastante diversificadas. O Brasil aparece como um dos que possuem mais vínculos com outros países, não ficando muito atrás, por exemplo, da China. Juntos, Brasil, Colômbia, Argentina, Peru e Chile respondem por aproximadamente 60% do PIB da região, porém suas relações comerciais cobrem, em média, 91% de todos os potenciais parceiros comerciais no mundo.
O México, ao contrário, apresenta relações comerciais com apenas metade de seus parceiros potenciais, devido à forte concentração comercial com os Estados Unidos. México, Venezuela e Panamá registram um grau de diversificação de seus mercados relativamente baixo para o tamanho de suas economias.
A integração comercial em termos do número de mercados tem sido rápida em todas as regiões do globo, em particular na América Latina e Caribe e com destaque para os anos 1990. A região aumentou, em média, o número de parceiros comerciais em cerca de 70% nos últimos 20 anos, apesar de diferenças entre os países.
A baixa integração da região na rede mundial de comércio reflete, portanto, mais a intensidade de seus fluxos comerciais do que a incapacidade de penetrar diferentes mercados. A intensidade mais fraca dos fluxos comerciais da região em comparação a outras regiões mais integradas decorre do tamanho relativamente pequeno de muitas de suas economias e também dos fluxos relativamente pouco intensos frente ao tamanho de economias maiores, como Brasil, Argentina, Colômbia e Venezuela. Uma exceção é o México, cujos fluxos comerciais, embora concentrados com os Estados Unidos, são intensos.
Para as economias de América Latina e Caribe, existe uma correlação negativa entre sua posição no ranking de abertura comercial e sua classificação conforme o grau de centralidade, dado pelo número de conexões comerciais que possuem. Ou seja, países com menor corrente de comércio em proporção do PIB apresentam, em média, o maior número de conexões comerciais, e vice-versa. Por essa razão, seus países não figuram dentre aqueles com maior força de integração no comercio internacional.
Integração intrarregional. A densidade da rede comercial regional formada pelos países de América Latina e Caribe é bastante elevada, como resultado do pequeno número de países na região, o que lhes permite estabelecerem relações uns com os outros. As economias grandes, em geral mais integradas à rede mundial de comércio, possuem um grau marginalmente maior de conexões dentro da própria região. A exceção é o Brasil, cujas relações comerciais com o mundo são levemente superiores às firmadas regionalmente.
Vale destacar que as principais economias da América Latina e Caribe não desempenham papel relevante enquanto eixos centrais do comércio dentro da própria região. O Brasil, por exemplo, apresenta-se como polo comercial apenas para os países do Mercosul, apresentando um fluxo de comércio relativamente fraco com outros países grandes da região, como México. Em contrapartida, o Brasil encontra-se fortemente conectado com os dois principais elos da rede mundial de comércio, quais sejam, Estados Unidos e China. O México, por sua vez, exerce mais a função de polo comercial apenas para os países da América Central. A ausência de significativos polos regionais é visível na rede de comércio da região, uma vez que nenhum país figura claramente no centro da rede. Agrupamentos tendem a se formar em conformidade com acordos comerciais ou regionais.
O comércio de América Latina e Caribe se concentra, assim, fora da própria região. Parcela pequena de suas exportações totais são destinadas aos mercados regionais, especialmente se comparada com Ásia e Europa. Isto se deve, em parte, à elevada participação do comércio de commodities e às intensas relações comerciais entre México e Estados Unidos.
Entre as economias latino-americanas, Bolívia, Paraguai e Uruguai figuram como os mais integrados regionalmente, dada a concentração de suas exportações com o Brasil. Embora o Brasil seja também importante parceiro comercial de muitas dessas economias, seu papel como polo comercial é muito mais pronunciado para países fronteiriços e para parceiros do Mercosul (Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, como Estado Associado), como dito anteriormente.
Enfatiza-se que a ausência de um nítido polo regional de comércio se expressa na fragmentação dos acordos de comércio regionais, que formam a base de seis blocos de comércio diferentes, cada qual com cobertura regional limitada e regras distintas. O fraco comércio entre México e Brasil também é colocado pelo estudo do FMI como destacado fator limitador do comércio intrarregional.
Dentro da rede regional de comércio de América Latina e Caribe, é possível identificar quatro agrupamentos, formados por: (i) países membros do Mercosul (incluindo a Bolívia); (ii) México e alguns países da América Central e Caribe (como República Dominicana, Panamá, Suriname e Guiana); (iii) países menores da América Central e Caribe; e (iv) grande parte dos países membros da Comunidade Andina e Aliança do Pacífico.
Tais agrupamentos evidenciam o estabelecimento de laços comerciais mais fortes conforme a proximidade geográfica dos países e os acordos de comércio existentes entre eles. Cabe, no entanto, avançar no sentido de fortalecer os vínculos comerciais intrarregionais, uma vez que estão associados a efeitos maiores sobre o crescimento econômico dos países. Destaque para Brasil e México que podem se beneficiar ao desempenharem um papel mais central na rede regional.
Comparação entre integração comercial observada e redes de comércio estimadas. A partir de modelos estatísticos gravitacionais, que consideram, dentre outras variáveis, o PIB do país e de seu parceiro comercial, a distância entre eles, idioma comum e existência de acordo comercial, o estudo do FMI estimou uma rede mundial de comércio que possibilita comparar a integração efetivamente observada dos países com os resultados dessas simulações.
Em termos do número de parceiros comerciais com os quais os países de América Latina e Caribe transacionam mercadorias, a maioria encontra-se em linha ou acima do que seria esperado. México, Venezuela e Panamá se destacam, contudo, como países com baixo grau de diversificação de mercados em relação ao que poderia ser esperado.
Em relação à intensidade dos fluxos comerciais, a maioria dos países de América Latina e Caribe se encontra menos integrada à rede mundial de comércio do que previsto pelo modelo. Apenas poucas economias da região, como Paraguai, Bolívia, México, Chile e Nicarágua, apresentam intensidade de fluxos comerciais superior à estimada.
Ainda que a subcomercialização de países maiores possa determinar a integração mais fraca da região nas redes comerciais devido à intensidade de seus fluxos, a subcomercialização é mais evidente no caso dos países de pequeno porte, a exemplo de Belize, do que em economias maiores, como a brasileira.
Finalmente, a comparação entre o total das exportações observadas e estimadas para países da região por cada um de seus países aponta para a baixa integração regional. Tal como no caso da rede mundial, a maioria dos países parece subcomercializar regionalmente.
Para México e Chile, os resultados sugerem sobrecomercialização na rede mundial e subcomercialização com os parceiros da região. No caso mexicano, isso se deve à clara integração com os Estados Unidos. Já El Salvador e Costa Rica, juntamente com as ilhas do Caribe, estariam subcomercializando na rede mundial enquanto, na região, possuiriam laços comerciais mais intensos do que os estimados.
Somente para Bolívia, Paraguai e Nicarágua, estima-se que seus fluxos comerciais sejam superiores aos fluxos previstos pelo modelo nas redes tanto mundial como regional de comércio. Conclui-se, portanto, que há espaço para fortalecer o grau de integração regional de comércio entre as economias de América Latina e Caribe, bem como intensificar os fluxos e relações comerciais existentes, mesmo com outros países do mundo, a fim de ampliar sua importância nas redes de comércio.