Análise IEDI
Políticas para a Nova Revolução Produtiva, segundo a OCDE
Segundo a OCDE, está sendo colocada em marcha uma nova revolução produtiva a partir da combinação de transformações tecnológicas em um conjunto amplo de áreas, materializadas em três grandes dimensões: digitalização, novos materiais e novos processos.
Diferentemente do que muitos imaginam, não é em um futuro longínquo que sentiremos os efeitos dessa revolução, mas em um horizonte muito mais curto. A OCDE estima que a maior parte dos impactos ocorrerá entre 10 e 15 anos. Ou seja, um novo mundo bate à nossa porta.
Essa Análise resenha o trabalho intitulado “The next production revolution: key issues and policy proposals”, de autoria de Alistair Nolan, diretor da OCDE para Ciência, Inovação e Tecnologia.
Os conceitos de Manufatura Avançada ou Indústria 4.0 são tratados como consequência de um agudo processo de digitalização da produção, tendo por base tecnologias como a impressão em 3D (cujas projeções apontam para um crescimento de mercado de 20% a.a. até 2020), robótica avançada e internet das coisas (IoT).
Destacam-se também a incorporação de novos materiais, sobretudo, a partir dos avanços na biotecnologia e na nanotecnologia, e de novos processos construídos a partir da utilização de Inteligência Artificial e da gestão baseada na análise crítica de uma enorme quantidade de dados (Big Data).
Um aspecto importante destacado pela OCDE é que seus países, que estão entre os mais desenvolvidos e industrializados do mundo, não estão assistindo de braços cruzados o surgimento dessa nova revolução produtiva. Ao contrário, têm direcionado esforços para fomentar o desenvolvimento das tecnologias que estão no centro da revolução, de forma a aumentar a produtividade e a competitividade internacional de sua estrutura produtiva e, assim, viabilizar o crescimento de longo prazo de suas economias.
Dentre essas principais iniciativas são citadas a Plattform Industrie 4.0 da Alemanha, o Manufacturing USA dos Estados Unidos e a Japan´s Robot Strategy do Japão. Mas é importante que fique claro que não são apenas os países ricos que se preparam para as transformações que se avizinham, o mesmo é feito pelos emergentes com pretensões de manter sua posição na indústria mundial, a exemplo da China com seu programa Made in China 2025.
Como as tecnologias que viabilizarão a nova revolução produtiva são bastante transversais, ou seja, integram etapas dos processos produtivos de inúmeros e distintos setores, para sua aceleração ou mesmo viabilização, é necessária a superação de diversos desafios na formulação de políticas públicas, principalmente na questão regulatória.
De maneira geral, as políticas públicas de apoio à revolução produtiva deverão criar um ambiente de incentivo de longo prazo aos esforços colaborativos de P&D, viabilizar a formação de capital humano qualificado, estabelecer um marco regulatório adequado à segurança dos diversos agentes do sistema e utilizar incentivos e o poder de compra do Estado para fomentar o desenvolvimento e a difusão das tecnologias-chaves.
Como são esperados elevados impactos na reorganização das cadeias globais de produção, uma vez que a digitalização e a robotização podem reduzir sistematicamente os custos da produção manufatureira, novos desafios serão colocados à competitividade dos países em desenvolvimento.
Por essa razão, países como o Brasil devem assumir uma postura ativa de modo a não ficar para trás das transformações que já estão em processo. A fim de se manterem competitivos, a OCDE sugere que as políticas públicas em economias emergentes devam também incentivar a absorção das novas tecnologias em seus parques produtivos como forma de complementar os demais diferenciais de custos locais, como os baixos salários.
Vale lembrar, entretanto, que quanto mais complexas as tecnologias, mais a capacidade de absorção depende fundamentalmente do desenvolvimento de capacitações prévias – dentro das firmas e na estrutura de capital humano disponível – e do esforço contínuo em atividades de P&D. É neste sentido que não há tempo a se perder, ainda mais para aqueles países que, como o Brasil, se distanciaram de muitas das fronteiras tecnológicas nas últimas décadas.
A nova revolução produtiva. Segundo a OCDE, em seu trabalho intitulado The next production revolution: key issues and policy proposals, de autoria de Alistair Nolan, diretor da OCDE para Ciência, Inovação e Tecnologia (estudo que faz parte de uma extensa publicação sobre o tema: The Next Production Revolution – Implications for Governments and Business), a nova revolução produtiva será resultado da combinação de um conjunto de tecnologias que afetará de maneira substancial as características da indústria mundial em um horizonte de 10 a 15 anos.
Em consequência, tais transformações influenciarão inúmeras outras dimensões da economia como emprego, distribuição de renda, produtividade, comércio internacional, cadeias globais de produção, habilidades e conhecimentos, bem-estar e meio ambiente.
As principais transformações viabilizadoras desta revolução estendem-se por um conjunto de tecnologias com caráter altamente transversal, ou seja, potencialmente presentes em um número elevado de etapas dos processos produtivos de diversos setores. São elas: inteligência artificial, impressão em 3D, robótica avançada, internet das coisas (IoT), big data, desenvolvimento de novos materiais, avanços na nanotecnologia, na biotecnologia e na manipulação genética, entre outros. Ou seja, a próxima revolução na produção concentra-se em um conjunto de áreas muito amplas, indo além, inclusive, daquelas relacionadas ao estabelecimento da Manufatura Avançada, ou Indústria 4.0.
Sendo assim, espera-se que a sinergia no desenvolvimento destas tecnologias e sua incorporação nas estruturas produtivas tenham impactos bastante positivos no incremento da produtividade. Uma vez que este é compreendido como o determinante de longo prazo do crescimento econômico, diversos países, principalmente os pertencentes à OCDE, destacam a centralidade do fomento à nova revolução produtiva como instrumento para a superação de seus desafios internos, dentre os quais a relativa estagnação econômica, a persistência de elevadas taxas desemprego e a redução sistemática da capacidade produtiva manufatureira, decorrente de seu deslocamento em direção aos países asiáticos.
Neste sentido, o relatório da OCDE apresenta vários estudos que mostram que a adoção destas novas tecnologias pode incrementar a produtividade de diversas maneiras como a redução de erros nos processos de produção e o aumento da eficiência nas atividades de montagem (via utilização de robôs industriais e de sistemas inteligentes), a otimização dos processos de design e de prototipagem (via digitalização), a maior eficiência nas decisões estratégicas (via utilização processos baseados em big data), entre outras. Nesta mesma linha, o relatório sugere uma redução de 18% dos custos industriais de empresas cujos processos utilizam internet das coisas (IoT).
Entretanto, a OCDE ressalta que são esperados impactos importantes na redução de empregos industriais em atividades passíveis de serem automatizadas, notadamente aquelas mais rotineiras e menos intensivas em inteligência criativa e social. Tal fato, por sua vez, poderia trazer novos desafios no que diz respeito à concentração de renda dado que a eliminação destas tarefas ocorreria em paralelo a um crescimento menos que proporcional de empregos em atividades de serviços de alto valor agregado.
Ilustrando tal preocupação o relatório cita que nos EUA apenas 0,5% dos trabalhadores encontram-se atualmente alocados em setores baseados em tecnologias criadas nos anos 2000. Ou seja, apesar dos esperados efeitos positivos de longo prazo da nova revolução produtiva o período de ajustamento traz desafios também com relação a seus impactos no mercado de trabalho, principalmente para empregos de salário de nível médio.
O trabalho da OCDE também descreve as principais características das tecnologias que envolvem a nova revolução produtiva e ilustra alguns de seus atuais avanços. Na área de digitalização, por exemplo, mostra que o Big Data (termo que se refere à geração de volume substancial de dados por meio de processos estruturados e não estruturados, dados estes que são acessados, processados e analisados em grande velocidade) combinado com as estratégias de armazenamento, gestão e utilização de ferramentas de TI nas nuvens (cloud computing) e as estratégias de sensorização de utensílios e integração destes à internet (internet das coisas, IoT) pode transformar os processos de gestão, produção e distribuição industriais, entre outros.
Estas transformações seriam potencializadas a partir da sinergia destas tecnologias com os avanços em inteligência artificial – que permitiria, entre outros avanços, o aprendizado das máquinas de acordo com as contingências dos processos produtivos e decisórios –, a robotização e a utilização de impressão em 3D.
A revolução se complementaria, prossegue o relatório, na medida em que os avanços em biotecnologia e nanotecnologia permitissem a criação de novos materiais. Ao serem em geral mais resistentes, mais leves, com propriedades que seriam adaptáveis aos produtos e processos nos quais se inserem, os novos materiais tornariam possível uma infinidade de reconfigurações de produtos e processos. Apenas como ilustração dos efeitos (ainda bastante iniciais) da nova revolução na produção, a OCDE cita dentre muitas outras possibilidades:
• A substituição de semicondutores de silício por outros substratos, permitindo assim incrementar exponencialmente a capacidade de processamento dos utensílios eletrônicos e o desenvolvimento de novas e mais poderosas soluções de software.
• A redefinição das escalas de produção necessárias para o estabelecimento de uma unidade produtiva comercialmente viável em determinados setores a partir da introdução de técnicas de manufatura baseadas em impressão em 3D.
• O desenvolvimento de novos materiais capazes de potencializar a capacidade de armazenamento das baterias (transformação fundamental para os setores de eletrônica, equipamentos elétricos e automobilística).
• A utilização de utensílios em nano escala para diagnósticos e terapias médicas.
• A viabilização comercial de bio-refinarias, capazes de transformar biomassa em produtos comercializáveis (alimentos, produtos químicos etc) e energia (combustíveis, energia, calor).
Não obstante a grande potencialidade de impactos positivos, como os listados anteriormente, a consolidação da nova revolução produtiva exige esforços importantes de políticas públicas que fomentem um ambiente de aprendizado cooperativo entre governo, empresas, universidades e institutos de pesquisa.
De maneira geral estas políticas deverão contemplar os seguintes objetivos:
• Incentivar esforços de P&D multidisciplinares de longo prazo em um ambiente colaborativo entre empresas, universidades e institutos de pesquisa.
• Impulsionar a formação de recursos humanos qualificados principalmente em áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
• Estabelecer marcos regulatórios adequados à segurança dos diversos agentes do sistema (consumidores, desenvolvedores de tecnologias, empresas), seja com relação ao acesso às informações quanto ao retorno dos investimentos.
• Utilizar incentivos e o poder de compra pública para fomentar a difusão das tecnologias em áreas com retornos sociais maiores que retornos privados (como aquelas voltadas à bioeconomia, por exemplo).
As ações de políticas públicas diante da nova revolução produtiva. A partir da percepção dos desafios colocados pela revolução produtiva em gestação, diversos países têm organizado iniciativas a fim de incrementarem sua competitividade.
De maneira geral os países da OCDE têm se defrontado com problemas internos associados ao baixo crescimento econômico, à redução da competitividade das empresas locais perante concorrentes em outras partes do globo (principalmente asiáticas), taxas de desemprego persistentes e redução sistemática dos empregos manufatureiros. Como resultado destes desafios, em alguns destes países, principalmente nos EUA, tem-se observado um aumento da concentração de renda em prol de ocupações relacionadas a serviços de alta intensidade tecnológica em detrimento das tradicionais ocupações rotineiras de chão de fábrica.
Além dos importantes impactos sociais deste problema, a transferência das atividades produtivas para o exterior tem sido compreendida cada vez mais nestes países como um dos fatores para o baixo crescimento da renda e do investimento.
É em reação a este quadro que surgiram iniciativas como a Plattform Industrie 4.0 da Alemanha, a Japan´s Robot Strategy, o Manufacturing USA, entre outros. Apesar de suas especificidades, de maneira geral todas estas iniciativas têm como objetivo central incrementar a competitividade local em um cenário de revolução produtiva.
Neste sentido, as políticas públicas alemãs têm como driver principal de ação promover a digitalização, incorporando sistemas embarcados em máquinas e equipamentos de modo a criar fábricas inteligentes. De maneira similar, as políticas públicas japonesas têm como eixos centrais da transformação industrial a robotização e a incorporação da inteligência artificial nos processos.
Também merece destaque a iniciativa dos EUA de estabelecer uma extensa rede de 14 institutos de manufatura avançada financiados primordialmente pelos Departamentos de Defesa (8 institutos) e de Estado (5 institutos).
Neste último caso, os referidos institutos recebem individualmente e apenas do Governo Federal recursos entre US$ 70 milhões e US$ 120 milhões para um horizonte de atuação de cinco anos. Esses repasses são condicionados a contrapartidas de empresas, universidades e entidades governamentais estaduais que totalizam, no mínimo, montantes de igual valor daqueles repassados pelo Governo Federal.
Desse modo, conseguem atuar em um amplo leque de tecnologias essenciais para a viabilização da nova revolução produtiva, como aquelas relacionadas à digitalização, à manufatura em 3D, à robotização, à utilização de tecnologias redutoras de emissões, etc. A partir da busca de interação entre empresas, governo e universidades, tais institutos têm o objetivo de serem os vetores do desenvolvimento e da adoção de um conjunto de tecnologias que são vistas como responsáveis por reafirmar a competitividade industrial americana no mundo.
As políticas na China e em economias emergentes. Em paralelo a estas iniciativas de países desenvolvidos, o relatório da OCDE também destaca as diretrizes da política pública chinesa no sentido de garantir a sustentabilidade de sua competitividade industrial em escala global. Por meio de um esforço de planejamento estratégico do qual fazem parte importantes programas como o Made in China 2025 e o Internet Plus estruturam-se um conjunto de ações que se estendem em áreas com o forte incentivo à robotização, ao avanço no desenvolvimento da internet das coisas (IoT), entre outras.
Com relação à primeira área, potencializada por programas como Robots Replace Humans a China já se tornou, em 2013, o maior mercado mundial para robôs industriais, com a expectativa de ter atingido 428 mil unidades destes em operação em 2017. Com relação à área de internet das coisas (bem como cloud computing e big data), vislumbram-se inúmeros avanços tecnológicos em diversos programas desenvolvidos pelas três gigantes chinesas do setor de tecnologia de informação e comunicação: Baidu, Alibaba e Tencent.
Esses esforços, por sua vez, têm como objetivo preparar a estrutura produtiva chinesa para transitar de uma inserção nas redes globais baseada na produção a baixo custo para uma outra inserção alicerçada em atividades de alto valor agregado. O motivo disso é que se espera que setores nos quais a China apresenta elevada competitividade global, como em equipamentos eletrônicos e elétricos, por exemplo, sejam completamente transformados pela revolução produtiva em curso.
Adicionalmente, com o avanço nas técnicas de manufatura avançada em atividades rotineiras, admite-se que as vantagens de custo associadas a baixos salários sejam cada vez menos importantes para determinar a localização da manufatura.
Entretanto, a OCDE destaca que, apesar destes esforços por parte da China, a incorporação das transformações tecnológicas em curso nas estruturas produtivas domésticas traz importantes desafios para os países em desenvolvimento. Esses desafios referem-se fundamentalmente à baixa capacidade de absorção das tecnologias complexas por parte de agentes locais devido aos seguintes aspectos:
• À dificuldade de se financiar investimentos que viabilizem a incorporação destas tecnologias a um parque manufatureiro já estabelecido.
• À debilidade das infraestruturas de TIC e de energia elétrica disponíveis.
• À menor disponibilidade de capital humano apto da utilizar e desenvolver tais tecnologias.
Eis aqui, então, áreas centrais em que a adoção de políticas públicas pode e deve se concentrar para que a nova revolução produtiva também seja uma realidade em países emergentes, com todas as suas potencialidades na promoção da produtividade e da competitividade de suas estruturas produtivas, notadamente de seus parques industriais.