Análise IEDI
O Brasil na Indústria 4.0
A Carta IEDI a ser divulgada hoje analisa as inovações tecnológicas e novos conceitos de organização das cadeias de valores que estão em vias de estabelecer um novo paradigma industrial, inclusive com o apoio de políticas de desenvolvimento produtivo dos principais países desenvolvidos. Os termos Indústria 4.0 e Manufatura Avançada são frequentemente empregados para sintetizar este conjunto de transformações.
A partir do trabalho realizado pelo economista e especialista em inovação João Furtado e equipe – cujo relatório final estará disponível no site do IEDI – esta Carta confere especial atenção aos desafios que o Brasil deve enfrentar para que sua indústria seja parte integrante deste novo paradigma que se avizinha. Neste sentido, serão apresentadas dez medidas propostas pelos autores do estudo que poderiam auxiliar o país a não perder as janelas de oportunidade que se abrem com o advento da Indústria 4.0.
Um espectro relativamente diversificado de tecnologias aplicadas à produção manufatureira é o pré-requisito da Indústria 4.0. Dentre aquelas que são citadas com mais frequência estão: Sistemas ciber-físicos (CPS), Big Data Analytics, Computação em nuvem, Internet das Coisas (IoT) e Internet dos serviços (IoS), Impressão 3D e outras formas de manufatura aditiva, Inteligência artificial, Digitalização, Colheita de energia (Energy harvesting) e Realidade aumentada.
Mas o conceito não se limita à aplicação combinada dessas tecnologias. A Indústria 4.0 cria e articula fábricas inteligentes em um sistema produtivo e de comercialização substancialmente diferentes. Nas fábricas inteligentes, produtos também inteligentes possuem uma identidade única e a sua história de produção e consumo pode ser rastreada a qualquer momento, permitindo mudanças importantes ou ajustes pontuais ao longo dos processos de produção envolvidos. Os sistemas de fabricação estão conectados verticalmente, ao longo da cadeia produtiva, e horizontalmente, com outras redes de valor, podendo ser geridos em tempo real.
Uma consequência de alto impacto é a drástica redução de estoques e das escalas mínimas de produção (no limite, lotes unitários). Além disso, a Indústria 4.0 cria fábricas e sistemas industriais inteligentes de tal forma que afeta profundamente as qualificações profissionais e as relações de trabalho, cria novos mercados e modelos de negócio, e pode alterar significativamente a dinâmica econômica do mundo moderno.
Países como Alemanha e Estados Unidos, entre outros, por meio de políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação, não só têm apoiado o desenvolvimento das diferentes tecnologias envolvidas, mas se esforçam para articulá-las de maneira a retirar o maior potencial possível delas, contribuindo deliberadamente para a constituição daquilo que se entende por Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada.
Questão relevante, então, é saber qual o lugar do Brasil e de sua indústria neste “novo mundo”. Os desafios não são desprezíveis e surgem, em boa medida, em decorrência de limitações que herdamos do passado. São destacadas pelos autores três ordens de limitações que complicam o pleno desenvolvimento da Indústria 4.0 no país.
Em primeiro lugar, estão aquelas limitações referentes à própria estrutura industrial. Vale lembrar que o Brasil não foi capaz de acompanhar o avaço do restante do mundo em setores fundamentais para o desenvolvimento das tecnologias da Industria 4.0, como é o caso da microeletrônica. Encontramo-nos, então, desde o ponto de partida, em desvantagem. Além disso, pela própria natureza do processo de industrialização do país, dois outros aspectos tornaram-se deficiências cada vez mais importantes: pequena integração no comércio internacional e esforços tecnológicos relativamente modestos.
Em segundo lugar, com as características do consumo do Brasil, ao contrário dos países desenvolvidos, não favorece uma forte diferenciação dos produtos a qual viria ao encontro da Indústria 4.0. Em terceiro lugar, devido a essas deficiências, o Brasil corre o risco de se transformar, ainda mais, em mercado-alvo da produção chinesa, que deve acompanhar com atraso o avanço industrial dos países desenvolvidos, que hoje compreendem os principais mercados consumidos de produtos chineses.
A despeito disso, as janelas de oportunidade de um novo paradigma industrial existem, mas não de maneira incondicional. Elas envolvem algum tipo de compromisso de vários segmentos – produtores e usuários das soluções da Indústria 4.0 – para o estabelecimento de trajetórias factíveis, com custos e benefícios distribuídos ao longo do tempo de forma equânime entre as partes interessadas. O maior desafio da Indústria 4.0 para o Brasil é o da construção de uma estratégia consensual entre os principais interessados, sejam usuários do modelo ou produtores dos seus componentes materiais e de serviços.
A escolha do modelo de incorporação rápida dos componentes da Indústria 4.0 por meio de importações assegura ilhas de modernidade, mas desperdiça oportunidades industriais e sua difusão pelo sistema produtivo. Em oposição, a opção pelo modelo de produção nacional de soluções 4.0 pode ampliar o desenvolvimento tecnológico e as oportunidades industriais, com difusão mais ampla do novo padrão industrial. Apesar dos riscos que acompanham esta última opção, ela deveria estar no centro da futura política industrial do país. A hesitação entre uma estratégia rápida de assimilação dos componentes do modelo por meio de importações e uma de produção local estimulada por políticas pode criar o pior das duas fórmulas.
Os autores sugerem algumas medidas que podem auxiliar o desenvolvimento virtuoso da Indústria 4.0 no país. Um primeiro conjunto de ações não se refere diretamente à Indústria 4.0, mas sim à criação das condições para que a indústria de diversos segmentos e estratos de empresas possa se preparar para esse segundo esforço que será o padrão industrial emergente, em definição nos países líderes. Foram também propostas medidas para a formação de recursos humanos e competências tecnológicas que serão necessários à Indústria 4.0, bem como para a transformação do tecido industrial, seja o de pequenas empresas, seja o de empresas de base tecnológica, seja ainda o das grandes empresas e das cadeias industriais em que o Brasil possui posição de protagonismo global.