Análise IEDI
Dois pesos, duas medidas
O governo federal anunciou, na última quarta-feira, o plano de financiamento do investimento e do custeio das atividades agropecuárias para a safra de 2017/2018 com recursos que atingem o montante recorde de R$190,25 bilhões. As operações de custeio respondem pela maior parte desses recursos, cerca de R$150,2 bilhões. Já o financiamento dos investimentos conta com R$38,15 bilhões. Também foram considerados neste ano R$1,4 bilhão de apoio à comercialização e R$550 milhões de subvenção do seguro rural. Os créditos com taxas de juros livremente pactuadas entre credores e demandantes respondem por 20,3% do total dos financiamentos, enquanto as operações com juros regulados têm participação de 79,2%.
Quanto aos juros praticados, alguns programas, como o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) e o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro), foram beneficiados com uma redução de 2 pontos percentuais em suas taxas de juros, contando, agora, com financiamentos a 6,5% ao ano. Outros programas obtiveram uma redução de 1 ponto percentual nos juros, chegando na maioria dos casos a 7,5% ao ano, a exemplo do programa Moderfrota, que constitui um importante mecanismo de apoio à modernização do setor agropecuário. Cabe observar ainda o expressivo incremento, de nada menos de 82,2%, dos recursos disponibilizados por meio do Moderfrota.
Enquanto isso, o setor industrial vive em um quadro distinto, sobretudo, no que diz respeito a taxas de juros. Tomemos os juros aos quais a indústria financia seus investimentos, por exemplo. Neste caso, a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP, que funciona como referência para o custo desse tipo de financiamento, até chegou a ser reduzida recentemente, mas em apenas 0,5 ponto percentual, para 7,0% a.a. em termos nominais, em março do corrente ano.
Atualmente, mesmo as melhores taxas de juros pagas no financiamento junto ao BNDES podem ser consideradas elevadas. Vamos considerar uma operação direta com o BNDES e com a integralidade dos recursos tendo como referência a TJLP e não as taxas de mercado – o que já é uma exceção dentro das normas operacionais em vigor no Banco. Nesse caso, a taxa de juros nominal não seria inferior a 9,5% ao ano (7% da TJLP mais um spread do Banco de 2,5% a.a.). Esta taxa excede a inflação de 3,6% medida pelo IPCA de maio de 2017, em 12 meses, em 5,9 pontos percentuais.
Sendo uma operação típica do programa FINAME com TJLP de 7% a.a. e spread do BNDES que nesse caso é de 2,1% a.a., porém acrescida do spread dos bancos repassadores (que, em média, é da ordem de 4% a.a.) a taxa nominal subiria para pouco mais de 13% ao ano, isto é, uma taxa muito alta, maior do que a atual taxa Selic (que é de 10,25% a.a.) e 9,4 pontos percentuais acima da inflação.
Ademais, em 26 de abril de 2017, o governo federal editou Medida Provisória (n. 777/2017) anunciando a extinção da TJLP e criação, em seu lugar, de uma nova taxa de juros de referência, a Taxa de Longo Prazo – TLP. Esta última está baseada na rentabilidade da NTN-B de cinco anos, que corresponde a um título público indexado à inflação passada (IPCA), pagando, acima disso, uma taxa real de juros fixada em leilão pelo mercado.
Esta mudança, que deve ser implementada progressivamente a partir de janeiro de 2018, poderá acarretar em adicional aumento do custo dos financiamentos de longo prazo contratados junto ao BNDES pela indústria e demais setores que recorrem ao Banco para viabilizar seus investimentos. Esse será o caso se o juro real da NTN-B (que, em média, nos últimos doze anos atingiu 7% ao ano) não ceder.
Há, portanto, uma diferença de tratamento entre a indústria e a agropecuária. De um lado, a agropecuária, que consiste indubitavelmente em um setor importante, porém menos empregador e pouco tributado, dispondo de juros muito baixos. De outro lado, está a indústria, um setor com relevante participação no emprego formal e muito tributado, mas sujeito a juros para o financiamento de suas operações que já se elevam a níveis expressivos mesmo descontando a inflação.
Segundo dos dados da PNAD-IBGE referentes ao ano de 2015, a agropecuária responde por 4,3% dos empregos formais, enquanto a indústria de transformação por quase 20%. Quanto à arrecadação de tributos indiretos, segundo pesquisa da Firjan também para 2015, o setor agropecuário representava algo como 1,7% da arrecadação – considerado de forma conjunta com o setor extrativo, já que a pesquisa não divulga dados desagregados para cada um deles. Em contrapartida, esse mesmo percentual na indústria de transformação atingia 28,8% do total. A carga tributária, por sua vez, era de 6,3% do PIB setorial no caso da agropecuária (mais setor extrativo) e chegava a 47,4% no caso da indústria de transformação.