Análise IEDI
Variedades de política industrial no século XXI
Há uma grande atividade nas políticas industriais ao redor do mundo no presente momento. A Carta IEDI que será publicada ainda hoje traz um resumo do estudo “Variedades de política industrial: modelos, pacotes e ciclos de transformação” do professor Antonio Andreoni, da Universidade de Londres, o qual foi publicado no final de 2016 como capítulo do livro Efficiency, Finance, and Varieties of Industrial Policy, organizado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e por Akbar Noman.
Nesse estudo, o professor Andreoni analisa e contrasta a diversidade de políticas industriais que Alemanha, Estados Unidos e Japão desenharam e adotaram no período recente para responder aos desafios das transformações estruturais no panorama mundial. Esse grupo de países foi selecionado pelo autor devido ao fato de suas políticas constituírem, historicamente, um referencial de aprendizado para os demais países em suas regiões respectivas. O autor examina, igualmente, as políticas industriais de três importantes economias em fase de convergência (China, Brasil e África do Sul), os quais ele considera como referências-chave e locais de experimentação e inovação em política industrial.
Segundo o autor, a variedade nas experiências nacionais de política industrial é resultado das diferenças contextuais (institucional e estrutural) e de política econômica bem como dos distintos espaços políticos e das razões e justificativas para a ação governamental.
Na análise comparativa das políticas industriais nacionais desses seis países selecionados, Andreoni examinou os diferentes modelos de governança da política industrial e pacotes de medidas adotadas pelos países selecionados ao longo do tempo. Cada medida de política foi mapeada em duas principais dimensões compostas (modelo de governança e coordenação de política e pacote de política industrial e medidas de alinhamento) e uma dimensão temporal. A dimensão temporal visa capturar o ciclo de ação da política industrial (ciclo de transformação), no qual para o autor inclui também instituições e medidas de políticas ativas introduzidas por governos prévios.
A despeito da variedade de pacotes, modelos e trajetórias das políticas industriais nacionais dos países selecionados, essa taxonomia permitiu ao autor identificar padrões emergentes, tendências nas práticas de política industrial e estratégias comuns. Segundo ele:
• Todos os países selecionados estão adotando combinação de políticas setoriais seletivas e políticas sistêmicas voltadas à indústria de transformação. Essas últimas visam o desenvolvimento simbiótico (ou restruturação) de grupos complementares de setores industriais.
• Todos os países fortaleceram de modo significativo os suportes financeiros e tecnológicos para a indústria de transformação e para o sistema industrial como um todo.
• Em todos os países selecionados são adotados esquemas de suporte financeiro, que incluem empréstimos, financiamentos de longo prazo, subvenção de contrapartida.
• Todas essas medidas do lado da oferta têm sido crescentemente combinadas com uma ênfase renovada na política industrial de demanda. Impulsionados pela crescente concorrência internacional, todos os países estão introduzindo políticas de compras governamentais mais estratégicas.
Andreoni ressalta que as infraestruturas tecnológica e financeira dos países selecionados são, contudo, extremamente diferentes em termos do escopo das intervenções, funções e formas institucionais. Países como Alemanha, Estados Unidos e Japão, que contam com infraestrutura tecnológica desenvolvida ao longo do século passado, têm atuado para construir fortes vantagens competitivas em atividades de alta tecnologia.
Já entre os países industriais emergentes, somente China e Brasil, recentemente intensificaram suporte para o desenvolvimento de um sistema intermediário de difusão de atividades de P&D. Na África do Sul, em contrate, pouca ênfase tem sido dada às instituições intermediárias do desenvolvimento industrial e ao desenvolvimento de infraestrutura tecnológica publico-privada.
Em relação à infraestrutura financeira, o autor destaca o papel dos bancos de desenvolvimento, que na Alemanha e também Brasil e China são um importante braço operacional para executar os esquemas públicos de financiamento bem como para orientar, coordenar e apoiar as estratégias de longo prazo.
No que se refere aos modelos de governança da política industrial, o autor salienta as vantagens dos modelos multicamadas, que combinam intervenções de política de cima para baixo e de baixo para cima e são gerenciados por diferentes níveis de governos: federal, nacional, regional, local.
O modelo de governança em camadas oferece maior flexibilidade na composição do pacote de política industrial e permite, em geral, maior seletividade no desenho da política, melhor monitoramento e melhor aplicação da política. Porém, requer a construção de uma infraestrutura institucional articulada e a coordenação da governança da política entre todos os atores governamentais.
Em países como Estados Unidos, Alemanha e Japão, as políticas setoriais tendem a operar nos níveis nacional, regional e municipal, enquanto as políticas sistêmicas são orquestradas em âmbito central ou federal. Já os países em desenvolvimento, em particular China e Brasil, têm crescentemente adotados políticas sistêmicas orientadas à indústria de transformação e convergindo para um modelo de governança em multicamadas semelhante ao verificado nos países desenvolvidos.
Segundo o autor, a nova fronteira das políticas industriais parece extremamente complexa. A despeito de um número de domínios-chaves da política industrial característica para todos os países, a variedade persiste e, em certa medida, aumenta em resposta às diferentes trajetórias industriais e aos caminhos das políticas. Novas tensões também estão surgindo dentro e entre regiões. Se bem que políticas industriais continuam atuando dentro das fronteiras nacionais, os sistemas industriais de transformação estão tão integrados que os impactos das políticas nacionais têm cada vez mais consequências em todos os lugares.
Andreoni conclui seu artigo sustentado que embora não exista um “modelo único” de estratégia de política industrial, a compreensão das variedades de experiências de política industrial dos países expande a imaginação de políticas governamentais e aponta para a oportunidade de melhorar a coordenação, alinhamento e sincronização de pacotes de políticas industriais.