Análise IEDI
A disputa Brasil x China na exportação de manufaturados
Desde 2003, o desempenho da balança comercial brasileira tornou-se estreitamente vinculado ao crescimento econômico e da demanda externa da China mediante dois efeitos antagônicos. Por um lado, o “efeito complementaridade”, que beneficiou (principalmente no período anterior à crise financeira global) as exportações brasileiras tanto de forma direta (impulsionando as vendas externas de commodities), como indireta (aumentando as exportações de bens manufaturados para países latino-americanos exportadores de commodities). Por outro lado, o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, afetou negativamente a indústria brasileira por dois canais: a invasão de importados no Brasil e o crescimento das exportações chinesas para mercados tradicionalmente atendidos pela indústria brasileira.
A Carta IEDI a ser divulgada hoje atualiza nosso estudo de 2013 (Carta IEDI n. 590) sobre a concorrência entre Brasil e China na exportação de manufaturados. Naquela ocasião, mostramos que o “efeito concorrência” tinha se intensificado entre 2008 e 2012, devido à estratégia da China de aumentar sua presença na periferia para compensar a perda de dinamismo das economias centrais ocorrida na esteira na crise global. No âmbito dessa estratégia, aumentaram as exportações chinesas para as três principais regiões de destino das vendas externas brasileiras de bens manufaturados – Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta – a ponto de superarem o valor registrado pelo Brasil em 2012.
O estudo atual amplia o período analisado para o ano de 2015 (último dado disponível na base de dados da COMTRADE) e o compara com os resultados de 2012. A conclusão é que a trajetória de aumento do “efeito-concorrência” das exportações chinesas entre 2008 e 2012 nas principais regiões de destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados não persistiu no triênio subsequente.
Embora estudos adicionais sejam necessários para identificar de forma mais precisa os determinantes da interrupção da tendência de perda de dinamismo e de market-share das exportações brasileiras nas regiões selecionadas entre 2012 e 2015, é possível identificar alguns fatores externos e internos que contribuíram para este resultado.
Do lado externo, o contexto internacional foi desfavorável tanto do ponto de vista do crescimento da demanda externa como dos preços das commodities, mas a apreciação do dólar no biênio 2014-2015 favoreceu as exportações brasileiras já que significou, igualmente, apreciação da moeda chinesa (a paridade fixa com o dólar foi abandonada em 2010, mas o regime cambial vigente desde então procura manter a cotação do Renminbi relativamente estável em relação à moeda americana).
Do lado interno, dois fatores atuaram positivamente: a desaceleração da atividade econômica, que culminou na recessão em 2015; e, sobretudo, a desvalorização da moeda brasileira em termos reais. Assim, para que as exportações brasileiras de bens manufaturados não retomem aquela tendência, seria fundamental a manutenção da taxa de câmbio em patamares competitivos.
A avaliação da concorrência chinesa nos principais mercados para os quais o Brasil exporta manufaturas empregou os seguintes critérios. Primeiro, as exportações dos dois países foram agrupadas em quatro categorias de dinamismo: Oportunidade Aproveitada, em que o produto em questão ganha participação na pauta das regiões e o país (Brasil ou China) também ganha participação neste mercado; Oportunidade Perdida, em que o produto ganha participação, mas o país perde participação; Produto em Declínio, em que o produto está perdendo participação, mas o país está ganhando participação; Produto em Retrocesso, em que tanto o produto como o país estão perdendo participação.
Segundo, foi calculada a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras nessas quatro categorias: há Ameaça Direta quando, para um produto, há aumento de market-share da China nas regiões selecionadas, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share; há Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China for maior do que o aumento do market-share do Brasil. Os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas foram classificados como Sem Ameaça. Finalmente, o estudo também detalhou essas duas variáveis (categoria de produtos em termos de dinamismo e grau de ameaça) em termos setoriais.
É importante mencionar que nos dois períodos analisados (2008-2012 e 2012-2015) o desempenho das exportações chinesas e brasileiras para as regiões selecionadas foi bastante diferente. Na comparação de 2015 com 2012, as exportações chinesas aumentaram 8,3% e as brasileiras diminuíram 21,8%. Já na comparação de 2012 com 2008, os dois países aumentaram o valor total exportado, mas em magnitudes muito divergentes: 47,6% no caso da China e 1,9% no do Brasil.
Como os dados referem-se aos valores exportados, essa diferença expressiva nos resultados de 2012 e 2015 está associada às mudanças na dinâmica do comércio internacional nesse triênio, dentre as quais se destacam a deflação das cotações das commodities (que contaminam os preços dos bens manufaturados derivados do processamento desses produtos primários, como os setores de metalurgia básica e petróleo) e o menor dinamismo do comércio internacional (num contexto de baixo crescimento da economia global), que afetou negativamente as quantidades exportadas.
Ademais, a reversão do boom de preços das commodities atuou no mesmo sentido ao reduzir as exportações (e, assim, a disponibilidade de divisas) das economias do Mercosul e Aladi, comprometendo sua demanda por produtos manufaturados importados. No caso da China, a mudança no perfil de crescimento, com o aumento da importância do mercado interno frente ao externo, também contribuiu para a desaceleração das vendas externas.
Do ponto de vista do dinamismo e do grau de ameaça, várias tendências negativas identificadas em 2012, que eram motivo de preocupação para o Brasil, não se intensificaram ou mudaram de direção e tendências positivas se intensificaram.
Os produtos classificados como Oportunidade Aproveitada (mais demandados pela região) passaram de uma participação relativa de 25% no total das exportações brasileiras em 2012 para 45% em 2015, um avanço expressivo de 20 p.p. (bem maior que observado na comparação de 2012 com 2008, de 8 p.p.).
Outros resultados positivos para o Brasil foram: o declínio de 12 p.p. da participação dos produtos classificados como Oportunidade Perdida, que diminuiu para 13% do total (recuo bem mais intenso que no período anterior, de 30% para 25%); a queda ainda maior no grupo Produtos em Declínio, de 33% para 15% do total (-18 p.p.), que tinham ampliado sua participação entre 2008 e 2012 (de 28% para 33%). Ou seja, a tendência de aumento da especialização em produtos pouco dinâmicos foi interrompida.
No que se refere ao grau de ameaça das exportações chinesas, em 2015 elas representavam uma ameaça direta principalmente nos produtos em que o Brasil perdeu oportunidades de mercado, isto é, os produtos classificados como Oportunidades Perdidas. Porém, essa ameaça direta era mais preocupante para as exportações brasileiras em 2012, já que os produtos com oportunidades perdidas representavam 25% dessas exportações para as três regiões (e a ameaça das exportações chinesas nesses produtos era de 76%). A situação em 2008 era bem parecida. Em 2015, esse percentual recuou para 13% e o grau de ameaça para 68,7%. Outro motivo de preocupação em 2012 era a ameaça indireta das exportações da China (de 36,4%) nas exportações brasileiras com Oportunidades Aproveitadas (um pouco inferior que à observada em 2008). Contudo, em 2015, o grau de ameaça indireta das vendas externas chinesas nessa categoria recuou para menos de 5%.
Em termos de região de destino das exportações, no caso dos produtos exportados pelo Brasil que sofriam Ameaça Direta das exportações chinesas e tinham como destino o Nafta, a participação aumentou de 39,5% em 2012 para 45,2% em 2015. Esse resultado é desfavorável, já que no âmbito das três regiões consideradas, o Nafta foi o mercado mais dinâmico no período analisado devido ao desempenho dos Estados Unidos. Em contrapartida, a redução da participação da Aladi neste grupo sob ameaça direta (de 23,4% para 17,3%) é positiva, pois essa região é o principal destino de produtos manufaturados brasileiros.
No que se refere aos produtos que sofreram Ameaça Indireta, o Mercosul foi o principal destino em 2015 (42,2%), assim como nos dois anos anteriores (em 2012 o percentual era um pouco maior, enquanto em 2008 menor). Já as posições do Nafta e da Aladi se inverteram entre 2012 e 2015. A Aladi tornou-se a segunda principal região de destino dessa categoria de produtos em 2015 (29,8%), seguida pelo Nafta (27,9%).
Em suma, considerando os resultados em termos de dinamismo e grau de ameaça, a trajetória de aumento do “efeito-concorrência” das exportações chinesas entre 2008 e 2012 nas principais regiões de destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados não persistiu no triênio subsequente.
Embora estudos adicionais sejam necessários para identificar de forma mais precisa os determinantes da interrupção da tendência de perda de dinamismo e de market-share das exportações brasileiras nas regiões selecionadas entre 2012 e 2015, é possível identificar alguns fatores externos e internos que contribuíram para este resultado.
Do lado externo, o contexto internacional foi desfavorável tanto do ponto de vista do crescimento da demanda externa como dos preços das commodities, mas a apreciação do dólar no biênio 2014-2015 favoreceu as exportações brasileiras já que significou, igualmente, apreciação da moeda chinesa (a paridade fixa com o dólar foi abandonada em 2010, mas o regime cambial vigente desde então procura manter a cotação do Renminbi relativamente estável em relação à moeda americana).
Do lado interno, dois fatores atuaram positivamente: a desaceleração da atividade econômica, que culminou na recessão em 2015; e, sobretudo, a desvalorização da moeda brasileira em termos reais. Assim, para que as exportações brasileiras de bens manufaturados não retomem aquela tendência, seria fundamental a manutenção da taxa de câmbio em patamares competitivos.
Finalmente, é importante mencionar que as exportações brasileiras de bens manufaturados para os países latino-americanos das regiões analisadas também foram negativamente afetadas pelos múltiplos acordos comerciais que têm sido assinados com países externos à região, que acabam beneficiando produtos provenientes de países com vantagens competitivas, como a China. Assim, o governo brasileiro também deve adotar uma estratégia de política que busque um modelo favorável de acordos de comércio e estimule a integração da indústria brasileira nas cadeias regionais e globais de valor mediante a diversificação da base industrial e investimentos no mercado regional.
O detalhamento setorial dos produtos em termos de dinamismo e ameaça das exportações chinesas, também realizado em nosso estudo, pode contribuir para o desenho dessa estratégia. Mudanças relevantes foram observadas em 2015 em relação a 2012, como, por exemplo, o aumento da participação de produtos do setor de outros equipamentos de transporte nas exportações brasileiras com Oportunidades Aproveitadas, que passou de somente 0,3% em 2012 (mesmo patamar de 2008) para 20,4% em 2015. Ao que tudo indica, esse resultado favorável decorre das vendas externas de aeronaves da Embraer, que certamente se beneficiaram do ganho de competitividade associado à depreciação da moeda brasileira.