Análise IEDI
Cadeias globais de valor são mesmo globais?
Brasil, China, Índia, Indonésia, México e Turquia são economias industriais emergentes de grande porte que desempenham diferentes papéis nas cadeias globais de valor. Este grupo de países vem contribuindo sobremaneira para o crescimento da economia mundial – especialmente a China.
Conforme aponta estudo do FMI de outubro de 2016, nestes seis países o setor externo cresceu mais do que o PIB. O Brasil, entretanto, foi a economia em que o valor adicionado e a produção exibiram expansão mais lenta desde 1995, embora as exportações tenham se elevado mais do que a de Indonésia e México.
Aliás, neste conjunto de economias, o México é o único cuja parcela doméstica de valor adicionado nas exportações brutas é inferior à média mundial. Segundo a autora do estudo, Dominik Boddin, isso ocorre porque as economias emergentes ainda possuem obstáculos que dificultam o comércio, em relação à qualidade das instituições, barreiras não-tarifárias, informação, segurança legal, etc. ou porque sua pauta de exportações, como no caso do Brasil e Indonésia, concentra-se em bens primários.
Segundo o estudo, o fenômeno da produção “global” tem se limitado à América do Norte, Europa e Leste Asiático – orbitando ao redor das grandes economias industrializadas, respectivamente, dos EUA, Alemanha e Japão. Enquanto China, Índia, México e Turquia participam das redes produtivas em geral atuando como “fábricas” – de formas e por razões diferentes –, o Brasil e a Indonésia estão menos conectadas a essas redes. Além do distanciamento geográfico em relação às economias industrializadas, é destacada como causa desta reduzida inserção desses dois países a baixa participação industrial em suas exportações.
De 1995 para 2011 a mudança mais forte observada no valor adicionado doméstico das exportações do Brasil foi a perda de participação de não-duráveis (10 pontos percentuais), apropriada por bens primários.
Em contrapartida, para o mesmo período, a Índia se destacou progressivamente como destino de offshore de serviços e a China como montadora de bens finais – mas também produzindo cada vez mais bens intermediários. México desempenhou igualmente um papel de montador de bens finais, ligado às redes de suprimentos dos EUA notadamente de bens duráveis, o mesmo ocorrendo com a Turquia em relação à Europa, só que mais associada a bens não duráveis e serviços.
Devido à constatação de diferentes graus e formas de inserção nas cadeias de valor, a autora do estudo dá um alerta para os formuladores de políticas desses países: não tentem adotar medidas de um único receituário (“one size fits all policies”). Ao contrário, o papel e a posição de cada país nas cadeias de valor devem ser analisados e levados em conta.
No caso do Brasil, por exemplo, Dominik Boddin sugere políticas com foco na atração de investimentos estrangeiros de forma a ampliar a participação dessas cadeias globais na estrutura produtiva do país. Nos casos da Índia e da China, já melhor integrados, as políticas deveriam se concentrar na promoção do crescimento sustentável e na identificação de ensinamentos obtidos na sua participação nas cadeias globais de valor.
Desde o pós-guerra ascendem economicamente os países industriais de grande porte como Brasil, China, Índia, Indonésia, México e Turquia. A crescente participação deles nos fluxos de comércio e investimentos mundiais é notável, especialmente no caso da China, inseridos em esquemas regionais e globais de produção. Embora todos esses países sejam locais de outsourcing para as grandes empresas multinacionais, seus papeis nas Cadeias Globais de Valor (CGV) são bem diferentes, conforme conclui Dominik Boddin, autora do texto para discussão do FMI de outubro de 2016, “The Role of Newly Industrialized Economies in Global Value Chains”.
O estudo não se ateve somente aos dados brutos de importação e exportação, pois estes não informam o quanto do valor adicionado do produto advém realmente do local de origem da exportação. Boddin também analisou os dados de comércio em valor adicionado da WIOD (banco de dados mundial de matrizes insumo-produto), para compreender o papel daquelas seis economias nas CGV entre 1995 e 2011.
Foi selecionado este grupo de países porque contribuiu para o crescimento da economia mundial no período avaliado, especialmente a China, que apresentou o maior crescimento das exportações e importações, do valor adicionado anual e da produção (elevação na ordem de 10 a 12 vezes entre 1995 e 2011). Em todos eles, o setor externo cresceu mais do que o PIB. O Brasil dentre os países recém industrializados (NICs, em inglês) foi a economia em que o valor adicionado (3,11 vezes) e a produção (3,17 vezes) apresentaram o ritmo mais lento de expansão, embora as exportações tenham se elevado mais do que aquelas de Indonésia e México.
O valor adicionado doméstico das exportações brutas caiu nos seis países analisados entre 1995 e 2011, acompanhando a tendência mundial. Manteve-se mais alto no Brasil durante todo o período, mas ainda assim passando de 92% em 1995 para 88% em 2011. Não somente por conta do protecionismo, mas também – como lembra a autora – porque as cadeias globais são na verdade cadeias locais, girando em torno da “Fábrica América” (onde está a cadeia de suprimentos mais intensa), da “Fábrica Europa” e da “Fábrica Ásia”. Nesse sentido, EUA, Alemanha e China são os maiores produtores e consumidores de bens intermediários. A América Central, a América do Sul e a África estão excluídas desta rede produtiva internacional
Na Ásia, Índia e China foram se engajando cada vez mais nas redes produtivas e, por isso, apontaram as quedas mais expressivas da parcela doméstica do valor adicionado das exportações totais, enquanto Indonésia e Turquia assinalaram trajetória declinante até a primeira metade dos anos 2000 e depois nova elevação. Em contraste, as exportações mexicanas apresentaram menor valor adicionado doméstico no período, de 74% a 71% - basicamente por causa das maquiladoras, empresas montadoras de bens intermediários estadunidenses.
No valor adicionado estrangeiro das exportações do Brasil e, sobretudo, do México, os EUA são a principal origem, embora a China tenha substituído parte de sua parcela ao longo do período em tela (1995-2011). Mas, de modo geral, Japão, EUA, Alemanha e a própria China são os países com maior fatia do valor adicionado estrangeiro contido nas exportações dos NICs, o que varia de acordo com a posição de cada um deles nas redes produtivas locais. No caso da China, Coreia do Sul e Taiwan também se destacam (6% cada) e o resto do mundo responde por quase 30% do valor adicionado estrangeiro nas suas exportações, incluindo Bangladesh, Malásia, Filipinas, Singapura.
Do conjunto dessas seis economias que se industrializaram recentemente, o México é o único país cuja parcela doméstica de valor adicionado nas exportações brutas é inferior à média mundial. Boddin observa que isso ocorre porque as economias emergentes ainda possuem obstáculos que dificultam o comércio, em relação à qualidade das instituições, barreiras não-tarifárias, informação, segurança legal, etc. ou sua pauta de exportações, como no caso do Brasil e Indonésia, concentra-se em bens primários.
Analisando-se as parcelas dos setores no valor adicionado das exportações destes países (por meio do consumo estrangeiro do valor adicionado doméstico), percebe-se que os seis países analisados possuem perfis bem diferentes. Em 5 deles, exceto México, os bens não duráveis apresentavam maior participação na pauta em 1995, mas o setor caiu em média 25% até 2011 e deixou de ser o principal componente.
Na Índia, serviços e finanças possuem uma parcela do valor adicionado total doméstico consumido no exterior superior a dos outros países, somando quase 50% do total em 2011, com o que se reforça o padrão de especialização comercial deste país ao longo do período. O México é o que, relativamente, conta com a maior parcela de bens duráveis na pauta (23%).
Já a China em 2011 se destacou pela parcela mais elevada da indústria de transformação. Em especial os bens duráveis e não duráveis responderam por 55% do total do consumo estrangeiro do valor adicionado gerado na China. A Turquia teve parcelas importantes em serviços (35%) e não duráveis (36%), com participação baixa de bens primários (11%). Por outro lado, os bens primários corresponderam, comparativamente, por uma alta participação no Brasil (25%), na Indonésia (47%, sendo 37% da mineração) e no México (27%, quase tudo mineração).
Finalmente, o consumo estrangeiro do valor adicionado doméstico brasileiro em 2011 se dividiu em serviços (33,5%), bens não duráveis (28,6%), primários (25,2%), duráveis (8%) e financeiros (4,6%). De 1995 a 2011, a mudança mais forte observada no Brasil foi a perda de participação de não-duráveis (10 pontos percentuais), apropriada por bens primários.
Assim, a autora conclui que a despeito do grande porte dos seis países analisados enquanto economias produtivas e exportadoras, o fenômeno da produção “global” se limita ao Leste Asiático, América do Norte e Europa. Portanto o Brasil e a Indonésia estão mais distantes. Não se rejeitando o fator geográfico como componente explicativo, pode-se destacar o baixo dinamismo industrial e a especialização crescente em bens primários. De outro modo, China, Índia, México e Turquia participam das redes produtivas internacionais mais intensamente, por razões diferentes.
A Índia se destaca como destino de offshore de serviços e a China como montadora de bens finais – mas cada vez mais também como produtora de bens intermediários. México, por sua vez, se destaca também como montador de bens finais ligado às redes de suprimentos dos EUA – notadamente de bens duráveis –, enquanto a Turquia desempenha papel semelhante em relação à Europa, só que mais associada a bens não duráveis e serviços.
Devido à constatação de diferentes graus e formas de inserção nas cadeias de valor, a autora do estudo dá um alerta para os formuladores de políticas desses países: não tentem adotar medidas de um único receituário (“one size fits all policies”). Ao contrário, o papel e a posição de cada país nas cadeias de valor devem ser analisados e levados em conta.
No caso do Brasil, por exemplo, Dominik Boddin sugere políticas com foco na atração de investimentos estrangeiros de forma a ampliar a participação dessas cadeias globais na estrutura produtiva do país. Já nos casos da Índia e da China, melhor integrados, as políticas deveriam se concentrar na promoção do crescimento sustentável e na identificação de ensinamentos obtidos na sua participação nas cadeias globais de valor.