Análise IEDI
Desindustrialização prematura: um mal para o desenvolvimento
A discussão no Brasil sobre o declínio da indústria na estrutura econômica do país parece levar a crer que não existe uma controvérsia a respeito dos males decorrentes de um processo prematuro de desindustrialização. Mas, na literatura internacional este é um tema de debate que nunca perdeu importância. Um dos principais autores a tratá-lo é Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard.
Em seu artigo intitulado “Premature deindustrialization” e publicado pelo Journal of Economic Growth em 2016, Dani Rodrik vai fundo nessa questão e sustenta teses muito relevantes.
A primeira dessas teses é que o processo de desindustrialização por que passa muitos países atualmente, a exemplo do Brasil, não tem a mesma natureza daquele experimentado pelas economias avançadas. Em países como EUA, Japão e da Europa, a perda de participação da indústria no PIB ou no emprego só veio a ocorrer depois que a renda per capita de sua população atingiu um elevado patamar, decorrente do aumento de produtividade gerado na indústria.
Este não é o caso do Brasil, por exemplo. É por isso que pode se falar em desindustrialização prematura.
Igualmente relevante é a constatação de que tal declínio prematuro da indústria tem consequências muito mais prejudiciais ao desenvolvimento econômico. Por exemplo, diante da globalização, a indústria desses países perde competitividade interna e externamente, porque ela não tem a mesma capacidade tecnológica da indústria dos países avançados.
Outras consequências negativas da desindustrialização prematura são o deslocamento do emprego em direção a atividades de baixa produtividade do setor de serviços e do setor primário, bem como o aumento da informalização e da precarização das condições de trabalho e de vida das populações.
Um resumo das conclusões do autor sublinharia que se uma determinada economia tem condições de ter uma indústria manufatureira desenvolvida, ela deve cuidar para que seu parque industrial renove permanentemente sua qualidade e produtividade.
Para o Brasil, o “recado” de Rodrik não poderia ser mais claro: a desindustrialização prematura precisa ser combatida no sentido de se buscar maior qualidade das atividades de produção. Para tal, além de se investir em qualificação de mão de obra e em sofisticação tecnológica, seria necessário estar atento para a vulnerabilidade comercial, buscando uma inserção externa mais estratégica.
A crise da indústria brasileira desde 2011 preocupa e suscita questionamentos sobre seus componentes estruturais. De fato, a recente deterioração da produção e do emprego da indústria de transformação do país está imersa em um processo de desindustrialização que não é novo. A perda de importância relativa da indústria à medida que as economias se desenvolvem é conhecida e se verifica em outros países, mas sua magnitude no Brasil é muito mais profunda e preocupante.
Sabe-se que, desde a II Guerra Mundial, vários dos países do mundo passaram pelos processos conjuntos de urbanização e de industrialização em diferentes graus de alcance e profundidade. Desde então, a indústria de transformação diversificada e de alta produtividade tem sido tomada como o motor do desenvolvimento econômico – elevando a produtividade, o emprego e a renda das economias – na medida em que cria mercados também para os demais setores produtivos.
Os países que mais cresceram entre anos 1950 e 1980, como o Japão, os Tigres Asiáticos (Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan), o Brasil e o México – por exemplo – foram aqueles que investiram em infraestrutura e foram capazes de montar uma indústria interna, nacional e/ou multinacional, tornando-se também exportadores de manufaturas. Analogamente, o rápido crescimento dos anos 1990 para cá da China, do Leste Asiático e das economias do Leste Europeu manteve-se apoiado na industrialização.
Mas, enquanto se observava a onda de crescimento industrial nos países em desenvolvimento, progressivamente nos países já industrializados o setor foi perdendo importância no produto e no emprego, dando lugar ao setor de serviços. A maioria das economias de alta renda per capita, como as europeias, os EUA e o próprio Japão, sofreu um processo de desindustrialização. Dentre diversos fatores, costuma-se associar a desindustrialização nos países avançados tanto ao deslocamento das atividades de fabricação das empresas locais para outros países com menores custos, quanto à sofisticação e maior integração dos tecidos produtivos de suas economias, explicada também pela especialização em serviços industriais mais intangíveis das empresas multinacionais no seu território.
Foi neste contexto que surgiu a conhecida “curva de Rowthorn”, que sugere que ao longo do tempo a participação da indústria na economia aumenta elevando a renda per capita até que esta alcance um patamar alto. A partir deste ponto a renda continuaria a crescer com progressiva perda de importância relativa da indústria, que já teria atingido um estágio moderno de produtividade. Portanto, essa trajetória histórica é descrita graficamente com uma curva em formato de U invertido, onde no eixo horizontal está a renda per capita e no eixo vertical a participação da indústria de transformação no PIB ou no emprego.
Entretanto, desde os anos oitenta, os países de industrialização mais tardia, tais como o Brasil, também estão vivenciando um processo de desindustrialização, sem, contudo, terem alcançado o alto padrão de renda dos avançados. Este é justamente o tema de recente artigo de Dani Rodrik entitulado “Premature deindustrialization”, publicado em 2016 pelo Journal of Economic Growth.
Neste artigo, Dani Rodrik, renomado e premiado professor da Universidade de Harvard nos EUA, descreve a tendência mundial de desindustrialização medida pela participação da indústria de transformação no emprego e no PIB. Os dados incluem 42 países, desde a década de 1940 até o começo da década de 2010, fornecidos pelo Centro de Crescimento e Desenvolvimento Groningen (GGDC).
A simulação mostra a relação entre industrialização e renda per capita a partir de três medidas: (1) a participação da indústria de transformação no emprego, (2) no valor adicionado em termos correntes e (3) no valor adicionado em termos constantes. Tomando-se um “país representativo” de 27 milhões de habitantes, a partir das médias controladas das informações de toda a amostra, o autor encontra uma relação em formato de U invertido.
No caso da parcela do emprego da indústria de transformação, o pico seria cerca de 20%, a um patamar de renda per capita de aproximadamente US$ 8,8 mil. Esta curva decresce mais rapidamente após o ápice da parcela da indústria de transformação no emprego total. Já as curvas construídas a partir da parcela da indústria no valor adicionado total, elas atingem picos mais elevados de participação e também a patamares de renda per capita mais altos. Tomando-se preços correntes, a parcela da indústria no valor adicionado sobre o total alcança o máximo em 25% e em US$ 9,2 mil de renda per capita; enquanto em valores constantes o auge da curva fica em 27% e US$ 11 mil per capita.
De 1970 a 2013, em dólares constantes de 2005, a parcela da indústria de transformação no PIB mundial manteve-se estável, começando em 17% em 1970, caindo para 16% em 1980 e 1990, voltando a ser 17% nos anos 2000 para crescer a 18% desde 2010. Nos EUA, a indústria de transformação também permaneceu a mesma ao longo desses anos, tendo sido de 13% em 1970, com queda para 12% em 1980 e 1990, voltando depois para 13%. Já na Europa ocidental de 1970 a 2013 a participação das manufaturas no PIB caiu de 22% para 18%. Por outro lado, a elevação foi contínua na Ásia (de 16% para 20%, excetuando-se a China). O aumento na China foi particularmente forte: de 9% para 36%.
Contudo, desde os anos oitenta também se observa desindustrialização na América Latina e Caribe e na África Subsaariana. Na primeira região, a participação da indústria de transformação no PIB em dólares constantes caiu de 20% para 16% e na segunda de 15% para 11% entre 1980 e 2013. Houve, portanto, uma desindustrialização prematura em relação ao nível de renda per capita atingido por estes países e também à qualidade da industrialização, conforme enfatiza o autor.
Rodrik considera que a industrialização de melhor qualidade, isto é, aquela que leva ao desenvolvimento econômico, apresenta as seguintes características: 1) a manufatura é o setor dinâmico tecnologicamente; 2) a evolução manufatureira absorve não somente mão-de-obra qualificada, mas também sem qualificação; 3) a manufatura participa das exportações e, por isso, seu dinamismo não depende somente do mercado interno.
Por apresentar essa maior qualidade de processo de industrialização, nas economias avançadas a participação das manufaturas no PIB total não se reduziu tanto nas últimas três décadas, ao contrário do emprego. Isso porque a indústria desses países desenvolvidos tem conseguido prosseguir na elevação da produtividade, liberando mão-de-obra, mas, ao mesmo tempo, reduzindo preços relativos das manufaturas e elevando a escala da produção em ritmo similar ao do crescimento do produto total.
Em contraste, como a indústria nos países em desenvolvimento não reúne todas as condições que lhe permitem a mais alta qualidade, nos termos de Rodrik, torna-se mais vulnerável aos impactos da abertura e da globalização – apontados como o principal gatilho da desindustrialização prematura, salvo poucas exceções na Ásia.
Na América Latina e na África, principalmente, o comércio internacional livre tem causado um choque duplo: aumento das importações (interrompendo e revertendo os processos de substituição de importações) e queda dos preços relativos de bens manufaturados – seguindo a tendência nas economias avançadas. Por não ter a mesma capacidade tecnológica, as indústrias desses países em desenvolvimento perdem competitividade interna e externamente. Isso só não acontece nos países asiáticos porque estes detêm vantagens comparativas mais profundas para a produção de manufaturas, como custo do trabalho e proximidade aos mercados, conseguindo, assim, manter sua competitividade.
Como resultado da interrupção de um processo de industrialização de qualidade nos países em desenvolvimento, “bloqueia-se a principal avenida para convergência econômica rápida da situação de baixa renda” (p. 28). Nesse sentido, a desindustrialização é um mal.
Outras consequências da desindustrialização prematura seriam notáveis. Na América Latina e na África, o emprego tem se direcionado para atividades de baixa produtividade do setor de serviços e até mesmo do setor primário. Na esteira desse movimento, aumenta-se a informalização e se tornam mais precárias as condições de trabalho e de vida das populações.
Mesmo assim, as economias latino-americanas e africanas cresceram nas últimas décadas, só que a partir de outros mecanismos para além dos tradicionais da industrialização: pelo ingresso de capitais, transferências externas e boom de commodities, entre outros fatores. O problema é que a maior parte desses mecanismos não é sustentável diante da reversão dos ciclos econômicos.
Logo, se o cenário da desindustrialização persistir, os países em desenvolvimento serão obrigados a encontrar novos modelos de crescimento, como por exemplo, o desenvolvimento de serviços comercializáveis de alta produtividade, tais como tecnologia da informação e finanças. Precisarão, ainda, desenvolver fatores determinantes da produtividade, como investimento em conhecimento e qualificação da mão-de-obra.
Quanto às consequências políticas e históricas da desindustrialização e do consequente deslocamento do emprego, o autor sustenta que nos países desenvolvidos elas foram amenizadas por causa do pacto entre as elites e as organizações trabalhistas para fortalecer o Estado de bem estar social e a democracia. Porém, ainda segundo o autor, como nos tempos atuais as organizações trabalhistas detêm menos poder, a democracia pode se fragilizar durante a desindustrialização precoce dos países em desenvolvimento.
Emana das conclusões do autor que, em um caso como o brasileiro, a desindustrialização prematura precisa ser combatida no sentido de se buscar maior qualidade das atividades de produção. Para tal, além de se investir em qualificação de mão de obra e em sofisticação tecnológica, seria necessário estar atento para a vulnerabilidade comercial, buscando uma inserção externa mais estratégica.