IEDI na Imprensa - Puxada por automóveis, indústria de média-alta tecnologia cresce
Valor Econômico
Estevão Taiar
O grupo de média-alta tecnologia foi o único da indústria de transformação que teve crescimento de produção no primeiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2016. O avanço de 3,4% foi puxado pelo setor automotivo e beneficiado pela base de comparação baixa, efeito que deve perder força nos próximos meses e fazer com que a indústria de transformação tenha expansão próxima de zero na comparação com o ano passado.
Os dados são do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que a cada trimestre analisa o desempenho da indústria de transformação por quatro grupos de intensidade tecnológica: alta, média-alta, média-baixa e baixa. De acordo com o instituto, a produção da indústria de transformação caiu 0,5% no primeiro trimestre, em comparação com os três primeiros meses de 2016.
“O que há é só uma intensidade tecnológica (média-alta) que está no azul, e essa intensidade só está no azul devido a um setor (automotivo)”, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi.
O momento de maior contração da indústria de transformação aconteceu nos três meses finais de 2015, quando o recuo chegou a 12,3%, mais uma vez em relação ao mesmo período do ano anterior. Desde então, as retrações vêm sendo menores. No último trimestre do ano passado, por exemplo, a queda desse setor da economia foi de 3,9%.
Agora, o setor de veículos automotores e reboques lidera o processo de estabilização. O segmento cresceu 11,5% no primeiro trimestre contra os três primeiros meses de 2016, depois de chegar a cair 34% no fim de 2015 nessa mesma base de comparação.
Baixa
“Existe um esforço das indústrias automobilísticas para ocupar a capacidade ociosa via exportações, dado esse mercado interno completamente adverso”, diz Cagnin. Segundo ele, o setor foi duplamente prejudicado durante a crise, já que, dependendo do tipo, um veículo pode ser classificado tanto como bem de consumo durável quanto como bem de capital. “Você soma dois setores onde a crise bateu com mais intensidade”, afirma.
O economista destaca também que, no período pré-crise, “houve um 'boom' de aquisição de veículos”, o que permitiu que novas compras fossem adiadas durante os piores momentos da recessão. Argentina, “onde há certo consumo reprimido de automóveis”, e México são os principais destinos dessas exportações e devem “continuar dando algum oxigênio para o setor” ao longo de 2017. “Por outro lado, a base de comparação baixa vai se recompondo e deve perder efeito” nos próximos trimestres, ressalta Cagnin.
Dos quatro setores que compõem a intensidade de média-alta tecnologia, apenas máquinas e equipamentos mecânicos também registrou alta (2,1%) em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto produtos químicos e máquinas e equipamentos elétricos tiveram quedas de, respectivamente, 0,2% e 4,4%.
O grupo que teve o segundo melhor desempenho foi o de baixa intensidade, com queda de 0,2%. A ajuda veio de têxteis, couros e calçados, que cresceu 5,8%. “Esse resultado [de têxteis, couros e calçados] tem um pouco de exportação, mas também de consumo interno”, diz ele, citando melhora nas condições de crédito, inflação em queda e liberação dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Com dois anos muito agudos de crise, as famílias adiaram as compras o máximo que puderam. Há muito consumo reprimido”, afirma.
Dos quatro segmentos que compõem a baixa intensidade, apenas têxteis, couros e calçados teve alta. “O que explica esse desempenho é uma combinação de uma situação não mais tão ruim do ponto de vista macroeconômico com medidas para injetar algum ânimo no consumo”, afirma. “Mas isso pode ser passageiro.” Produtos manufaturados e bens reciclados (-0,3%), alimentos, bebidas e tabaco (-1,2%) e madeira, papel e celulose (-1,9%) apresentaram recuo.
Alta
A alta intensidade tecnológica teve uma queda maior, de 3%, mas está inserida em um quadro não tão preocupante. “É o caso oposto da indústria de média-alta tecnologia, que cresce porque está muito concentrada em automóveis”, diz. “Aqui, a alta intensidade cai porque está muito concentrada em medicamentos.”
No primeiro trimestre, a indústria farmacêutica teve uma contração de 15,3% ante os três primeiros meses de 2016. “É um setor que caiu bem depois dos demais e que está muito ligado a compras governamentais, SUS [Sistema Único de Saúde], Farmácia Popular. Tudo isso é meio sujeito a medidas de contingenciamento orçamentário”, afirma Cagnin.
“O que é relevante é que a queda da alta tecnologia foi concentrada em um único setor e não tão grande quanto nos últimos trimestres”, diz. Nos três meses finais do ano passado, a queda da produção da indústria de alta tecnologia foi de 10,1%. Neste primeiro trimestre, os outros três segmentos tiveram expansão: equipamentos de rádio, TV e comunicação (26,5%), instrumentos médicos, de ótica e precisão (4,8%) e material de escritório e informática (2,5%), sempre em relação ao mesmo período do ano anterior.
Média-baixa
Já a intensidade de média-baixa tecnologia teve o pior resultado, caindo 4% e apresentando um ritmo de recuperação “muito lento, reticente”. No segundo trimestre do ano passado, o recuo foi de 10%, e as quedas vêm se tornando menos menores. “É um grupo em que o petróleo tem um peso muito forte e que depende muito das decisões de uma empresa só, a Petrobras”, afirma Cagnin. Os produtos de petróleo refinado e outros combustíveis caíram 9,6%, enquanto outros produtos minerais não-metálicos recuaram 2,2%. Já produtos metálicos e borracha e produtos plásticos cresceram, respectivamente, 0,5% e 2,7%.
Conjuntura
Para Cagnin, combinados, os dados dos quatro grupos mostram “mais estabilidade do que recuperação” da indústria de transformação. “Enquanto não houver uma retomada de fato da renda, é difícil pensar em uma recuperação sólida do setor. O impulso necessário é a estabilização do mercado de trabalho, tanto do ponto de vista da taxa de emprego quanto da renda do trabalho”, afirma.
Cagnin afirma que o Iedi já estava na ponta mais pessimista das projeções e que, por isso, a última crise política pouco afetou o quadro esperado para este ano.
A queda dos juros pode ajudar na recuperação à medida que as taxas mais baixas sejam repassadas pelos bancos aos tomadores de empréstimos e ajudem setores mais dependentes de crédito, como bens semiduráveis e, principalmente, duráveis. “A queda dos juros também é importante do ponto de vista da confiança, da formação de expectativas”, diz. “Mas dado o tamanho do tombo dos últimos anos, mesmo que a indústria de transformação cresça 0,5%, 1%, 1,5%, isso não é nada. Nosso cenário para este ano é de estabilidade, zero a zero, estancamento da crise.”