IEDI na Imprensa - Ociosidade na Crise Facilitará 'Virada' da Indústria
Publicado em: 05/05/2016
Ociosidade na Crise Facilitará 'Virada' da Indústria
Valor Econômico - 05/05/2016
Flavia Lima
A ociosidade na indústria ainda se mantém próxima dos níveis mais altos da série histórica, mas não é mais apenas fonte de preocupação. A começar pelo segmento externo, a crise vem forçando alguns setores a buscar maior competitividade e eficiência, abrindo espaço para que a economia volte a crescer de forma mais equilibrada e com menor pressão sobre a inflação e as contas externas. Segundo especialistas, ainda é cedo para falar em retomada mais firme, mas já há quem conte com a possibilidade de um avanço acima do potencial mais à frente, no próximo ciclo de crescimento.
Com a retomada da economia, diz Bruno Rezende, sócio da 4E Consultoria, a ociosidade deve ajudar a indústria a prescindir de um grande ciclo de investimento para gerar capacidade produtiva. "Temos ociosidade alta, e ainda crescendo, tanto na indústria quanto no mercado de trabalho. Pensando lá para 2019, no próximo ciclo de crescimento, é possível avançar acima do potencial de longo prazo". Segundo ele, alguns setores devem encontrar o fundo do poço no segundo semestre deste ano.
Por enquanto, diz Rezende, a indústria da transformação dá fracos sinais de recuperação. Em março, o setor operou, em média, com 77,4% da capacidade instalada (22,6% de ociosidade), o segundo pior mês de toda a série que começa em 2003, e apenas 0,3 ponto percentual acima do fundo do poço atingido em janeiro de 2016 (77,1%), segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), dessazonalizados pela 4E.
A trajetória do segmento de veículos automotores, reboques e carrocerias é uma das mais críticas e ilustra bem os desafios em termos de ociosidade. Na média do primeiro trimestre deste ano, o uso da capacidade instalada ficou em 67,9%, ou quase 12 pontos percentuais abaixo do nível atingido em igual período de 2015 (79,8%). Dezembro, janeiro e fevereiro são os três piores meses da série, com ociosidade acima de 30%. O uso da capacidade instalada foi de 65,8%, 67,6% e 67,9%, respectivamente, percentuais muito distantes do pico de 90,9% de outubro de 2004.
"Vivemos a ressaca de um sobreaquecimento, mas era preciso passar por essa depressão antes de voltar a crescer. Exageramos muito para um lado, agora passamos para o outro. É um passo no sentido da retomada", diz o economista do Itaú Unibanco, Caio Megale.
Para Megale, atingir um dos pontos mais baixos do uso da capacidade instalada não é necessariamente má notícia. "O que a gente vivia há quatro ou cinco anos era uma capacidade instalada quase toda no limite." No setor de caminhões, lembra ele, o Programa de Sustentação do Investimento (o PSI, de incentivo à compra com juros mais baixos) foi o responsável por grandes filas em montadoras, que sofriam por falta de insumo ou porque estavam no limite da capacidade. "Aí a empresa vendia caminhão sem roda, sem pneu, sem eixo, do jeito que estava, e dizia para o comprador se virar no secundário para arranjar peça."
A retomada ainda é lenta, diz Megale, porque a demanda precisa voltar de forma sustentável, para, primeiramente, consumir estoques, reequilibrar a capacidade ociosa e, mais à frente, decidir ampliá-la. "É um caminho longo, mas estamos trilhando esse caminho."
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, diz que os níveis atuais de ociosidade indicam que a indústria está "querendo chegar ao fundo do poço", condição necessária, embora não suficiente, para dar início à reversão cíclica. Para ele, o quadro de alta ociosidade é ruim no curto prazo porque afeta fatores como a arrecadação, mas sinaliza crescimento mais fácil depois de superadas algumas restrições de demanda.
"Em 2013, se discutia o apagão da economia e hoje a redução da demanda por energia foi grande. Fica mais fácil crescer de maneira equilibrada, sem pressionar a inflação e as contas externas e em ritmo razoável, quando se parte da situação de excesso de ociosidade", afirma Borges.
Estudo da LCA indica que quanto maior a ociosidade, maior a taxa de crescimento do PIB dois a três anos à frente. Logo, seria possível falar em crescimento a partir de 3% ou 4% ao redor de 2019. "Óbvio que isso não é automático e depende de outras condições, que estão sendo construídas com o choque de confiança que deve vir com alternância de governo", diz Borges. "Com excesso de ociosidade, a economia pode crescer acima do potencial por algum tempo sem gerar desequilíbrios".
Os setores exportadores tendem a liderar a recuperação, como o de celulose, e o de automóveis, em que a exportação está melhorando aos poucos. "Há expectativa de melhora nas exportações para Argentina", diz Rezende, da 4E.
Em relatório enviado a clientes, a consultoria Macrométrica, do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, ressalta que o volume exportado de automóveis subiu mais de 50% no último trimestre de 2015 sobre igual período de 2014, e mostra alta próxima a 30% no primeiro de 2016. "Sabemos que esses sinais podem não passar de ruído estatístico. Mas fica difícil escapar da impressão de que algo já se move na economia real. Para um paciente em estado comatoso, qualquer sinal vital é ótima notícia", diz Lopes, em relatório.
Megale, do Itaú, também avalia que os setores ligados às exportações vão emergir mais rapidamente, assim como os setores que competem com importações. "Especialmente os voltados à mais alta renda, cuja demanda não cai muito, como vestuário. No passado, se esperava a próxima viagem à Miami. Agora, está mais caro lá do que aqui. Há relatos de varejistas voltados à mais alta renda que sentem esse efeito-substituição."
Para Rafael Fagundes, economista do Iedi, a retomada deve vir pelos setores que já amenizaram a queda e têm boa inserção internacional, como alimentos, papel e celulose, produtos de madeira e calçados, assim como vestuário e medicamentos, pela via da substituição de importações. O ritmo de crescimento da economia internacional e o câmbio, que voltou a se valorizar neste ano, poderiam jogar areia nessa engrenagem, diz.
Para Fagundes, a alta ociosidade pode ser útil para responder ao aquecimento sem pressões inflacionárias, mas, ao mesmo tempo, não puxa o investimento. "E a modernização da estrutura produtiva vem com ampliação do investimento", afirma.
Megale diz não saber se todas as empresas sobreviverão à crise, mas, quem sair, sairá mais eficiente de modo a lidar com custos elevados e baixa demanda. "A economia brasileira vai sair dessa crise muito mais eficiente do que entrou", diz. "Mas pelo menos por mais um ano estamos em recessão. Tínhamos 41 graus de febre e estamos com 39,5. Precisamos focar no ajuste, especialmente do lado fiscal, nosso problema central."