IEDI na Imprensa - “Produzir para quê?”
“Produzir para quê?”
Época Negócios - 23/04/2016
Pedro Wongtschowski, do Iedi, diz que o país restabeleceu uma distorção nefasta. Voltou a ser melhor aplicar no mercado financeiro do que investir em produção
Marcelo Cabral
Pedro Wongtschowski lamenta que o Brasil tenha restabelecido uma “enorme distorção”: colocar dinheiro em aplicações financeiras voltou a ser mais rentável e seguro do que investir no setor produtivo. “Estamos deslocando um volume gigantesco de recursos do Estado para quem vive de receita financeira”, diz Wongtschowski, ex-presidente da Ultrapar, a gigantesca holding que inclui marcas como Ipiranga (postos), Ultragaz, Oxiteno (indústria química) e Extrafarma (farmácias). Hoje, o executivo ainda faz parte do conselho do grupo. Em setembro de 2015, assumiu a liderança do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), cuja tarefa só pode ser definida como árdua: buscar saídas para fortalecer a indústria nacional.
Como o senhor vê a queda da participação da indústria no PIB?
Existe uma supremacia da visão financeira sobre a visão industrial e produtiva no Brasil. A evolução da taxa de juros fez com que fosse mais rentável aplicar dinheiro no mercado financeiro do que em investimentos produtivos. Isso gerou uma enorme distorção. A rentabilidade do setor industrial nos últimos dez anos tem sido sempre inferior ao seu custo de capital. Isso é o inverso do que deveria acontecer. O Brasil paga 9% do PIB em juros. O país voltou a ser o maior pagador de juros do mundo. A Grécia só paga 5%. E olha que os gregos têm uma dívida de 175% do PIB, ante menos de 70% da nossa. Estamos deslocando um volume gigantesco de recursos do Estado para quem vive de receita financeira.
Existe uma forma de reduzir juros neste momento, com a inflação na casa dos 10%?
Sim, mas ao longo do tempo. À medida que a atividade produtiva e o investimento ganhem fôlego, a taxa de juros baixará.
Vários setores da indústria receberam benefícios generosos do governo. O que deu errado?
A pergunta que ninguém sabe responder é o que teria acontecido se os benefícios não tivessem sido concedidos para esses setores. Não aceito que se diga, genericamente, que essas medidas não tiveram efeito. O Reintegra [devolução de impostos cobrados de exportações] é muito relevante. Isso posto, acho que a solução estrutural para o Brasil não é formada por condições tópicas. É preciso reduzir o custo Brasil. Simplificar o sistema tributário, modernizar a legislação trabalhista, desonerar as exportações e o investimento.
Como vê uma possível volta da CPMF?
A CPMF é um imposto de má qualidade, porque incide em cascata. Não acredito que o Congresso aprovará a sua volta.
É possível fazer um ajuste fiscal sem elevar impostos?
Acho difícil. Acho ruim, mas inevitável. Ainda assim, excluiria dessa lista a CPMF. Mas a última coisa que você vai tirar de mim é uma sugestão de como o governo deveria aumentar impostos.
Quais são as medidas que deveriam fazer parte dessas soluções?
Precisamos de um ajuste fiscal, especialmente no lado da despesa. Isso significa remover a rigidez dos gastos obrigatórios do governo. Eles representam 89% do orçamento. Não dá para executar um ajuste com os 11% restantes. Fazer isso é parar a máquina. Hoje, a agropecuária, a polícia de fronteiras, o financiamento à inovação, todos esses setores estão paralisados.
O que mais?
Acho que há um consenso em torno da necessidade de um gigantesco aumento da eficiência da máquina do governo.
Como ficam os programas sociais?
Em um país desigual e pobre como o Brasil, os programas sociais são essenciais e não custam muito. O Bolsa Família custa 0,7% do PIB. O que não significa que ele não possa ser aperfeiçoado. Existem outras questões que, no futuro, a sociedade terá de discutir. Por exemplo, a gratuidade do ensino superior no Brasil. E há outros dogmas a enfrentar.
Quais?
A Petrobras. Ela tem condições de ser uma empresa eficiente na exploração, produção e refino de petróleo. Mas precisa produzir álcool? Produzir biodiesel? Distribuir gás de cozinha em residências? Ter o volume de exploração fora do Brasil que tem? São perguntas que têm de ser feitas. A retomada da Petrobras ao seu foco original seria importante, e ela está caminhando a passos lentíssimos nessa direção. Se é que está caminhando.
Na sua visão, o que está nas raízes desta crise?
O começo está na Constituição de 1988. Ela estabeleceu novas obrigações sem se preocupar se o Estado tinha condições de arcar com elas. Ao longo dos anos, constatamos que a resposta era negativa. O Estado só teve condições de arcar com gastos desse tipo em momentos extremamente favoráveis, que só existiram durante curtos períodos de tempo da nossa história recente. A segunda fonte da crise é uma despreocupação generalizada com a eficiência, especialmente no setor estatal. Os governos não se deram conta de que a busca pela eficiência é um trabalho permanente. Como resultado, o Brasil tornou-se um país caro e complicado. Além do mais, para obter o próprio sustento, o brasileiro busca, em geral, o amparo do Estado. Sem mudar esse tipo de postura, o progresso vai ser muito difícil e muito lento.