IEDI na Imprensa - Uma crise mais ampla na indústria
Uma crise mais ampla na indústria
Brasil Econômico - 05/06/2015
A indústria, para produzir, exerce significativa demanda por bens primários e cada vez mais depende de serviços para efetivar a sua produção e distribuição.
Julio Gomes de Almeida
A indústria detém duas características que a tornam protagonista dos momentos de expansão e retração em qualquer economia onde ela ostenta presença significativa, como ainda é o caso deste setor no Brasil. Primeiro, por produzir bens duráveis, seja de capital ou de consumo, sua produção é dependente, como nenhum outro setor, do crédito e de antecipações dos agentes, incluindo empresários, consumidores e bancos, sobre as perspectivas econômicas futuras.
Ou seja, é o setor que mais prontamente reage às mudanças nas condições do crédito e nas expectativas dos agentes. Em segundo lugar, como se sabe e é amplamente reconhecido, a indústria tem um poder, que também não é encontrado em outros setores, de irradiar para si própria e para o resto da economia os fatores de dinamismo ou de queda.
O atual momento brasileiro serve para destacar tais fatores. Não há outro segmento que tenha sido mais fortemente afetado pelas novas condições econômicas na passagem de 2014 para 2015, período que presenciou uma extraordinária piora das expectativas de todos os agentes, as quais já não eram favoráveis pelo menos nos dois anos anteriores, e pelas restrições do crédito e seu encarecimento motivado pelo aumento das taxas de juros do Banco Central. Reflexo disso, o declínio do PIB industrial no primeiro trimestre deste ano destacou-se: enquanto o PIB global declinava 1,6% frente ao primeiro trimestre do ano passado, a indústria de transformação retrocedia 7%. Não é por acaso que os líderes desse desastre industrial tenham sido os segmentos de bens de capital e bens de consumo duráveis.
Como nesta semana o IBGE divulgou, a produção desses dois setores caiu no acumulado de janeiro a abril de 2015 nada menos que 19,7% no primeiro caso e 16,1% no segundo. O contágio do declínio industrial sobre outros setores se dá porque, para produzir, a indústria exerce significativa demanda por bens primários e cada vez mais depende de serviços para efetivar a sua produção e distribuição. Em parte, o declínio acentuado que vem sendo observado no faturamento nominal do setor de serviços decorre da crise que originalmente afetou o tecido industrial.
Nos últimos meses, outro segmento industrial vem despontando como fator de queda da indústria. Trata-se de semiduráveis e não duráveis, que reflete bastante a capacidade de consumo na economia. No ano até abril, a redução da produção nesse caso foi de 6,8% com relação há um ano atrás, um índice muito inferior aos dois casos anteriormente assinalados, mas ainda assim com peso suficiente para contribuir para a queda, que na média da indústria foi de 6,4%.
Como um informe do IEDI adverte, este é o pior resultado para esse segmento na série do IBGE iniciada em 2003, superando mesmo períodos de grave crise da economia e da indústria, como em 2003 e 2009. O determinante desse desempenho em parte vem da própria indústria, pela via de sua influência sobre serviços, que é altamente demandante de mão de obra. De outra parte, vem do menor nível de atividade, que afeta todos os setores, em especial serviços, o que juntamente com a inflação muito elevada dessa primeira metade de 2015, reduz o rendimento médio real das pessoas ocupadas.
Os exemplos de alguns ramos da indústria de não duráveis e semiduráveis ilustram o que vem ocorrendo no setor. Na indústria de bebidas, o revés de produção em 2015 atinge 7%. Foi o pior resultado para um primeiro quadrimestre na história recente (desde 2003) desse ramo. O mesmo vale para a fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene, com recuo de 4,5% no acumulado janeiro-abril último.
Mais uma ilustração: a retração de 18,7% na fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos nesse mesmo período está, muito provavelmente, ligada à retração do consumo das famílias, mas aqui pode haver também a transferência da produção doméstica para o exterior.
Em outras palavras, há também uma crise aberta no consumo popular de bens industriais.
Julio Gomes de Almeida, Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda