IEDI na Imprensa - Sinal de longo prazo
Sinal de longo prazo
Revista Conjuntura Econômica Vol. 69 nº 04 - Abril/2015
Solange Monteiro
Os sinais de que o ajuste fiscal tardará mais que o esperado para mostrar resultados não elimina a responsabilidade de se definir o quanto antes a economia e a indústria que se quer para o país depois de concluída a fase de correção. Esse é o alerta de Pedro Luiz Barreiro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), cofundador e conselheiro da Natura. Em entrevista à Conjuntura Econômica, Passos defende a urgência de uma direção de longo prazo que guie os investimentos, bem como uma mudança no perfil da indústria brasileira, que permita maior inserção internacional. Para isso, o empresário advoga uma política que foque em melhorar a produtividade da economia com um todo, evitando políticas pontuais. “É preciso deixar que cada setor ganhe musculatura. Pode-se apoiar quem está buscando essa vitalidade, mas não criar um pronto-socorro para quem não está se dando bem”, afirma.
Conjuntura Econômica – Em 2014 a indústria de transformação acumulou um déficit comercial de US$ 63,5 bilhões, nove vezes maior do que em 2008, quando a balança do setor passou a ficar negativa. Como o Iedi avalia essa aceleração e qual a estimativa para 2015?
Pedro Passos – Não fazemos estimativa. A gente sabe que os principais fatores para essa aceleração já vêm de longo tempo. Fundamentalmente, tivemos alguns elementos mais macro, sistêmicos, caracterizados por um câmbio que ficou fora do lugar por um longo período, e foi praticamente impossível superar isso com ganhos de produtividade. Também tivemos taxa de juros excessivamente alta durante muito tempo, apesar de certo declínio em 2010, mas sempre com taxas reais muito fortes. Então a indústria foi perdendo densidade, consistência, e a maior parte da demanda por produtos industrializados acabou sendo abastecida pelo mercado externo. A indústria praticamente não tirou proveito desse crescimento que tivemos em um período recente. Associada a isso, a própria produtividade do trabalho, e a produtividade como um todo, tem crescido menos que a dos nossos competidores. Esse é um cenário que, tenho impressão, esgota um ciclo, e agora a demanda é por uma reorientação, para garantir a indústria precisamos para compor a taxa de crescimento do país.
Observando o levantamento do Iedi sobre a corrente de comércio da indústria da transformação de 1995 a 2014, apenas em seis anos, de 2002 a 2007, a indústria registrou superávit comercial. Levando em conta esse histórico, qual seria um nível realista para a balança do setor?
No período de 2003 a 2008 tivemos a influência do câmbio. De qualquer forma, um país como o Brasil não deve, de forma alguma, considerar que sua balança comercial deve ser estruturalmente deficitária. Ao contrário. Acho que teremos que gerar superávit. Para isso, entretanto, a indústria brasileira deverá mudar seu perfil. Possivelmente com uma matriz um pouco diferente, com mais importação e mais exportação. Esse é um processo difícil de construir, saindo de uma posição relativamente voltada para o mercado interno, uma estrutura mais de defesa e de proteção, para uma estrutura de maior inserção internacional. Demanda tempo para se negociar internamente e externamente, para fazer essa reorientação andar. A indústria brasileira pode fazê-lo, desde que seja um processo, pois já vimos no passado que as modificações abruptas em direção a uma abertura comercial podem ser traumáticas para alguns setores, com prejuízo de coisas que foram previamente construídas. Temos que ter essa consciência, mas também temos que contar com uma agenda nítida, de que a direção é a de uma maior inserção internacional. O Brasil tem vários setores em que pode ser mais agressivo e ter uma presença maior.
Quais seriam esses setores?
O Iedi não parte do princípio de selecionar setores. Um país que tem o desenvolvimento tecnológico de uma Petrobras, uma empresa como a Natura, que tem poder de enfrentar concorrência de grandes multinacionais dentro de seu próprio mercado, pode tudo. Está em nossas mãos desenvolver setores com competitividade internacional. O Brasil pode revelar novos setores. Acho que o cuidado que se deve ter é o de não defender aqueles que hoje não demonstram muita perspectiva. Essa transição terá que acontecer. Isso dependerá da aposta que o Brasil vai fazer nos segmentos emergentes, que estão mais ligados às nossas vantagens, e quanto vai segurar setores que já se transformaram, em que a China já ocupou espaços e talvez não tenhamos escala. A indústria que devemos ter no futuro não é necessariamente a indústria que temos hoje e que tivemos até aqui. Parece-me que há uma mudança nessa matriz.
Que tipo de mudança?
Primeiro, para uma indústria que entenda que as oportunidades são globais. Hoje em boa parte do mundo já não existem indústrias verticalizadas, principalmente quando você vai evoluindo na agregação de valor. Hoje elas contam com os recursos disponíveis em todas as geografias. Essa é uma das características que força uma mudança nas políticas que até agora buscaram incentivar a verticalização. Acho que essa é uma transformação importante, e mais uma vez a Embraer é nosso exemplo de como devem ser aproveitadas as vantagens de diversos países. Em segundo lugar, o Brasil tem que evoluir com base nas cadeias em que demonstra vantagens competitivas, como aconteceu com o agronegócio, que mostra que temos condições se fizermos a lição de casa corretamente. É um setor que se expôs para a competição, investiu em inovação, tirou regulação e efetivamente investiu na competição internacional.
O Iedi não se foca em estudar quais serão esses setores. Não temos torcida nenhuma. E também porque esse é um jogo para ser jogado. Se você apoia uma inserção externa melhor, se ajuda a elevar a produtividade interna, deixa que os setores escolham seu caminho. Novamente: quem tem empresas como as que temos, tem tudo. Tem condição de ser grande parceiro internacional, desde que garanta essa maior inserção externa. Mas é preciso deixar que cada setor ganhe musculatura. Pode-se apoiar quem está buscando essa vitalidade, mas não criar um pronto-socorro para quem não está se dando bem.
Em sua opinião, as políticas de apoio a pesquisa, desenvolvimento e inovação brasileiras seguem esse princípio?
Acho que o Brasil evoluiu muito nos últimos anos com relação ao apoio à inovação. Em geral, as políticas foram em boa direção, como a Lei do Bem, a criação da Embrapii, parcerias com universidades. Mas ainda são insuficientes para fazer frente aos investimentos internacionais. Acho que as restrições econômicas, fiscais têm algum impacto sobre isso, mas ainda convivemos com muito processo burocrático. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), por exemplo, é uma agência que funciona mal, com um importante backlog no registro de patentes, que faz com que muita gente prefira patentear fora do Brasil. Também há problemas regulatórios importantes. Um deles é o marco legal para acesso ao patrimônio genético de 2001 (um novo texto espera aprovação do Senado), que é absolutamente inadequado. Ele inibe a Natura, mas também o Jardim Botânico e a USP, não só de pesquisar esse patrimônio, mas de gerar inovação e negócios decorrentes disso. Com isso, a Natura teve que fazer processos mais lentos, muitas vezes entrar com medida judicial, e receber multas do Ibama, das quais se defende, pois a biodiversidade brasileira está no DNA da empresa, não se pode abrir mão. E com isso o Brasil perdeu outras empresas de alimentos, farmacêuticas, que poderiam fazer pesquisa aqui, intensificando a inovação e, obviamente, produzindo resultado econômico.
Hoje eu diria que boa parte das empresas não deixou de inovar por falta de fomento, da ajuda do BNDES, da Finep etc. Pode-se dizer que muitas vezes o processo é burocrático, não atinge as pequenas e médias empresas, porque precisam de estrutura para ter acesso a esses recursos, mas em geral não foi isso que faltou. Temos carência de mão de obra especializada, alguns problemas estruturais, mas, ainda assim, acho que o que impede de conseguirmos mais resultado na inovação é a ausência de competição. Tanto é que hoje o investimento privado em inovação no Brasil é menor do que em outros países com os quais competimos. Existe mais investimento público proporcionalmente em relação ao privado.
O governo perdeu na iniciativa de reverter a desoneração em folha através de medida provisória, buscando agora aprová-la por projeto de lei. As principais representações da indústria foram contra essa reversão, enquanto vários economistas reforçam o coro de Levy sobre a falha dessa política, indicando que esta gerou desorganização macroeconômica. Qual a sua opinião?
A desoneração foi atabalhoada, exagerada. Ela nasceu com um propósito correto, no nosso entendimento, que era o de aumentar a competitividade do produto brasileiro em relação ao importado. Era um passo para a isonomia, não o ideal, mas um passo. Aí fizemos duas coisas na direção errada que causaram problema: o subsídio e a extensão para setores que não precisavam dessa vantagem competitiva, que não sofrem concorrência internacional, como o varejo. Não precisava ter desonerado tantos setores assim. Foi estranho ver como as entidades se manifestaram. Entendemos o problema da perda de um benefício, mas o fato é que precisamos fazer um acerto na área fiscal brasileira. Há algum tempo o Iedi vem alertando que essa desoneração em folha foi muito ampla, que dessa forma o quadro fiscal não seria sustentável. Agora, essa correção proposta é a melhor? Será um erro a forma como se está mitigando o problema fiscal? Será melhor o endereçamento ou o melhor seria voltar aos critérios iniciais? Acho que aí há uma avaliação a ser feita, para evitar erro sobre erro. Todos estamos de acordo que precisamos promover formas mais amplas e fazer acertos maiores, e que medidas pontuais acabam se agravando, criando uma complexidade maior. Entendo os setores que se veem frente a uma desaceleração da economia e se sentem mais onerados com essa reversão. Mas, da perspectiva fiscal, é claro que precisamos ajustar, senão agravaremos o problema.
Hoje se nutre grande expectativa de que tipo de estímulo poderá ser dado à indústria, concomitantemente às correções de política defendidas pelo governo. As principais lideranças do Iedi foram convocadas em fevereiro para falar com o ministro Joaquim Levy. Qual agenda defenderam e o que esperam do governo para ajudar o setor?
Nós, como todo o Brasil, pretendemos que algumas reformas estruturais sejam encaminhadas. Hoje nem dá para falar diretamente de redução de carga tributária, mas podemos ao menos defender a simplificação da estrutura tributária para uma mais homogênea. A gente também tem colocado a necessidade de políticas mais horizontais. Por exemplo: temos dito que no caso das cadeias produtivas, precisamos de desoneração na base. Porque hoje os recursos, os insumos das cadeias produtivas já estão saindo a um preço mais alto que o padrão internacional. O início das cadeias com preços competitivos já ajudaria a estruturar a produção e ganhar mais competitividade. A sinalização que queremos é a de que teremos esse tipo de direção e sairemos de políticas pontuais que não têm se mostrado efetivas para resolver problemas. Isso, atrelado a uma política de inserção, vai mobilizando os investimentos para a construção de uma indústria exportadora. É preciso desonerar a base das cadeias para construir essa competitividade. E quando a gente sinaliza essa inserção, vai mobilizando os investimentos das empresas no sentido de buscar essa competitividade internacional.
Nota recente da CNI aponta que de 2002 a 2012 o Brasil foi o país que mais perdeu competitividade entre seus principais concorrentes: a taxa anual média de crescimento de sua produtividade foi de 0,6%. Já o aumento do Custo Unitário do Trabalho (CUT), em dólares, foi de 9%, devido a salário, câmbio e produtividade, enquanto em países como Coreia do Sul o CUT caiu 3%. Além de questões conjunturais como desvalorização do real e aumento do desemprego, que podem levar à queda do salário, que variáveis deveriam ser mais bem trabalhadas para o aumento da produtividade?
Depende do horizonte. No curto prazo, uma retração pode eventualmente motivar as empresas a aumentar um pouco a sua produtividade, e os salários tendem a não evoluir tanto. No curto prazo, você pode ter aumentos e reduções de produtividade de acordo com movimentos na produção e no emprego. Por exemplo: nos últimos três anos a nossa indústria foi muito mal, mas aumentou um pouco sua produtividade, porque tanto a produção quanto o efetivo foram reduzidos. Isso é ganho de produtividade estatístico. Não é exatamente esse o ponto que temos motivado nesse debate, mas sim o de inovação, inserção externa, busca de qualificação, porque isso é o que dá resultado no longo prazo. A saída para a questão da produtividade, no caso da indústria, é o investimento, investir mais e melhor, com o país fazendo sua parte, melhorando infraestrutura, educação, para ter aumento de produtividade mais sustentável.
Observamos um ano politicamente delicado. Será possível pensar em uma agenda mínima que colabora para a retomada da confiança do investidor?
O cenário é muito complexo para se ter uma perspectiva otimista para este ano. Quanto à retomada de investimento, a Petrobras é uma pedra no sapato, pois paralisa investimentos muito fortes. Não dá para dizer que vamos ter uma perspectiva de curto prazo positiva. Não trabalhamos com essa hipótese. Mesmo porque, retomar níveis de atividade da indústria leva algum tempo. A saída para o crescimento do país está em investimentos em infraestrutura e na retomada da exportação. E ambas as coisas tomam um tempo para acontecer. Teremos que estender o horizonte e respirar fundo.
O senhor confia que esse processo que estamos vivendo colaborará para uma gestão mais transparente das contas públicas?
A expectativa é nessa direção. Temos sinais de recomposição da transparência que de alguma forma perdemos num passado mais recente. Isso é importante, pois alinha as expectativas e a confiança. Nesse contexto, uma má notícia até pode se converter em boa, porque dada na hora certa ajuda a construir confiança. Pense: o que é pior: o déficit público, que acabou aparecendo depois de dez anos em si, ou a maquiagem? Eu acho que é a maquiagem. Afinal, há muitos países com déficit público, cuja correção é difícil, dolorosa, mas é feita. Já a maquiagem fere a confiança.
Também é possível imaginar, como efeito da Operação Lava Jato, um cenário de medidas para melhorar a governança dentro das empresas privadas?
A evolução da Lei Anticorrupção como marco legal é muito importante nessa direção. Hoje as empresas que têm operação fora, por exemplo, nos Estados Unidos, têm preocupação sobre como ficam essas relações, e há um movimento entre as grandes corporações, uma mudança de atitude, por conta dos novos marcos legais que passaram a reger as relações ente governo e empresas. A questão da governança deverá aparecer naturalmente nesse processo, sobre o qual ainda temos muito a aprender.
No atual contexto, qual o ponto mais crítico que identifica hoje para a retomada da confiança do setor industrial?
O crítico é que hoje a situação exige uma mirada de curto prazo, mas não sabemos o que vem depois do ajuste fiscal, qual direção o país quer para a economia como um todo e, principalmente, para a indústria. É certo que a situação exige essa preocupação, mas não podemos ficar só olhando, esperando chegar o meio do ano, o fim do ano, para saber se o ajuste fiscal está acontecendo. Os investimentos das empresas dependem de um horizonte mais longo. E parece que elas vão passar pela crise sem saber qual direção tomar. A definição dessa visão, tanto quanto a transparência, fazem parte da construção da confiança. Esse consenso de sociedade é que precisa ser debatido, e já de muito tempo a gente não tem uma visão negociada. E falar de retomada de investimentos dessa forma é difícil.
E como avalia o cenário externo?
Acho que teremos algum movimento focado no comércio exterior, até por conta da moeda, que servirá de alavanca. Mas o mercado internacional continuará difícil. Desde a crise ele está mais competitivo e difícil. Por isso, é difícil dizer que teremos um resultado expressivo em 2016. Mas, graças à desvalorização da moeda, o Brasil está um pouco melhor para participar desse jogo.
De qualquer forma, mais uma vez, é preciso sinalizar. O governo tem que se mobilizar para fazer acordos internacionais. E mobilizar as empresas internacionais que estão aqui para fazer comércio exterior. As principais operações industriais do mundo estão instaladas no Brasil, e poderiam ajudar o país nessa fase se tivessem as sinalizações corretas. O governo precisa fazer a lição de casa com relação aos acordos, e lançar essa agenda de mobilização da capacidade instalada das empresas nacionais e multinacionais que estão aqui. Por que não? Temos alguma integração com o mercado latino-americano. Tampouco os Estados Unidos são algo tão distante da gente. Precisamos de direção. O mais difícil, que é atrair essas empresas para cá, já foi feito. O restante não é fácil, mas tampouco é impossível.