IEDI na Imprensa - Falta Visão Ampla ao Empresário, diz Presidente do IEDI
Falta Visão Ampla ao Empresário, diz Presidente do IEDI
Valor Econômico - 23/12/2014
Indústria: Retomada da confiança é essencial para que o setor produtivo possa ganhar competitividade.
Flavia Lima e Graziella Valenti
Nos últimos anos, o setor privado esteve muito apegado a demandas setoriais em detrimento de uma visão mais ampla do país, diz o empresário Pedro Passos, fundador da empresa de cosméticos Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), entidade que reúne 40 representantes de grandes empresas nacionais.
Diante dos desafios colocados para 2015, o momento é de "modular" iniciativas como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), voltado para bens de capital, ou mesmo desfazer programas ineficientes e com alto custo fiscal - esforço que deve ter prioridade sobre qualquer tentativa de elevar impostos. "A fonte secou", reconhece o industrial para quem nenhuma política setorial é mais importante neste momento do que o ajuste macroeconômico. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como o senhor avalia a nova equipe econômica?
Pedro Passos: A recomposição de nomes foi uma sinalização muito boa. Sabe-se pouco do que será feito, mas as primeiras declarações no sentido de se fazer um superávit fiscal de 1,2% em 2015 e de 2% em 2016 e 2017 já mostram claramente a disposição de mudar a política econômica, o que é importante.
Valor: A indústria perde com a maior economia do setor público?
Passos: É importante que o governo olhe alguns programas que estão colocados hoje para a indústria e que não foram eficientes, mas têm um alto custo fiscal. As desonerações sobre a folha de pagamento, por exemplo. De alguma forma, isso tomou dimensão muito maior, com um custo fiscal próximo de R$ 30 bilhões. Fizemos também uma extensão além do necessário, pois não estimulou o consumo, abrindo mão de IPI de automóveis, linha branca, material de construção. Mas muitos grupos industriais estão sentindo que esse caminho é insuficiente para nos levar a uma indústria mais forte e relevante.
Valor: E programas como o PSI?
Passos: Deveria ser modulado. Ele está com diferencial de taxa muito alto e isso tem um custo fiscal muito grande. Dá para aproximar um pouco mais. É claro que não pode desmanchá-lo de hoje para amanhã, mas diminuir o nível de incentivo. A diferença de 4,5% para 12%, que é o que custa o juro, é bastante.
Valor: Quem na indústria precisa de BNDES hoje?
Passos: Com a taxa de juro no Brasil, a rigor, todo mundo. É preciso uma transição cuidadosa porque não se pode reduzir subitamente o tamanho do banco. Mas obviamente esse custo fiscal não pode perdurar. A fonte secou. É preciso incentivar o mercado privado de longo prazo em parceria com o financiamento do banco.
Valor: Se não é pelo lado da isenção, o que o governo poderia fazer?
Passos: Acho que a primeira fase vai ser de reorientação da política macro. Se tem um fator que precisa ser retomado é a confiança porque o vetor que vai puxar uma parte do crescimento será a retomada dos investimentos. Isso pode nos abrir um caminho que não vai ser de curto prazo. 2015 vai ser um ano de ajuste de orçamento. Mas acho que ao fim de 2015 podemos ter um ambiente melhor.
Valor: Fala-se em aumentar a tributação de cosméticos...
Passos: Antes de buscar novos impostos, setoriais ou não, o governo deveria priorizar o arranjo do que foi feito e não deu certo.
Valor: Mas é possível o ajuste sem elevar a carga tributária?
Passos: Qualquer aumento de carga precisa ser bem avaliado. Porque senão o Brasil corre o risco de ter as mesmas soluções do passado. Fica mais caro, menos competitivo e remover isso depois é praticamente impossível. Com alguns ajustes, o que desonerou volta para trás. E se pode retomar um imposto regulatório como a Cide.
Valor: E a CPMF?
Passos: É um imposto ruim porque tira a competitividade. Em alguns setores que passam por muitas transações se chega com um ônus de CPMF grande. No passado, com alíquota de 0,38%, se chegava com um custo ao final da cadeia produtiva que era uma enormidade, de 5%, 6%.
Valor: O que falta para a integração internacional da indústria?
Passos: Acho que é entender por que ela não tem condições competitivas. Por que uma indústria automobilística não pode exportar mais? Lógico que temos problemas de custo Brasil, de eficiência. Talvez a gente pudesse importar mais para exportar mais. Talvez seja uma revisão tarifária inteligente ou diminuir um pouco essa exigência de conteúdo nacional. Essa inserção que é gradativa, precisa ser sinalizada. Aí faremos emergir os setores com potencial, ao contrário de ficar apostando nos perdedores, nos que precisam de proteção. Não há recursos para isso.
Valor: Para alguns, abertura comercial pode ser devastadora, não?
Passos: Evito fazer análise setorial porque cada setor tem lá as suas especificidades. Mas ao se pegar o agronegócio, como é que ele evoluiu? Ele também passou por choradeiras, mas teve um investimento de Estado importante em inovação, desenvolveu novas fronteiras, acabou com a regulação protetora e se expôs ao mercado internacional. Dá para fazer exatamente o mesmo com a indústria? Provavelmente com alguns setores, não. Mas o que vamos fazer? Ficar segurando esses setores ou expor outros que temos potencial?
Valor: Câmbio mais fraco ajuda?
Passos: Se a gente conseguir um patamar de câmbio sem que a inflação coma o resto da vantagem já é um princípio de retomada. Hoje é difícil dizer se o câmbio de R$ 2,60 é bom ou ruim. Mas vai demorar tempo para o Brasil restabelecer relações comerciais, não é do dia para a noite. Mas estamos mais maduros. Ninguém quer mais o real sobrevalorizado porque sabe que é preciso contar com a indústria para compor a taxa de crescimento do país, mas também não adianta exportar carroça que não vai vender. Não vamos ter indústria diversificada ao extremo, mas alguns pedaços funcionando bem e com capacidade competitiva.
Valor: E o setor privado se deu conta de todos esses desafios?
Passos: Nos últimos anos, o setor privado ficou muito apegado a demandas e agendas setoriais e pouco a uma visão integrada de país. O lado empresarial precisa amadurecer nesta direção. E o melhor jeito de fazer a turma acordar cedo é ter uma boa concorrência.
Valor: A alta dos juros não deve complicar a situação da indústria?
Passos: Estamos em um processo de retomada de confiança e nenhuma política setorial é mais importante do que o macro nessa altura. Não vou defender uma política industrial enquanto não houver a confiança de que o macro está sendo endereçado. E não estou falando só do problema fiscal, mas de uma visão mais ampla de país. Não é desejável, mas lamento dizer a nós empresários que 2015 talvez tenhamos que conviver com restrições sejam ela tributárias, de financiamento ou de juros mais altos.
Valor: A Petrobras preocupa?
Passos: No curto prazo pode representar mais volatilidade e dificuldade de crescimento. Mas também pode ser um bom momento se considerarmos que uma série de práticas pode ser mudada em algum tempo. O Brasil tem que ficar maduro. Enfrentar o que tem que enfrentar.