IEDI na Imprensa - É Preciso Avaliar Eficácia de Subsídios, Afirma Passos
É Preciso Avaliar Eficácia de Subsídios, Afirma Passos
Valor Econômico - 19/08/2014
Flavia Lima e Catherine Vieira
Acomodados, setores da indústria usaram da política do "mais do mesmo" para tentar estender o período de bonança propiciado pelo forte consumo e agora pagam a conta com resultados fracos. De tão repetida, a frase poderia passar batido se não fosse proferida por Pedro Passos, um dos fundadores e membro do conselho da empresa de cosméticos Natura e há quatro anos à frente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Passos, engenheiro formado pela Politécnica, afirma que é preciso fazer uma revisão criteriosa das desonerações dadas à indústria para avaliar sua eficácia e diz que, em sua avaliação, o subsídio a ser mantido pelo próximo governo seria aquele que fomenta a produtividade, como as linhas de financiamento à inovação. "Fora os fatores que induzem o aumento de produtividade, eu diria que não existe vaca sagrada", diz ele, ao frisar que quanto mais horizontal for a política, melhor para revelar as empresas com mais potencial. Passos se refere a regras como a que alterou a base de contribuição previdenciária, de um percentual de 20% sobre a folha de pagamento para alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento.
O executivo destoa ainda de boa parte do setor ao dizer que os problemas da indústria não se resumem ao câmbio. "O Brasil não é a China e não pode depender só dessa política". Os juros, porém, parecem ser motivo de maior inquietação. Para ele, não pode haver tamanha discrepância entre as taxas de mercado e as taxas do BNDES - no máximo, uma taxa de juro preferencial para determinado tipo de produto bem escolhido, com metas e prazos bem definidos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: A Natura se firmou na década de 80, a chamada década perdida. É possível algum tipo de comparação entre os períodos?
Pedro Passos: Em meados de 90, o Brasil consegue finalmente estabilizar a moeda e caminhar no sentido de algumas arrumações. Tirou o imposto inflacionário e o consumidor passou a ter acesso a novos bens. As empresas de alguma forma tiraram proveito, mas alguns setores sofreram, porque a estabilização da moeda passou por um momento de sobrevalorização do real e, com isso, a competitividade de muitas empresas não acompanhou. Mas também saiu um conjunto de empresas revigorado. A gente pôde ver, inclusive, no início da década seguinte, algumas empresas indo a mercado, com alguns setores se consolidando, com gestão mais profissional. Obviamente, nem todos os problemas foram encaminhados, pois continuamos com problema importante de diferença de renda na população. Mas o governo seguinte, o do Lula, foi importante para o crescimento da classe emergente, com muitas empresas tirando proveito desse crescimento, que era necessário. Foram duas conquistas que o Brasil teve, fazendo uma síntese do que aconteceu nesse período. Por outro lado, o que a gente vive hoje, há algum tempo, é um esgotamento desse modelo.
Valor: O governo errou quando, no pós-crise, continuou apostando no consumo em detrimento do investimento?
Passos: Não nos preparamos bem para um ciclo novo. Acho que reagimos até bem no início da crise global. Mas, dali para frente, prolongamos demais a mesma fórmula, esticando a corda com uma sucessão de erros. Obviamente que tem um erro de governo, porque a política econômica, em última instância, é ditada por ele. Mas acho que houve uma acomodação da sociedade como um todo e do setor empresarial também, no sentido de não perceber que mudanças eram necessárias. Enquanto estávamos com o mercado interno crescendo, o boom de commodities nos ajudando a financiar toda a parte externa e gerando aquela percepção de riqueza, houve uma acomodação.
Valor: O sr. está fazendo uma espécie de 'mea culpa' da indústria?
Passos: Eu acho que a própria indústria em alguns setores usou da política do mais do mesmo, buscando atenuar algumas dores com alguns anestésicos tópicos, buscando alguns subsídios, alguma proteção, para tentar estender aquele período. E tudo isso tem um preço. E hoje a saída fica mais difícil, com mais empresários se manifestando no sentido de que a situação ficou mais difícil e se questionando de onde vem o crescimento. A gente sabe que tem alguns limitadores estruturais, desde o financiamento a famílias, que já não pode crescer tanto, até a demografia. Diante de tudo isso, o crescimento da produtividade é a resposta ao crescimento. Mas para isso tem um conjunto de ajustes de natureza macro, como reforma tributária, elevação do nível de investimento, aumento de poupança e, além disso, a questão de preços relativos: o Brasil não será um país com uma perspectiva de crescimento com taxa real de juros das mais altas do planeta.
Valor: Por que não somos um país de juro baixo?
Passos: Nesse nível, a taxa de juro foi e continuará sendo um empecilho para o desenvolvimento do país. Com essa taxa de juros, não tem como sermos um país com alta taxa de investimento. O problema é que não se baixa juros simplesmente com uma decisão. Há algumas condições, e a fiscal é fundamental para poder ter perspectiva de queda de juro sustentável. Depois de 2010, continuamos com os mecanismos que prejudicaram a área fiscal, tentando baixar a taxa de juros ao mesmo tempo. Essas duas coisas seriam admissíveis se fossem para combater um efeito de uma crise externa, por exemplo. Então, acho que a gente tem uma agenda fiscal e de reformas que, se não tratadas, tornam difícil antever uma situação de confiança para a retomada dos investimentos. Passa necessariamente por uma reorientação que não é de curto prazo. Não tem bala de prata para resolver o problema. Há que ter paciência e mirar num horizonte de 10, 15 anos, para o país que queremos, o agronegócio, o setor de serviços e a indústria que queremos.
Valor: Essa reorientação fiscal não incluiria, na sua avaliação, uma revisão dos subsídios e desonerações dados à indústria?
Passos: Acho que o Brasil precisa fazer uma revisão e dar nitidez a um conjunto de iniciativas que incluem subsídios e desonerações para ver, em primeiro lugar, se elas estão atingindo os resultados a que se propuseram. Segundo, como o Iedi vem há muito tempo dizendo, quanto mais horizontal for a política e menos específica ou setorial, melhor é, para poder revelar quais são as empresas ou atividades que têm potencial de ir adiante. Então, a resposta é que precisamos fazer uma revisão muito criteriosa desses subsídios e das estruturas de proteção que existem hoje para a indústria. E, em paralelo com essa revisão macro, precisamos ter a determinação de fazer a economia brasileira se inserir mais na economia internacional e a indústria também. Só no nível orçamentário, contando isenções fiscais ou subsídios, incluindo zonas especiais, chega-se a R$ 247 bilhões. Provavelmente há aí um bom potencial de eliminar algumas coisas e torná-las mais horizontais, seja com redução de impostos, seja alocando esses recursos de forma a poder estimular melhor o desenvolvimento. Como país, temos como característica criar novos programas e subsídios e não revê-los, não ter monitoramento de metas e de impactos, se estão ou não atingindo seus objetivos. E essas coisas vão se eternizando e fica mais difícil manejar a economia.
Valor: O que deveria ser mantido em termos de subsídios?
Passos: A minha preocupação é com a produtividade do país, portanto eu diria que houve evolução importantes em algumas linhas de financiamento e fomento à inovação. Aqui, teria muito cuidado ao mexer, porque ainda não deu os resultados esperados, mas é preciso lembrar os casos de sucesso, como o agronegócio, em que houve boa desregulamentação e investimento em pesquisa e inovação, gerando aumentos de produtividade. Fora esses fatores que induzem o aumento de produtividade - e inovação é fundamental nesse aspecto - diria que não existe vaca sagrada, diria que teria que ser revisto tudo, inclusive a desoneração da folha de pagamento, porque, por princípio, ela é setorial. São cerca de 50 setores desonerados e os motivos não são claros. Não era preferível fazer uma coisa abrangente? Eu sei que isso custa recursos, mas pelo fato de ser setorial acho que já merece uma revisão.
Valor: O Brasil passa por uma desindustrialização?
Passos: Acho que essa é uma falsa discussão. Passamos por uma crise da indústria gravíssima que se estende já por muitos anos, com mais ênfase nos últimos cinco ou seis anos, com produtividade e competitividade cadentes, regressão em termos de tamanho da indústria em relação a antes da crise de 2008. E para mim, uma indústria que se afasta de um plano internacional. Esse é o principal indicador de que o doente precisa de tratamento. Não será uma indústria voltada para o mercado interno que vai dinamizar o crescimento econômico do país. E ela corre o risco, como está acontecendo hoje, de ir perdendo tamanho, não conseguindo competir inclusive no mercado interno com produto importado. Em paralelo à agenda macro, em que há quase um consenso do que precisa ser feito, acho que tem uma reorientação de política de desenvolvimento da indústria que passa por essa inserção internacional. E isso é um processo de longo prazo.
Valor: Isso passa pela escolha de campeões nacionais?
Passos: Ao contrário, passa por regras mais horizontais em que se revelem aqueles setores em que a gente tem condições e capacidade de competir. Algumas escolhas setoriais estratégicas são importantes do ponto de vista de país e todos os países do mundo fazem. Os Estados Unidos fazem isso com a política energética. As compras de governo na área de defesa americana são relevantes para o desenvolvimento de tecnologias, aqui não é um problema de paradigma. Acho que podem existir políticas setoriais, mas num sentido macro e não micro. Podemos apoiar o agronegócio, podemos apoiar uma indústria que é derivada de uma vantagem comparativa do agronegócio, podemos apoiar a formação de uma cadeia de petróleo e gás. O Brasil tem plenas condições para desenvolver uma indústria farmacêutica de ponta em que o fundamental não é o subsídio, mas o fomento à inovação e à pesquisa. Temos hoje uma indústria instalada que tem participação baixa no mercado internacional. Por que sendo um dos maiores produtores de automóveis do mundo, temos uma pauta de exportação tão baixa? Porque provavelmente as indústrias se instalaram aqui visando o mercado interno e sem nenhum estímulo ou compromisso para desenvolver o mercado internacional. Eu vou falar do meu setor, o de cosméticos. Somos o terceiro maior mercado mundial e o trigésimo exportador. E nem estamos falando aqui de infraestrutura complexa. Quais foram os indutores para que esse setor levasse marcas brasileiras para fora do Brasil? Vejo que o Brasil não pensa assim. E não é só o governo que não pensa assim. É ele e muito setor industrial. Precisa pensar assim. Do contrário, aparece uma tributação de subsidiárias brasileiras no exterior que é completamente na contramão da tributação que é feita em outras partes do mundo. Não vamos conseguir só exportar o produto brasileiro se não tiver abertura no sentido de importar mais. É preciso mudança de software de nós todos. Depois da estabilização, nunca vimos um período tão grave para a indústria, que não é a solução de todos os males, mas é componente importante para o desenvolvimento do país. A nossa corrente de comércio poderia ser 40%, 50% do PIB e não 25%.
Valor: Nesse processo de abertura, a indústria está preparada para perder setores não competitivos?
Passos: Não é um processo simples e passa por negociações.
Valor: Ainda não falamos do câmbio...
Passos: É um preço fundamental da economia. Desde a estabilização, tirando curtos períodos, a nossa moeda sempre esteve mais valorizada. Com isso, tivemos fragilização de todo o tecido industrial. Mas em outros negócios também. Agora, não dá para fazer política industrial baseada apenas em câmbio. O Brasil não é a China e não pode depender só dessa política e essa é uma visão ultrapassada. Precisamos fazer investimentos para aumentar a nossa produtividade, que passa pelo capital físico, humano, desregulamentação, enfim, todas essas coisas que facilitam o ambiente de negócios do país. Mas o fato de a indústria de transformação, que era superavitária, em poucos anos se tornar extremamente deficitária é sinal de que a coisa vai na direção errada. Mas não é só por um fator cambial. É também porque o mercado internacional está com oferta, buscando novos mercados, sendo mais agressivo comercialmente e o Brasil é um país de custo alto. Temos um problema de custo de mão de obra que sobe acima do crescimento da produtividade, mas mais do que isso: nós temos um problema gravíssimo que é um arcabouço de leis trabalhistas que criam contenciosos nas empresas, pouca flexibilidade para a produção que hoje tem mais componentes terceirizados e outros parceiros. E a lei brasileira ainda fica regulando tempo de almoço, coisas que não deveriam existir mais.
Valor: A regra atual do salário mínimo deveria ser revista?
Passos: Toda medida que faz o conjunto de salários subir acima da produtividade - embora não tenha sido só isso a pressionar os salários - ou toda regra que indexa preços na economia é preciso tomar muito cuidado. Acho que em algum momento isso precisaria ser revisto.
Valor: No fim do ano passado, o sr. dizia que 2014 seria similar a 2013, quando o PIB cresceu 2,3%. Essa afirmação ficou velha?
Passos: Eu espero mais ou menos o que os demais esperam: uma indústria caindo. Não tem projeção do Iedi, mas o cenário é pior. Caiu muito a taxa de investimento e a confiança para fazer investimentos também é baixa nesse momento.
Valor: A inflação é uma questão crucial nesse momento?
Passos: É um assunto super relevante. Temos preços represados que, de alguma forma, precisamos endereçar: se é de forma parcimoniosa ou se é com tarifaço? Eu prefiro fazer isso com juízo e de forma programada. Mas precisamos enfrentar o tema, porque com 6,5% de inflação estamos acima de todos os nossos países competidores. É preciso trazê-la para o centro da meta que é, no Brasil, razoavelmente, alta, de 4,5%. Não podemos perder o pé de uma conquista que é uma moeda forte e um poder aquisitivo estável da população.
Valor: O sr. apoia algum candidato?
Passos: Tenho a minha opção como pessoa física. Desde que abriu capital, a empresa [Natura] não faz nenhum apoio político, apesar de que é sabido de que meu sócio [o empresário Guilherme Leal] em 2010 foi candidato a vice. Mas aí é o cidadão e não o empresário. E no Iedi há diversas correntes.
Valor: A Natura foi emblemática na retomada do mercado de capitais, na década de 2000, e contou, provavelmente, com o BNDES e com o mercado. Gostaria que o senhor falasse um pouco do papel do BNDES nos últimos anos. Como deveria ser efetivamente o seu papel?
Passos: O BNDES teve papel muito relevante ao longo da sua história para o desenvolvimento do país e da indústria, em particular, da infraestrutura. Teve papel relevante na crise também. Todavia acho que o BNDES precisa ser mais hoje um instrumento que acelera e induz o financiamento privado de longo prazo no Brasil e tem que deixar de ser o único agente de financiamento de longo prazo. Praticamente é o único instrumento que temos.
Valor: Mas naquele momento da década de 2000 deixou de ser o único, não?
Passos: Ele deveria retomar o papel de indutor complementar de determinados financiamentos de longo prazo no Brasil e isso significa dizer que não pode haver tamanha discrepância entre as taxas de mercado e as taxas do próprio banco. Pode-se ter um subsídio ou uma taxa de juro preferencial para determinado tipo de produto bem escolhido, com metas e prazos bem definidos. Acho que isso pode ocorrer e é bom que tenha um instrumento que dê essa flexibilidade, porque muitas vezes uma nova indústria, empresa ou atividade não nascem se não houver os mecanismos que mitiguem o risco. Então, o BNDES tem papel importante. Agora, é muito diferente de eleição de ganhadores. Precisa dar muita transparência, estar ancorado em uma política clara.