IEDI na Imprensa - Gastos Correm Atrás de Receitas no Orçamento
Gastos Correm Atrás de Receitas no Orçamento
Valor Econômico - 29/12/2006
Editorial
Se os Orçamentos da União costumam ser uma ficção escrita em conjunto pelo governo e pelo Congresso, o de 2007 tende a ser uma farsa ainda maior. Depois que a Lei de Diretrizes Orçamentárias foi aprovada e o Orçamento enviado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a dar um aumento real de 5,6% para o salário mínimo, elevando-o a R$ 380. Ao longo do caminho surgiu também um pacote para "destravar" a economia - que ainda está travado - , cuja finalidade é ampliar subsídios, incentivos e gastos públicos. Nada do que for aprovado é para valer. O jogo será decidido, como é rotina, pelo contingenciamento de verbas.
Um ex-candidato à Presidência disse certa vez que apenas os jornalistas levam a sério o Orçamento - a margem de manobra dos governos para usá-lo de acordo com seus interesses é imensa. Ainda assim, ele dá uma idéia de se a tendência predominante é de afrouxamento dos gastos ou de algo que se aproxime da austeridade fiscal. No caso do Orçamento de 2007, é nítida a tentativa de buscar atabalhoadamente receitas para pagar gastos em alta. Isso fica evidente no parâmetro utilizado para a confecção da peça orçamentária, de crescimento de 4,75% do PIB, o que se assemelha a um delírio perto das estimativas privadas - faixas próximas a 3,5% - e mesmo de algumas oficiais, como a do próprio Banco Central, que é de 3,8%.
Dessa forma, tanto as receitas totais quanto a líquida (que exclui as transferências a Estados e municípios) crescerão 11,6%. Os parlamentares acrescentaram despesas de R$ 10,9 bilhões, o que elevou a previsão dos investimentos para R$ 27 bilhões, mais do que o dobro do que foi efetivamente gasto em 2006. Também para que o faz-de-conta feche, o governo reduziu sua previsão de superávit primário de 2,45% do PIB para 2,25% no próximo ano. O superávit total deve cair de 4,25% para 3,75% com a incorporação de despesas enquadradas no Projeto Piloto de Investimentos.
Os gastos correntes subirão impulsionados pelo impacto do salário mínimo na Previdência e pela indexação dos salários do funcionalismo ao IPCA. É provável que o impacto desse último item não esteja totalmente contemplado no Orçamento, que eleva as despesas correntes para 18,98% do PIB em 2007, ante 18,54% do PIB em 2006. No início do governo Lula, em 2003, elas somaram 16,43% do PIB, conforme cálculos feitos pela economista Márcia Rodrigues Moura, consultora da Câmara dos Deputados (Valor, 28 de dezembro). A promessa de congelar estes gastos em 17% do PIB já fora abandonada há muito e agora sequer a redução de 0,1% do PIB deve se materializar.
Se as receitas da União vão crescer, o governo federal vai poupar menos e gastar mais, a carga tributária deve aumentar. É preciso considerar o impacto positivo da redução dos juros sobre as despesas totais, mas a fase dos maiores cortes já passou. As expectativas do mercado estão entre 11,75% e 12%, com corte máximo de 1,5 ponto percentual até dezembro e uma Selic média acima dos 12%, logo não haverá um alívio muito expressivo. Por isso o peso dos impostos tenderá a crescer e por isso também o governo sepultou a idéia de fixar um cronograma para a redução da alíquota da CPMF nos próximos anos. Por isso também é provável também que o país, ao longo do segundo mandato de Lula, não veja um crescimento constante de 5%.
Em 2005, a carga tributária atingiu 37,4% do PIB, compatível com países de renda per capita dez vezes superior à brasileira, revelam cálculos do IEDI. Se for acrescido os 3,3% de déficit nominal, que incorpora os juros, chega-se a 40,7%. Desse montante, 19,9% do PIB pagam a conta previdenciária e de juros e 17,6% a de custeio e salários. É óbvio que se deveria buscar ganhos expressivos na Previdência, mas o salário mínimo já subiu em termos reais 26% no primeiro mandato de Lula e continuará subindo no segundo. A melhoria da fiscalização gera ganhos importantes, embora marginais, e deveria ser uma preocupação constante do governo, não um substituto para a reforma. A indexação da folha de salários do funcionalismo não melhora as contas de custeio. Feitas todas as contas, é provável que a União não tenha para investir tanto quanto deseja, que a carga tributária até cresça um pouco, quando precisava cair rapidamente, e que o crescimento do país não seja afinal destravado. Mais tempo perdido.