29 de agosto de 2016

Indústria
Uma avaliação do quadro industrial
por intensidade tecnológica


  

 
Desde o início de 2016, a indústria vem dando os primeiros passos na direção de uma trajetória de reativação de sua produção. É bom que se diga que este estágio é marcado mais por desacelerações do ritmo das quedas do que por um retorno a taxas positivas, mas, se tudo der certo, será representativo do início da recuperação industrial. Por isso, todo cuidado é pouco neste momento em que mesmo os setores que mostram sinais de reação estão extremamente fragilizados e muito sujeitos a revezes.

A Análise IEDI de hoje aborda o tema do desempenho industrial do primeiro semestre de 2016 segundo a intensidade tecnológica de seus setores, agrupados em quatro faixas: alta, média-alta, média-baixa e baixa, que seguem a classificação adotada pela OCDE. Vejamos, em primeiro lugar, a trajetória recente da indústria de transformação como um todo.

Se em 2014 teve início uma nova recessão industrial e 2015 foi o ano em que o mergulho da indústria se intensificou, o primeiro trimestre de 2016 trouxe uma estabilização das perdas para, no trimestre seguinte, ocorrer uma moderação substancial da queda da produção industrial, cujo índice registra quase metade do patamar da redução do final do ano passado. Os resultados da indústria de transformação do terceiro trimestre de 2015 até o segundo trimestre de 2016, ilustram bem essa trajetória: em ordem, -10,8%, -12,4%, -11,0% e, agora, -5,7%, sempre frente ao mesmo período do ano anterior.

Para que a volta ao crescimento da indústria pudesse acontecer mais rapidamente, implicando numa inconteste trajetória de recuperação, alguns elementos dinamizadores, hoje ausentes, deveriam entrar em cena, a exemplo da redução dos juros, da retomada dos investimentos em infraestrutura, da volta do crédito, da melhora do emprego, bem como do estancamento da apreciação cambial que testemunhamos nesses primeiros seis meses do ano.

O câmbio em um nível competitivo é essencial porque o setor externo tem sido uma importante fonte de dinamismo para a indústria. No primeiro semestre de 2016, o quantum das exportações de manufaturados teve elevado crescimento (10,6%), ao que se deve somar ainda um processo de substituição de importações.

Além da válvula de escape da crise via setor externo, a indústria pode estar sendo beneficiada por outro fator. A já prolongada recessão da economia vai tornando mais difícil que empresários e famílias adiem indefinidamente certos gastos de investimento e de consumo. A defesa da competitividade das empresas e a preservação do nível de consumo das famílias abrem oportunidade para o desengavetamento de alguns desses gastos, especialmente diante de uma melhora, ainda que insuficiente e muito recente, da confiança de empresários e consumidores. Vale mencionar ainda que a existência de estoques ajustados desde o início de 2016 é outro fator favorável para a indústria.

Os dados mostram com muita clareza que a moderação da crise industrial em 2016 tem sido alavancada por uma rápida redução do patamar de queda das indústrias de alta e média-alta intensidade tecnológica, que foram as que mais caíram em 2015, e pela quase estabilização da indústria de baixa intensidade tecnológica. A única faixa que ainda não deu sinais de reação foi a de média-baixa tecnologia. A seguir, a evolução de cada uma dessas faixas é acompanhada em maiores detalhes.

A indústria de alta tecnologia, que viu quedas em torno -20% ao longo de todos os trimestres de 2015, recuou para patamares substancialmente mais baixos nos dois primeiros trimestres de 2016 (-15,6% e -5,9%, frente ao mesmo período do ano anterior). Dois de seus setores conseguiram voltar a crescer neste ano: aeronáutica e aeroespacial, no segundo trimestre (+0,4%), algo que não ocorria desde o último trimestre de 2014, e farmacêutica, cuja produção teve não só crescimento, mas aceleração na primeira metade do corrente ano (+1,3% no primeiro trimestre e +2,5% no segundo).

Já os setores do complexo eletroeletrônico, que também compõem a faixa de alta intensidade tecnológica, continuam apresentando declínio, mas a taxas bem menores do que em trimestres passados. No caso de material de escritório e informática, que é um dos componentes deste complexo e que viu sua produção despencar -50% no terceiro trimestre de 2015, agora vivencia uma retração que, apesar de ainda muito dura, corresponde à metade desse percentual (-24,8% no 2º trim/2016). No caso de aparelhos de rádio, TV e comunicação, a moderação da queda é ainda muito recente, somente ocorrendo do primeiro para o segundo trimestre de 2016 (de -36,7% para -15,7%).

A indústria de média-alta tecnologia seguiu a mesma tendência em linhas gerais. Suas perdas foram caindo gradativamente no decorrer dos últimos trimestres (-21,5% no último trimestre de 2015 para -18,8% e -7,9% nos dois trimestres de 2016). Nenhum de seus setores chegaram a apresentar taxa positiva de crescimento, mas a indústria química (exceto farmacêuticos) ficou bem perto disso (-0,8% no trimestre findo em jun/16).

É nesta faixa que se concentram os setores líderes da crise industrial, mas que agora dão uma contribuição fundamental para um desempenho não tão ruim tanto para a indústria de média-alta tecnologia como para o setor industrial como um todo.

Exemplos muito ilustrativos disto vem dos setores de bens de capital e de veículos, que compõem este grupo. Tanto em máquinas e equipamentos elétricos quanto em máquinas e equipamentos mecânicos as perdas foram reduzidas bastante na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2016 (de -20,1% para -5,5%, no primeiro caso e de -23,6% para -7,3% no segundo). Já a moderação da queda da produção no caso de veículos teve início antes, na entrada deste ano. Desde o quarto trimestre de 2015 até o segundo de 2016 as taxas foram de -34,0%, -27,8% e -14,0%.

O fato de essas duas faixas de alta e média-alta intensidade tecnológica terem assumido trajetórias semelhantes é um bom indício, já que compreendem setores mais pró-cíclicos e com maiores efeitos de encadeamento para o conjunto do setor industrial. O aspecto ruim dos resultados é que taxas negativas ainda bastante elevadas persistem na maioria dos setores dessas mesmas faixas.

A faixa de baixa intensidade tecnológica tradicionalmente é menos pró-cíclica e na presente crise dá sinais de caminhar mais claramente para o retorno ao crescimento. Ao longo da atual recessão sua produção caiu acompanhando apenas de longe os grandes líderes da retração industrial (sua maior queda, de -6,2% ocorreu no terceiro trimestre de 2015). Atualmente, está virtualmente estabilizada com declínio de -0,8% no segundo trimestre de 2016.

A essencialidade dos bens produzidos por setores desta faixa (a exemplo de alimentos) e sua boa inserção no comércio internacional lhe conferem o comportamento cíclico já assinalado, de ter menor amplitude do que as demais faixas, funcionando como um colchão amortecedor para a indústria. Com um câmbio mais realista, pôde começar a reativar sua produção. Apesar disso, convém salientar que, por depender da massa de rendimentos e ter cadeias produtivas mais curtas, os setores dessa faixa não são candidatos típicos a liderar uma recuperação puxando a indústria como um todo.

Muito dessa evolução recente da faixa de baixa tecnologia se deve à produção de alimentos, bebidas e tabaco, que depois de dois anos de contração, acaba de voltar ao terreno positivo (+3,3% no segundo trimestre de 2016). Mesmo o setor de têxteis, couro e calçados, que ainda declina, parece estar numa situação um pouco menos complicada (-15,2% no 4º trim/15 e -5,4% no 2º trim/16). Em ambos os casos, o câmbio mais competitivo foi fundamental, ampliando exportações e possibilitando substituir importações.

O câmbio também beneficiou o setor de madeira, papel e celulose, outro componente da faixa de baixa intensidade tecnológica, que, como se sabe, goza de competitividade internacional. Suas perdas já baixaram expressivamente e parecem caminhar para a estabilidade (passaram de -11,3% no último trimestre de 2015 para apenas -1,9% no segundo de 2016).

Por fim, a indústria de média-baixa intensidade tecnológica permanece presa na crise que, em seu caso, se prolonga desde o final de 2013. Do último trimestre de 2015 ao segundo de 2016, suas retrações não saem do entorno de -10%. Neste caso, aspectos conjunturais, apenas, não explicam todo o problema.

Em produtos metálicos, por exemplo, que acusa perdas superiores a -10% há mais de quatro trimestres seguidos, sofre internamente com a crise recente da indústria automobilística e de construção civil, importantes demandantes de seus produtos, mas também está sujeita a uma forte concorrência internacional devido ao excesso de capacidade no mundo (sobretudo na siderurgia).

Derivados de petróleo, por sua vez, caíram quase -10% no segundo trimestre de 2016, enquanto minerais não metálicos continuam também caindo muito (-13,4% e -10,4% nos dois trimestres de 2016).

O único setor de média-baixa intensidade tecnológica que conseguiu arrefecer sua queda (de -15,7% no primeiro trimestre para -6,2% no segundo trimestre de 2016) foi o de borracha e produtos plásticos, cuja aderência ao clico econômico tende a ser mais importante que a dos demais da mesma faixa.
   

 

 

 

 

 

 

 

 

Leia outras edições de Análise IEDI no site do IEDI


Leia no site do IEDI: Indústria e Desenvolvimento - Reflexões e Propostas do IEDI para a Economia Brasileira - Para celebrar o aniversário de 25 anos de fundação do IEDI e sua trajetória, produzimos o presente livro que reúne 30 trabalhos representativos do Instituto a respeito dos mais diversos temas da indústria e da economia brasileira.