O ajuste externo da economia brasileira tem sido exemplar. O comércio
exterior acumula superávit de US$ 23,6 bilhões no
primeiro semestre de 2016. Isto se deve ao extraordinário
declínio do déficit da indústria de transformação.
Se é verdade que a queda das importações
continua a principal responsável por essa evolução,
as exportações já reagem em certos setores
industriais, contribuindo também para que alguns deles
voltem a ter saldo positivo.
A Carta IEDI
a ser divulgada hoje analisa justamente o comércio exterior
dos produtos manufaturados no primeiro semestre de 2016, cujo
déficit neste período (US$ 2,8 bilhões) foi
algo como somente 10% daquele visto no primeiro semestre de 2015
(US$ 23,5 bilhões).
Isso significou
uma contribuição da indústria de transformação
de US$ 20,7 bilhões para o crescimento de US$ 21,4 bilhões
do superávit total da balança comercial do país
(97%!) entre o primeiro semestre de 2015 e o de 2016. O restante,
US$ 0,7 bilhão, foi a contribuição de outros
produtos (principalmente commodities agrícolas e minerais).
Como em outras
oportunidades, recorremos à metodologia da OCDE para agrupar
os setores industriais segundo quatro faixas de intensidade tecnológica:
alta, média-alta, média-baixa e baixa. Em todas
as faixas, as importações continuaram em forte retração
na primeira metade de 2016, superior a -20% frente ao mesmo período
2015. As exportações, por sua vez, cresceram em
três das quatro faixas, situação radicalmente
distinta daquela da primeira metade do ano passado, quando apenas
as exportações de alta intensidade tecnológica
cresciam. Com isso, duas faixas foram superavitárias do
primeiro semestre do ano e os déficits das outras duas
caíram mais de 30% frente ao mesmo período de 2015.
Apresentamos
a seguir os aspectos mais marcantes da evolução
recente do comércio exterior de cada uma das faixas de
intensidade tecnológica.
Os setores
industriais de alta intensidade tecnológica, como lhes
é característico, apresentaram déficit no
acumulado de 2016 até junho (US$ 8,9 bilhões), mas
muito menor do que aquele em igual período de 2015 (US$
13,2 bilhões). Isso decorreu de uma queda de 23,0% das
importações e do crescimento de 6,0% das exportações,
ensejadas, principalmente, pelo excepcional aumento das vendas
externas do setor aeronáutico e espacial (+16,3%) e de
materiais de escritório e informática (+23,8%).
A mesma tendência
foi seguida pela faixa de média-alta intensidade tecnológica,
que continua apresentando saldo negativo, mas em um patamar muito
menor na primeira metade de 2016: US$ 14,4 bilhões contra
US$ 23,5 bilhões no mesmo período de 2015. Pesou
muito nesse resultado a obtenção de superávit
da indústria automobilística (US$ 349 milhões),
algo que não ocorria desde 2009, quando a crise global
atingiu o Brasil.
De fato, as
exportações da indústria automobilística
cresceram 3,7% frente ao primeiro semestre de 2015, sendo acompanhada
por outros setores que compõem a faixa de média-alta
intensidade, como máquinas e equipamentos (+5,3%) e material
de transporte (+75,8%). A queda das importações
foi forte em máquinas e equipamentos elétricos (-25,4%),
veículos (-35,0%) e material de transporte (-43,3%). As
importações totais da faixa média-alta caíram
23,4%.
Apesar da
expressiva redução dos déficits dessas duas
faixas, é pouco provável que possamos obter em breve
uma inversão do sinal de sua balança, já
que apenas em 1989 as indústrias de alta e média-alta
intensidade tecnológica, juntas, conseguiram obter resultado
superavitário. Ainda assim, devem continuar contribuindo
para a melhora do comércio exterior de manufaturados.
Já
a faixa de média-baixa intensidade tecnológica,
depois de seis anos seguidos acumulando déficits nos respectivos
primeiros semestres, obteve superávit em 2016 (US$ 1,9
bilhão). Neste caso, foi decisiva a redução
de 35,6% das importações, uma vez que suas exportações
também caíram (-9,7%). Esta foi a única faixa
a exportar menos em 2016 frente a 2015.
Devido a seu
peso, dois setores condicionaram tal comportamento da média-baixa
tecnologia: petróleo e seus derivados, ainda deficitários,
mas cujas importações caíram 41,0% no primeiro
semestre de 2016, e produtos metálicos que, a despeito
de se conservarem superavitários, tiveram queda de 10,1%
nas exportações, revertendo o crescimento de 6,4%
no primeiro semestre de 2015 frente a igual período do
ano anterior.
Por fim, a
faixa de baixa intensidade tecnológica – tradicional
fonte de saldos comerciais da indústria – continuou
gerando superávit (US$ 18,6 bilhões) no primeiro
semestre de 2016, mas apenas um pouco melhor do que aquele acumulado
no mesmo período de 2015 (US$ 15,9 bilhões). Seu
principal setor, alimentos, bebidas e fumo, conseguiu ampliar
suas vendas externas em 2,2%, depois de ter apresentado queda
nos primeiros semestres tanto de 2015 como de 2014. Já
a importação desses produtos caiu em 2016 (-15,2%)
mais do que em 2015 (-10,3%).
É o
setor de têxteis, couro e calçados quem chama mais
atenção na faixa de menor intensidade tecnológica,
pois conseguiu reverter o período de déficit de
2011 a 2015, retomando o perfil superavitário que caracterizou
o primeiro semestre de todos os anos entre 1989 e 2010. Na primeira
metade de 2016, o saldo foi positivo em US$ 24 milhões,
devido a uma contração de nada menos que 41,5% de
suas importações. Aqui, a substituição
de importações aparece com toda nitidez.
Pode-se creditar
à recessão econômica uma contribuição
importante para a melhoria da balança comercial de manufaturas,
ao reduzir as compras externas desses bens. Porém, é
inconteste que o patamar mais competitivo da taxa de câmbio
vem estimulando a substituição de importação
e favorecendo a ampliação das exportações.
A contar pelo
primeiro semestre do ano, é possível que voltemos
ainda este ano a ter crescimento das exportações
de bens industriais como um todo, dado que esta já é
a realidade para alguns setores. Diante de importações
em queda, caminhamos claramente para um resultado positivo do
saldo comercial da indústria. O principal risco de isso
não acontecer vem da taxa de câmbio, que em junho
já apresentava uma apreciação nominal de
20% frente a janeiro de 2016.