9 de outubro de 2015

Setor Externo
A vulnerabilidade externa brasileira:
curto, médio e longo prazos


 

 
A Carta IEDI que está sendo divulgada hoje avalia a situação externa da economia brasileira. Conclui que do ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria motivo para o rebaixamento da classificação de risco de crédito do Brasil. O estudo também coloca em evidência que o déficit comercial da indústria é fator destacado para a fragilidade externa a médio e longo prazos.

O mês de setembro foi marcado por vários eventos desestabilizadores, que agravaram ainda mais o clima de incerteza que se instaurou no Brasil desde o início do corrente ano e levou a taxa de câmbio a atingir níveis superiores a R$ 4,00. Dentre esses eventos, destaca-se o rebaixamento da nota do país de BBB- para BB+ (com perspectiva negativa) pela Standard & Poor's (S&P) no dia 9/09, o que significou a perda do grau de investimento obtido em 2008.

Em seu comunicado, a principal justificativa da S&P para a sua decisão foi a deterioração das contas públicas e a falta de comprometimento do governo com o ajuste fiscal, explicitada com o envio ao congresso de uma proposta de orçamento deficitário em 2016. As duas outras agências de rating ainda não seguiram a decisão da S&P: na Moody´s, o Brasil está no último degrau antes do grau especulativo e na Fitch dois degraus acima.

Com isso, o risco soberano brasileiro (bem como de várias empresas e bancos residentes) voltou à categoria de “grau especulativo”, o que deve resultar em aumento do custo das captações externas. Ademais, se mais uma agência retirar o “grau de investimento” do Brasil, vários investidores institucionais globais ficarão proibidos de aplicar em títulos emitidos por residentes.

Esta Carta IEDI analisa outra dimensão fundamental da condição macroeconômica de um país considerada na classificação de risco de crédito das agências de rating: a situação de vulnerabilidade externa.

No caso de economias emergentes, como a brasileira, com déficits em conta corrente recorrentes e dependência de fluxos de capitais estrangeiros, que seguem uma dinâmica de “boom e bust”, essa situação é sempre relevante. Contudo, ela ganha importância adicional devido ao contexto internacional vigente, caracterizado por três fatores inter-relacionados que afetam negativamente o Brasil.

O primeiro é a queda dos preços das commodities, que se acentuou no corrente ano devido à sua interação com o segundo fator, qual seja, a desaceleração da economia chinesa e as incertezas sobre eficácia das medidas anticíclicas em resposta ao estouro da bolha acionária. O terceiro fator refere-se à perspectiva de início de nova fase de alta da taxa de juros básica nos Estados Unidos a partir do seu piso histórico (0,25%).

Para dimensionar a situação atual de vulnerabilidade externa examinou-se a evolução do passivo externo líquido (PEL) e dos seus componentes a partir de dezembro de 2009. Em seguida, calculou-se um conjunto de indicadores que sintetizam essa vulnerabilidade no curto (liquidez externa) e médio e longo prazos (solvência externa), dentre os quais o indicador de liquidez externa utilizado pela S&P.

Esse conjunto é mais abrangente que o geralmente utilizado nas análises sobre o tema – de forma geral, indicadores relacionados à dívida externa, que fornecem uma visão incompleta da vulnerabilidade externa. Isso porque, a dívida externa de curto prazo é atualmente uma fração muito pequena do passivo externo de curto prazo (PECP) e a dívida externa líquida é negativa desde 2007 (devido à redução da dívida externa pública e ao acúmulo de reservas internacionais).

A situação de liquidez externa foi avaliada a partir de quatro indicadores, cujo denominador comum é a utilização no denominador das reservas internacionais (ou seja, os recursos em divisas que podem ser mobilizados no curto prazo frente a uma saída súbita de capitais externos), se diferenciando somente na composição do numerador, quais sejam:

  • Indicador 1: razão entre a dívida externa de curto prazo e as reservas;
     
  • Indicador 2: utilizado pela agência de classificação de risco de crédito Standard & Poors, considera no numerador as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE), que equivalem à soma do saldo em transações correntes, com o principal vencível da dívida externa de médio e longo prazo nos próximos 12 meses e o estoque da dívida de curto prazo;
     
  • Indicador 3: razão entre o Passivo externo de curto prazo (PECP) – equivalente à soma da dívida externa de curto prazo e do estoque de investimento de portfólio estrangeiro no país (IPE) - e as reservas;
     
  • Indicador 4: elaborado especialmente para esta Carta, consiste na soma das NBFE com o estoque de IPE; este indicador mede a pressão potencial sobre as reservas internacionais do País no curto prazo.

Na comparação com dez/10, os quatro indicadores atingiram um patamar mais baixo em jul/15. Eles podem ser divididos em dois grupos com patamares bem distintos. No primeiro grupo, estão os indicadores 1 e 2, que não superaram 0,22 em todo o período. Ou seja, as reservas foram mais que suficientes para fazer frente aos compromissos de curto prazo: dívida externa de curto prazo no ind.1 e NBFE no ind.2. Esse último, utilizado, como já observamos, pela agência S&P, retornou ao patamar de dez/09 em jul/15 (0,18).

O segundo grupo engloba os indicadores 3 e 4, que incluem no numerador o estoque de IPE no país. Ambos, que superavam 2 em dez/09, traçaram uma trajetória de queda praticamente ininterrupta, atingindo o patamar de 1,1 no final do período, ou seja, as reservas eram quase suficientes para fazer frente à demanda potencial de divisas.

Assim, do ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria motivo para o rebaixamento da classificação de risco de crédito do Brasil para grau especulativo.

Já para avaliar a situação de solvência externa de um país, um indicador fundamental é a razão entre o PEL e as exportações. Isto porque, no caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as exportações são a fonte de geração autônoma de divisas, necessárias para pagar a taxa de remuneração do PEL. O valor da razão indica o número de anos, dado um determinado fluxo anual de exportação, necessário para o pagamento do PEL. A condição para que esta razão não tenha uma trajetória explosiva é que essa taxa seja inferior ao ritmo de expansão das exportações. Caso contrário, a razão PEL/exportações segue uma trajetória de expansão ilimitada.

No caso do Brasil, cujo desempenho exportador nos últimos anos ancorou-se nas vendas externas de commodities, também é importante incluir na análise a capacidade de geração de divisas pela indústria de transformação (IT). Diante da deflação das cotações internacionais desses bens e das mudanças em curso na China – desaceleração e mudança no padrão de crescimento, com maior participação do consumo na composição da demanda agregada, que resultarão em menor demanda por esses produtos, sobretudo os minerais –, a trajetória futura das exportações brasileiras (e nossa capacidade de geração de divisas) será mais dependente do desempenho das vendas externas da IT. Assim, além do indicador tradicional PEL/exportações, três indicadores adicionais de solvência externa foram calculados:

  • Indicador 1: PEL/exportações;
     
  • Indicador 2: PEL/exportações da IT;
     
  • Indicador 3: Serviço do PEL/exportações: este é um indicador alternativo ao PEL/exportações para avaliar a sustentabilidade ou não de uma trajetória de acúmulo de passivos externos, que depende exatamente da relação entre as exportações e o serviço do PEL;
     
  • Indicador 4: Serviço do PEL/exportações da IT.
A evolução dos indicadores mostra que, ao contrário da situação de liquidez externa, a de solvência sofreu deterioração na comparação de dez/09 e jul/15, que foi mais intensa no caso dos indicadores que consideram as exportações de IT no denominador. Esse resultado era esperado diante do impacto negativo do longo período de apreciação cambial sobre a competitividade externa dessa indústria.

Como já destacado pelo IEDI, para garantir uma trajetória sustentável de expansão das vendas externas da IT – fundamental para evitar uma situação de insolvência externa –, ações de política econômica são necessárias. O movimento recente de depreciação da moeda doméstica é condição necessária, mas não suficiente para atingir esse objetivo.

O governo deve promover uma melhor coordenação junto à iniciativa privada para estimular investimentos e a reindustrialização do país, simultaneamente à intensificação das negociações comerciais para a (re)inserção da indústria brasileira nas cadeias globais de valor. Ademais, vale lembrar que as vantagens para o país das exportações de produtos da IT comparativamente às commodities (inclusive industriais): geram efeitos positivos e cumulativos sobre a produtividade da indústria, são menos sujeitas às oscilações de preços nos mercados internacionais e têm maior elasticidade-renda da demanda.

Leia aqui o texto completo desta Análise.