A Carta
IEDI que está sendo divulgada hoje avalia a situação
externa da economia brasileira. Conclui que do ponto de vista
da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria
motivo para o rebaixamento da classificação de risco
de crédito do Brasil. O estudo também coloca em
evidência que o déficit comercial da indústria
é fator destacado para a fragilidade externa a médio
e longo prazos.
O mês
de setembro foi marcado por vários eventos desestabilizadores,
que agravaram ainda mais o clima de incerteza que se instaurou
no Brasil desde o início do corrente ano e levou a taxa
de câmbio a atingir níveis superiores a R$ 4,00.
Dentre esses eventos, destaca-se o rebaixamento da nota do país
de BBB- para BB+ (com perspectiva negativa) pela Standard &
Poor's (S&P) no dia 9/09, o que significou a perda do grau
de investimento obtido em 2008.
Em seu comunicado,
a principal justificativa da S&P para a sua decisão
foi a deterioração das contas públicas e
a falta de comprometimento do governo com o ajuste fiscal, explicitada
com o envio ao congresso de uma proposta de orçamento deficitário
em 2016. As duas outras agências de rating ainda não
seguiram a decisão da S&P: na Moody´s, o Brasil
está no último degrau antes do grau especulativo
e na Fitch dois degraus acima.
Com isso,
o risco soberano brasileiro (bem como de várias empresas
e bancos residentes) voltou à categoria de “grau
especulativo”, o que deve resultar em aumento do custo das
captações externas. Ademais, se mais uma agência
retirar o “grau de investimento” do Brasil, vários
investidores institucionais globais ficarão proibidos de
aplicar em títulos emitidos por residentes.
Esta Carta
IEDI analisa outra dimensão fundamental da condição
macroeconômica de um país considerada na classificação
de risco de crédito das agências de rating: a situação
de vulnerabilidade externa.
No caso de
economias emergentes, como a brasileira, com déficits em
conta corrente recorrentes e dependência de fluxos de capitais
estrangeiros, que seguem uma dinâmica de “boom e bust”,
essa situação é sempre relevante. Contudo,
ela ganha importância adicional devido ao contexto internacional
vigente, caracterizado por três fatores inter-relacionados
que afetam negativamente o Brasil.
O primeiro
é a queda dos preços das commodities, que se acentuou
no corrente ano devido à sua interação com
o segundo fator, qual seja, a desaceleração da economia
chinesa e as incertezas sobre eficácia das medidas anticíclicas
em resposta ao estouro da bolha acionária. O terceiro fator
refere-se à perspectiva de início de nova fase de
alta da taxa de juros básica nos Estados Unidos a partir
do seu piso histórico (0,25%).
Para dimensionar
a situação atual de vulnerabilidade externa examinou-se
a evolução do passivo externo líquido (PEL)
e dos seus componentes a partir de dezembro de 2009. Em seguida,
calculou-se um conjunto de indicadores que sintetizam essa vulnerabilidade
no curto (liquidez externa) e médio e longo prazos (solvência
externa), dentre os quais o indicador de liquidez externa utilizado
pela S&P.
Esse conjunto
é mais abrangente que o geralmente utilizado nas análises
sobre o tema – de forma geral, indicadores relacionados
à dívida externa, que fornecem uma visão
incompleta da vulnerabilidade externa. Isso porque, a dívida
externa de curto prazo é atualmente uma fração
muito pequena do passivo externo de curto prazo (PECP) e a dívida
externa líquida é negativa desde 2007 (devido à
redução da dívida externa pública
e ao acúmulo de reservas internacionais).
A situação
de liquidez externa foi avaliada a partir de quatro indicadores,
cujo denominador comum é a utilização no
denominador das reservas internacionais (ou seja, os recursos
em divisas que podem ser mobilizados no curto prazo frente a uma
saída súbita de capitais externos), se diferenciando
somente na composição do numerador, quais sejam:
-
Indicador 1: razão entre a dívida externa de curto
prazo e as reservas;
-
Indicador
2: utilizado pela agência de classificação
de risco de crédito Standard & Poors, considera no
numerador as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE),
que equivalem à soma do saldo em transações
correntes, com o principal vencível da dívida
externa de médio e longo prazo nos próximos 12
meses e o estoque da dívida de curto prazo;
-
Indicador
3: razão entre o Passivo externo de curto prazo (PECP)
– equivalente à soma da dívida externa de
curto prazo e do estoque de investimento de portfólio
estrangeiro no país (IPE) - e as reservas;
-
Indicador
4: elaborado especialmente para esta Carta, consiste na soma
das NBFE com o estoque de IPE; este indicador mede a pressão
potencial sobre as reservas internacionais do País no
curto prazo.
Na comparação
com dez/10, os quatro indicadores atingiram um patamar mais baixo
em jul/15. Eles podem ser divididos em dois grupos com patamares
bem distintos. No primeiro grupo, estão os indicadores
1 e 2, que não superaram 0,22 em todo o período.
Ou seja, as reservas foram mais que suficientes para fazer frente
aos compromissos de curto prazo: dívida externa de curto
prazo no ind.1 e NBFE no ind.2. Esse último, utilizado,
como já observamos, pela agência S&P, retornou
ao patamar de dez/09 em jul/15 (0,18).
O segundo
grupo engloba os indicadores 3 e 4, que incluem no numerador o
estoque de IPE no país. Ambos, que superavam 2 em dez/09,
traçaram uma trajetória de queda praticamente ininterrupta,
atingindo o patamar de 1,1 no final do período, ou seja,
as reservas eram quase suficientes para fazer frente à
demanda potencial de divisas.
Assim, do
ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não
haveria motivo para o rebaixamento da classificação
de risco de crédito do Brasil para grau especulativo.
Já
para avaliar a situação de solvência externa
de um país, um indicador fundamental é a razão
entre o PEL e as exportações. Isto porque, no caso
dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as exportações
são a fonte de geração autônoma de
divisas, necessárias para pagar a taxa de remuneração
do PEL. O valor da razão indica o número de anos,
dado um determinado fluxo anual de exportação, necessário
para o pagamento do PEL. A condição para que esta
razão não tenha uma trajetória explosiva
é que essa taxa seja inferior ao ritmo de expansão
das exportações. Caso contrário, a razão
PEL/exportações segue uma trajetória de expansão
ilimitada.
No caso do
Brasil, cujo desempenho exportador nos últimos anos ancorou-se
nas vendas externas de commodities, também é importante
incluir na análise a capacidade de geração
de divisas pela indústria de transformação
(IT). Diante da deflação das cotações
internacionais desses bens e das mudanças em curso na China
– desaceleração e mudança no padrão
de crescimento, com maior participação do consumo
na composição da demanda agregada, que resultarão
em menor demanda por esses produtos, sobretudo os minerais –,
a trajetória futura das exportações brasileiras
(e nossa capacidade de geração de divisas) será
mais dependente do desempenho das vendas externas da IT. Assim,
além do indicador tradicional PEL/exportações,
três indicadores adicionais de solvência externa foram
calculados:
-
Indicador
1: PEL/exportações;
-
Indicador
2: PEL/exportações da IT;
-
Indicador 3: Serviço do PEL/exportações:
este é um indicador alternativo ao PEL/exportações
para avaliar a sustentabilidade ou não de uma trajetória
de acúmulo de passivos externos, que depende exatamente
da relação entre as exportações
e o serviço do PEL;
-
Indicador
4: Serviço do PEL/exportações da IT.
A evolução dos indicadores mostra que, ao contrário
da situação de liquidez externa, a de solvência
sofreu deterioração na comparação de
dez/09 e jul/15, que foi mais intensa no caso dos indicadores que
consideram as exportações de IT no denominador. Esse
resultado era esperado diante do impacto negativo do longo período
de apreciação cambial sobre a competitividade externa
dessa indústria.
Como já
destacado pelo IEDI, para garantir uma trajetória sustentável
de expansão das vendas externas da IT – fundamental
para evitar uma situação de insolvência externa
–, ações de política econômica
são necessárias. O movimento recente de depreciação
da moeda doméstica é condição necessária,
mas não suficiente para atingir esse objetivo.
O governo
deve promover uma melhor coordenação junto à
iniciativa privada para estimular investimentos e a reindustrialização
do país, simultaneamente à intensificação
das negociações comerciais para a (re)inserção
da indústria brasileira nas cadeias globais de valor. Ademais,
vale lembrar que as vantagens para o país das exportações
de produtos da IT comparativamente às commodities (inclusive
industriais): geram efeitos positivos e cumulativos sobre a produtividade
da indústria, são menos sujeitas às oscilações
de preços nos mercados internacionais e têm maior
elasticidade-renda da demanda.
Leia
aqui o texto completo desta Análise.
|