A tímida agenda anticíclica

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 10/07/2015

Em uma fase de retração do ciclo ou em um quadro de crise, os governos devem executar ações para minimizar os efeitos negativos sobre o emprego, as classes mais desfavorecidas e atividades mais sensíveis da economia. Todo governo procede desta maneira, com doses diferentes de intensidade e utilizando-se de instrumentos distintos. Em geral, não é possível ao setor público reverter uma mudança de fase do ciclo econômico ou determinar o término de uma crise. Porém, é perfeitamente possível que a ação pública não só tenha êxito em resguardar o emprego, como também construa avenidas que servirão à recuperação futura. Via de regra, os governos atuam nos dois sentidos, delimitando e restringindo impactos da fase negativa e abrindo canais para a reexpansão da economia.

No caso brasileiro, as restrições atuais para execução de políticas nessas direções são graves. Primeiro porque o governo as utilizou largamente, seja para combater o contágio da grande crise de 2008 seja porque reaplicou ou elevou sua dosagem para tentar conter a desaceleração da economia, que se apresentou já em 2011 e foi se agravando até o ano eleitoral de 2014. Com isso, esgotou os efeitos benéficos das medidas.

Estas reuniram redução de juros da política monetária e dos financiamentos dos bancos públicos, isenções tributárias sobre bens duráveis, financiamentos subsidiados de programas de investimentos financiados pelo BNDES e desonerações, como a desoneração da folha de salários.

Neste processo, o governo foi perdendo o espaço fiscal e de endividamento público que antes amparava tais ações. Isso significa dizer que, de qualquer forma, as políticas anticíclicas teriam que ser revistas após o período eleitoral.

Quando ajustes passaram a ser promovidos na entrada de 2015 pela política econômica no campo fiscal, nas tarifas públicas e na taxa de juros, a queda da demanda doméstica aprofundou-se e restringiu-se ainda mais o raio de manobra para as ações anticíclicas.

Somente agora, no início da segunda metade do ano, vai sendo formado um consenso de que o ajuste fiscal deve ser calibrado e a trajetória de alta da taxa básica de juros precisa ser estancada. Nada disso configuraria a volta de uma política monetária e fiscal ativa visando proteger o emprego de uma recessão que é muito grave. Trata-se mais propriamente de uma moderação de políticas radicais, na perspectiva de que a queda da atividade não prossiga na mesma velocidade e intensidade verificada do segundo trimestre do ano.

É nesse cenário que o governo viria adotar algumas políticas possíveis para o momento. Uma delas, anunciada nesta semana, procura evitar demissões ao permitir que a jornada de trabalho diminua 30%. Uma parcela da correspondente redução dos salários será suportada pelo setor público.

O Programa de Proteção ao Emprego tem efeito parcial em estancar o aumento do desemprego, já que abrange principalmente as corporações de maior porte, mas é pertinente e tem baixa repercussão fiscal, pois a permanência no emprego dos trabalhadores e o gasto menor com seguro-desemprego compensam o ônus que recai sobre o setor público.

Outra linha de ação veio com o Plano Nacional de Exportações para 2015/2018, que acena com facilitação do comércio e acordos para redução de barreiras não tarifárias dos produtos brasileiros. Apresenta dois outros pontos de destaque: amplia os recursos do Proex-Equalização e anuncia o retorno pleno (alíquota de 3% das exportações) do Reintegra, que devolve ao exportador os tributos indevidamente recolhidos ao longo das cadeias de produção. Se tivéssemos tido o cuidado de consolidar o Reintegra desde que foi criado, em 2011, o mecanismo seria hoje um trunfo para a indústria contar com a exportação como alternativa ao mercado interno.

Finalmente, o programa de concessões em infraestrutura, que foi recebido com certas reservas e dúvidas a respeito, por exemplo, do financiamento dos projetos que agora é mais caro e com menor participação do BNDES. Mas o plano é bom e, como não mira o curto prazo, mas, sim, o médio e longo horizonte, pode ser aperfeiçoado para formar um novo vetor para o crescimento futuro da economia.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp