Crescimento a ser testado

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 03/07/2015

A melhora da produção industrial que a pesquisa de maio do IBGE divulgada ontem mostrou — aumento de 0,6% com relação a abril — seria um sinal de que algo poderia estar mudando na trajetória da indústria em 2015 se vários fatores adversos não estivessem em curso. De fato, a confiança das famílias cai, o crédito não avança, a renda familiar disponível recua e com tudo isso o consumo varejista se retrai. Do lado do investimento, a inversão autônoma de parte de governos e empresas estatais está em queda livre, a exemplo do tombo no investimento previsto da Petrobras para os próximos quatro anos, em média de 37%. É da mesma ordem as taxas de involução previstas para este ano do investimento a cargo da União, além de Estados e Municípios. Com tanto sacrifício do investimento público, uma parte do investimento privado que a ele se acopla também declina em magnitude equivalente.

Do lado privado, como pensar em reativação do investimento se o grau de utilização da capacidade na indústria só faz diminuir e a desconfiança empresarial cresce a cada mês? Para uma fatia relevante da inversão privada, esta é decidida a partir de dois componentes: o quanto o empresário se move quando a sua ociosidade diminui; e o quanto o homem de negócios é influenciado por suas avaliações sobre o futuro. O primeiro dos fatores é conhecido como “acelerador do investimento”; o segundo corresponde ao motivo keynesiano das expectativas futuras atuante sobre as decisões empresariais correntes.

Segundo os últimos dados da FGV e da CNI, a utilização de capacidade encontra-se em nível muito baixo, algo como 78,2% no primeiro caso e 80,1% no segundo, e sua tendência é de queda. Por outro lado, a confiança empresarial está também em nível muito baixo, correspondendo ao índice de 81 (máximo de 200) segundo a FGV, que não se compara nem de longe à média histórica dos últimos cinco anos, equivalente ao índice de 119.

Se os fatores de confiança do consumidor, crédito e emprego e rendimento determinam o quadro adverso para bens de consumo, o péssimo momento do investimento público e privado determinam o mesmo quadro para bens de capital. A indústria poderia vir a ter no atual contexto, como já teve no passado, a alternativa de exportar parcela da produção que não encontra mercado internamente. Esta é uma possibilidade que a desvalorização cambial recente incentiva, mas que um afastamento muito grande do setor relativamente ao mercado externo — fruto do alto dinamismo do mercado doméstico na última década — torna mais difícil e mais lenta. Os últimos dados sobre a exportação de manufaturados parecem indicar alguma melhora, mas ainda incapaz de acenar com perspectivas de amparar a recuperação da indústria.

A que se deve o aumento da produção industrial em maio? O IBGE observa que dois setores aportaram as principais contribuições para o resultado, vale dizer, outros equipamentos de transporte e produtos derivados do petróleo e biocombustíveis, que são ramos produtivos relevantes na indústria, mas que não traduzem o comportamento do mercado interno consumidor ou a dinâmica da economia. O primeiro ramo, que tem como destaque a produção de aviões, tem correspondência com o mercado externo, e o segundo com as decisões de produzir da Petrobras.

Talvez o mais destacado avanço revelado pela pesquisa industrial tenha sido na produção do setor de bens semi e não duráveis. Aqui o aumento foi de 1,2%, que interrompeu uma série de sete meses negativos. A continuidade desse desempenho é duvidosa para os próximos meses do lado do mercado interno, dada a contração que vem sendo observada no mercado de trabalho, que simultaneamente resulta em menor nível de emprego e mais baixo rendimento médio das pessoas ocupadas, isto é, deprime a massa de rendimento real, a qual, como já se observou, é a base do consumo de bens de primeira necessidade.

Finalmente, a recuperação da produção em maio envolveu vários ramos onde a queda nos meses anteriores foi particularmente intensa, caso da indústria farmacêutica, vestuário, bebidas e calçados. Nesses casos, possivelmente um mero e fugaz ciclo de estoques tenha presidido a recuperação.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp