Recessão e competitividade

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 22/05/2015

Os últimos dados que o Iedi divulga sobre comércio exterior de produtos da indústria de transformação segundo a intensidade tecnológica, que segue uma metodologia da OCDE, são reveladores de como a recessão, que já se apresenta abertamente na economia brasileira, e a dificuldade da produção nacional de concorrer em pé de igualdade com outros países em exportações, afetaram intensamente o comércio desses bens no início de 2015. Entre janeiro e abril deste ano, as exportações caíram 9,4% com relação ao mesmo período de 2014, o terceiro ano consecutivo de queda, que acumula no período 2013-2015 (para os primeiros quadrimestres correspondentes aos anos) uma queda de 16,8%. Não é pouca coisa, pois, em valor, a menor colocação no exterior de produtos já soma US$ 7,4 bilhões em 2015, um montante que pode ultrapassar US$ 20 bilhões no ano se as tendências correntes não forem alteradas. É um valor que fará falta no fechamento das contas externas do país.

Um outro aspecto sugere que não há um fator específico que explique a derrocada da exportação industrial. O processo teve dimensão geral, envolvendo 14 dos 19 ramos utilizados no levantamento e três (indústria de média-alta, média-baixa e baixa tecnologia) dos quatro macrossegmentos segundo a intensidade tecnológica. Somente em alta tecnologia houve evolução positiva, embora muito modesta, graças à indústria aeronáutica.

Líder nesse contexto, a indústria de média-alta tecnologia assiste a uma queda de 15,1%. Isso não é por acaso. Esse segmento reúne os setores econômicos mais dinâmicos, desde bens de capital, passando pelo mais destacado setor representante de bens duráveis, o setor automotivo, até um setor de alta performance de bens intermediários, que é a indústria química. Dada a grande concentração dos mercados para venda de produtos industriais brasileiros na América do Sul, a crise que se apresentou na região, em especial na Argentina e na Venezuela, tem alta responsabilidade no resultado. Neste caso, a redução acumulada entre os anos de 2013 e 2015 alcança nada mais nada menos do que 27,4%.

A despeito do adverso quadro exportador, o comércio exterior da indústria, que só se deteriorava nos dez anos anteriores, pela primeira vez no período teve melhora. O déficit de produtos industriais passa de US$ 24,4 bilhões no primeiro quadrimestre do ano passado, para US$ 19 bilhões entre os meses de janeiro e abril, projetando um valor de US$ 60 bilhões para o ano de 2015 como um todo.

Se o saldo global melhorou, foi porque as reduções das importações assim permitiram. Usualmente, em uma economia que entra em uma fase adversa, as importações são afetadas. O fato novo que se apresenta na economia brasileira no corrente ano tem relação com isso, mas vai muito além. O que chama atenção na atualidade é a magnitude da queda das importações, só vista em outras épocas em situações de ruptura ou crise aguda, o que sugere que agora também o quadro econômico brasileiro apresenta-se como uma grave e profunda reversão econômica.

De fato, o índice de -14,3% de 2015 só encontra paralelo no ano em que se fizeram presentes os efeitos da crise econômica global, ou seja, 2009, na crise política de 2002 e na crise do balanço de pagamentos de 1999. Mais ainda do que do lado das exportações, a redução das compras do exterior mostra-se generalizada. Todos os segmentos por intensidade tecnológica voltaram atrás, o mesmo desempenho de 17 setores. O que de estrutural ou conjuntural carregam os acontecimentos deste ano é uma discussão muito importante, porque dela irão derivar as tendências da economia. Em nossa opinião, a baixa potência de nosso processo exportador industrial tem mais determinantes estruturais do que conjunturais, sendo, por isso, de difícil solução a curto prazo, ainda que o câmbio mais favorável possa beneficiar as decisões de produzir visando o mercado externo.

Quanto às importações, se dá o contrário. Não está à vista uma melhora da competitividade, de forma que o revés importador tem relação próxima com a forte recessão em curso na economia.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp