A nova etapa da crise

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 20/03/2015

Um aspecto mais estrutural e outro mais conjuntural são temas deste artigo, que pretende reunir análises sobre o estágio atual da crise industrial brasileira. Os dados completos para 2014, segundo a intensidade tecnológica, são reveladores de algumas características marcantes da indústria brasileira. Revelam o grau de generalidade do presente quadro industrial para a maioria dos segmentos, que mostraram declínio acentuado ou uma suave evolução em apenas um caso. Mostram também que a causa maior da crise industrial, sendo ainda o segmento de maior oscilação e o que dita a intensidade do ciclo do setor, é o de média-alta tecnologia. Nele estão reunidos ramos que muito dependem do crédito e de avaliações sobre o desempenho futuro da economia, tais como os setores de bens de capital mecânico e elétrico e veículos automotores. Para se ter ideia da preponderância da média-alta tecnologia, enquanto que para o conjunto da indústria de transformação a queda da produção em 2014 alcançou 4,3%, neste caso o tombo foi de quase 10%.

Em média-baixa tecnologia e baixa tecnologia as taxas negativas foram bem menores, em torno de 2,5%. São esses os segmentos que têm capacidade de amortecer as variações muito acentuadas na indústria. No primeiro caso, estão presentes ramos de produção de bens intermediários de ampla utilização, como borracha e plásticos, produtos de petróleo refinado, minerais não-metálicos e produtos metálicos. Neste exemplo, a contribuição para moderar o ciclo somente não foi maior porque em produtos metálicos, onde se destaca a siderurgia, a forte concorrência internacional, além de fatores adversos internos (como o declínio do investimento na economia e a retração da indústria de construção), causaram um recuo de 8%.

Em baixa tecnologia a produção de alimentos e bebidas foi destacada como indutora de queda, mas o segmento de pior resultado continuou sendo o tradicional setor de têxteis, vestuário e calçados, o qual já vem mostrando sinais de melhora em sua competitividade, mas ainda sofre as consequências de uma intensa concorrência do produto importado. Quanto à indústria de alimentos e bebidas, seu desempenho negativo, que não era regra nos anos anteriores, deve-se a um mercado interno mais fraco e a uma demanda externa menos pujante do que já foi no passado.

A alta tecnologia constituiu a exceção no desempenho industrial. Teve pequena variação positiva na produção no ano passado, 0,2%, graças, especialmente, aos ramos da farmacêutica, material de escritório e informática e indústria aeronáutica. É um segmento que, de alguma forma, está mais conectado ao setor externo, em particular no caso de aviões, o que traz à tona considerações relevantes. A crise industrial brasileira parcialmente tem origem na desconexão da economia brasileira com a economia internacional, um fator que no atual contexto adverso poderia colaborar para que a queda da demanda interna pudesse ser em parte contrabalançada pela exportação. Uma outra consideração é que vale a pena investir recursos e mesmo subsidiar processos de inovação e de constituição de empresas nesses segmentos.

Na conjuntura, a Sondagem Industrial da CNI mostra um agravamento com poucos precedentes na produção e a intensificação do recuo do emprego, sobretudo nas empresas de pequeno e médio porte, que são as maiores responsáveis pelo emprego industrial. Também revela uma igualmente grave retração na intenção de investir dos empresários, que é um indício de queda futura das inversões no país.

Por outro lado, assinala um verdadeiro colapso das expectativas empresariais em março, o que, por seu turno, é indicativo de continuidade da combinação baixa produção – baixo emprego. Não só na indústria de transformação o desânimo empresarial se apresenta. Na construção e, embora em menor escala, também na extrativa, o mesmo ocorre. Outra indicação de que o quadro ruim para esses primeiros meses do ano deve prevalecer proximamente é que vêm aumentando com rapidez os estoques industriais para além do que foi planejado pelas empresas, um sinal de que a produção à frente tende a ceder para viabilizar a desova dos estoques indesejáveis.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp