Raios de manobra

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 13/03/2015

É natural que o governo, tendo estabelecido como espinha dorsal de sua atuação o ajuste da economia, veja em tudo um meio de obtê-lo. Mas, nesse processo, pode ser que esteja perdendo raios de atuação em certos campos, os quais poderão se revelar muito custosos, inclusive ao próprio ajuste. Por isso, seria importante que o governo avaliasse se cabe restaurar alguns desses raios de manobra, o que, por si, não comprometeriam o programa macro. O primeiro deles seria para aproveitar o mais rápido caminho para que a economia mostre um sinal de impulso. Trata-se da exportação. A nosso ver, o governo comete um erro ao praticamente retirar de cena instrumentos como o Reintegra, um mecanismo através do qual os exportadores são compensados dos impostos que lhe são cobrados e não admitem compensação. O Reintegra, que parecia estar consolidado, e, portanto, prestes a fazer parte das negociações de preços dos contratos de exportação de manufaturados, perdeu essa condição com a recente medida que o reduziu de 3% para 1% das vendas.

Não é a redução em si da alíquota, mas o simples fato de ter ocorrido uma inesperada mudança, o fator que suscita a incerteza de que o programa possa a qualquer momento ser mudado, ou mesmo cancelado, paralisando o exportador. Fala-se também que há intenções de que o programa de equalização de taxas de juros nas exportações de bens e serviços seja revisto. As mensagens que o governo passa nesse campo são, assim, desanimadoras para o exportador, que por isso reluta em buscar novos mercados.

A aposta está integralmente apoiada no câmbio, mas aqui há que se ter em conta que parcela relevante da desvalorização do real é contrapartida da valorização da moeda americana, a qual ocorre de forma generalizada no mundo, e que os eventuais ganhos reais da nossa desvalorização podem estar sendo rapidamente consumidos pelo “choque” de custos que estamos vivenciando no ajuste de tarifas de energia e em outros preços. Em sendo possível que o governo volte atrás no Reintegra e cessem as versões de que endurecerá ainda mais com o exportador, poderá ser possível uma reconstrução mais rápida do estímulo à exportação, em particular do agente com maior e mais imediata capacidade de resposta, qual seja, a empresa internacional aqui instalada.

Na política cambial o encaminhamento poderia vir da menor volatilidade no câmbio. O Banco Central sinalizou que redimensionaria o programa de swaps cambiais, o que, se não constituiu fator primário da desvalorização em curso da moeda — que no último ano chega próxima a 35% — é, pelo menos, causa para a sua mais intensa volatilidade.

O benefício de um maior raio de manobra nesse caso é para um grande número de empresas que financiaram seus planos no último ciclo de investimentos do país com recursos externos, dada a lacuna que ainda existe no crédito de longo prazo em bases voluntárias e a impossibilidade já conhecida por nossos investidores de satisfazer suas demandas exclusivamente por meio do BNDES. As empresas sem proteção cambial ou proteção apenas parcial podem sofrer prejuízos financeiros muito grandes, causando perdas nos bancos que as financiaram, o que pode elevar a incerteza e o pessimismo na economia.

Por fim, um tema correlato à problemática acima. Para simbolizar uma indubitável mudança de rota, a nova equipe econômica decidiu interromper imediatamente os repasses de recursos ao BNDES para congelar a dívida pública bruta. No entanto, tendo em vista simplesmente honrar compromissos com projetos já aprovados e em fase de aprovação, o BNDES necessitaria de uma última liberação de R$ 40 a R$ 50 bilhões. O governo vem sinalizando que quer mudanças no financiamento das empresas brasileiras, conjugando maior parcela de recursos obtidos junto ao mercado de capitais com menor utilização do BNDES.

Esta é a direção correta, mas que não se obtém no curtíssimo prazo. No quadro atual de margens cadentes, as empresas se ressentirão das disponibilidades do banco de desenvolvimento, o que deprimirá novas inversões e agravará a recessão da economia. O raio de manobra aqui é para que o padrão de financiamento transite de um modelo a outro, mas sem gerar impactos negativos sobre uma economia já tão fragilizada.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp