Não voltar atrás

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Brasil Econômico – 20/02/2015

Já vivemos momentos em que o ajustamento das contas públicas e da inflação eram considerados suficientes para promover o desenvolvimento econômico do país. Isso levou a desajustes na economia que a fragilizaram e a deixaram próxima da estagnação. As políticas de desenvolvimento são necessárias e não devem ser abandonadas no atual contexto em que o governo opta por um forte ajuste fiscal e pratica o corte de subsídios. Que há necessidade de revisão dos subsídios na economia e de reavaliação de programas setoriais, não resta dúvida. Os exemplos envolvem a desoneração para bens duráveis, sobretudo automóveis, cujo efeito se esgotou, e os subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O governo cancelou o primeiro e reduziu o segundo, neste último caso conjugando o aumento das taxas de juros do PSI com outras duas medidas que nos pareceram exageradas em um momento de extrema fragilidade do investimento.

Ao lado da correção do PSI, foi majorada a TJLP (a taxa de referência do crédito de longo prazo), o que poderia ser adiado com o objetivo de frear o grande retrocesso que se assiste nas decisões de investir. Também foram interrompidos os repasses do Tesouro ao BNDES, mesmo aqueles que se fazem necessários para o banco cumprir no corrente ano os seus compromissos de desembolsos. Isto pode vir a gerar problemas de liberação de fundos para novos projetos, o que também agravará o declínio da inversão.

Ao lado disso, certas iniciativas parecem estar tomando corpo. Elas não têm a ver propriamente com cortes de subvenções e a correção de excessos anteriores, mas atingem temas que não deveriam sofrer descontinuidade por serem centrais para a perspectiva de uma recuperação mais rápida da economia e para o seu crescimento de longo prazo.

Por exemplo, fala-se em cancelar ou reduzir o Reintegra e o Proex–equalização. Como convém observar, os dois programas constituem ou uma devolução de impostos que indevidamente incidem sobre as vendas externas, no primeiro caso, ou, no segundo, uma compensação das taxas cobradas de nossos exportadores relativamente às de outros países, onde os respectivos sistemas de crédito são mais desenvolvidos e cobram taxas muito menores do que as nossas.

No Reintegra, a devolução de até 3% do valor exportado tem sido de muita importância para restaurar uma mínima isonomia tributária que o nosso exportador de produtos industrializados até então não desfrutava. Não é algo cuja necessidade e oportunidade diminua ou aumente com a maior ou menor desvalorização de nossa moeda. Em outras palavras, o mecanismo não tem a ver com as oscilações conjunturais na taxa de câmbio, mas, sim, com distorções de nosso sistema tributário.

A despeito do momento ainda adverso do comércio mundial, uma importante fonte para abreviar a recessão da economia poderá ser a exportação, desde que seja mantida a recente desvalorização cambial e se não houver recuo nos dois instrumentos em tela. A exportação de commodities reflete muito o contexto externo, o qual não lhe é de todo favorável na atualidade. Por seu turno, as vendas de manufaturados reagem mais de perto ao câmbio, e também aos impostos incidentes sobre as exportações e a disponibilidade e condições do crédito para o financiamento dos compradores. Se voltarmos atrás nesses itens, a exportação de bens de maior valor agregado completará em 2015 o quarto ano de franco declínio.

Também se fala em deslocar o crédito concedido pelo BNDES à indústria, serviços e agronegócio para a infraestrutura. Temos urgência em ampliar a infraestrutura, sem dúvida, mas se a isso corresponder uma redução de fundos que atualmente financiam a exportação e a modernização dos demais setores da economia, estaremos simplesmente dando um passo à frente acompanhado de um passo atrás. A saída para acomodar as diversas demandas do financiamento do desenvolvimento brasileiro não está aí e sim no fomento ao mercado de capitais e na criação de condições para ampliar o crédito de longo prazo dos bancos. Isto leva tempo, uma razão a mais para assegurar um mínimo de recursos ao banco de fomento.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp