O avanço do crédito

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Brasil Econômico – 31/10/2014

O aumento da taxa básica de juros decidida na última quarta-feira pelo Banco Central vem em um momento em que começavam a aparecer sinais que, embora ainda muito tênues e passíveis de não serem confirmados, são indicativos de melhora no nível de atividade econômica. Foram dois meses de aumento da produção industrial e voltou o crescimento nas vendas reais do varejo. Ainda não se fazem presentes sintomas de que o principal determinante da estagnação da economia neste ano, qual seja, o declínio bastante acentuado do investimento, tenha alguma recuperação. Mas, pela primeira vez em muitos meses, o índice de confiança do empresário industrial, calculado pela FGV, acusou melhora de 1,8% em outubro. É a remoção do pessimismo empresarial que se instalou e rapidamente foi disseminado pela economia em 2014 o grande desafio que o governo terá pela frente, para que o investimento retorne e a economia possa crescer mais. Nesse ponto, a volta do aumento de juros é um balde de água fria

De fato, se tivermos em conta que o aumento de 0,25% na taxa Selic — que subiu de 11% para 11,25% ao ano — é indicativo de que outras elevações terão lugar proximamente, é possível que os sinais de melhora sejam removidos e o que é por enquanto um leve sintoma de alguma reativação econômica vá por água abaixo. A medida do BC foi justificada como necessária para fazer frente à desvalorização do real ocorrida nas últimas semanas e cujos efeitos podem chegar à inflação.

Em outro campo a medida pode abortar um movimento de mudança. Estamos falando do crédito, cujo desempenho em setembro foi retratado em um levantamento publicado ontem pela autoridade monetária. O registro é de crescimento expressivo das novas concessões de financiamentos pelo sistema financeiro. O aumento chegou a 9,4% com relação a setembro do ano passado, uma taxa que não se via no sistema creditício brasileiro desde o início do ano. Para as empresas foi mais modesto, 4,9%, mas significou a interrupção de sucessivas taxas negativas nos cinco meses anteriores. No crédito a pessoas físicas foi onde a evolução se deu de forma muito mais intensa, 14,0%, uma taxa que desde o início do ano não teve paralelo.

Como se sabe, uma parcela nada desprezível da retração do PIB brasileiro do primeiro semestre de 2014 deveu-se à parcimônia com que os bancos regularam seus créditos, em especial para as pessoas físicas. Era a contrapartida do receio de que a perspectiva de um ano difícil por conta das eleições e possível agravamento da situação do emprego e da renda da população viessem a afetar a capacidade de pagamento de dívidas por parte das famílias, aumentando a inadimplência. Os bancos públicos procuraram contrabalançar tais tendências, preponderantes, sobretudo, entre os bancos privados, mas sem o poder de neutralizar integralmente o movimento geral de queda. A relevância dos últimos dados a respeito do crédito no país é que eles mostram que o quadro adverso pode estar começando a mudar.

Um fator destacado para o revigoramento dos financiamentos na economia em setembro foram as maiores facilidades concedidas pelo governo no crédito consignado, o que contribuiu para o crédito pessoal. Este teve crescimento de 3,1%, mas, como convém sublinhar, neste resultado foi também importante o aumento das demais modalidades de crédito pessoal, que não o crédito consignado. Como cabe ainda observar, a melhora do crédito pessoal em setembro interrompeu praticamente seis meses de evolução negativa de novas concessões de financiamento. Outro indicativo de que a volta do dinamismo no crédito familiar não ficou restrito a uma determinada modalidade foi a forte retomada dos novos financiamentos para veículos, variação positiva de 10,9%, também dando por encerrado um período de praticamente seis meses de reduções sucessivas.

Completando o quadro de melhora, as taxas de juros caíram para empresas e pessoas físicas, os prazos dos financiamentos aumentaram e a inadimplência diminuiu, em especial no caso das famílias. As mudanças foram de pequena ordem, mas seu caráter geral confere solidez maior aos últimos resultados favoráveis do crédito. 


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda