A retração em comércio e serviços

Julio Gomes de Almeida – Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Brasil Econômico – 19/09/2014

A economia brasileira nos últimos anos acusou significativos desequilíbrios setoriais no que diz respeito aos ritmos com que evoluíram demanda e oferta. O caso mais dramático foi o da indústria, em que anos de valorização do real e ausência de política industrial e tecnológica retiraram competitividade do setor em tal magnitude que praticamente todo o crescimento do mercado interno de bens industriais passou a ser atendido por importações sem que tivéssemos a compensação, pelos mesmos motivos, do lado das exportações.

Nada disso teria acontecido, ou a intensidade do processo teria sido muito menor, se a economia mundial não tivesse sido abatida pela grande crise de 2008. Disto resultaram efeitos muito menores dos incentivos ao consumo concedidos pelo governo a determinados segmentos industriais do que os obtidos no passado, já que uma parcela expressiva do estímulo passou a ser absorvida por importações. Sair dessa armadilha envolveria uma política muito difícil de resgate da competitividade industrial através do câmbio e de incentivos ao investimento para elevação da produtividade no setor e da produtividade sistêmica, nada disso muito compatível no momento em que a inflação se acelerava e a confiança do empresário industrial desabava.

Foi nesse contexto que a economia “derrapou” entre 2011 e 2013, mantendo-se, porém, em positiva faixa de crescimento, algo que evoluiria em 2014 para uma estagnação ou leve recessão. Naturalmente, não foi o setor industrial que evitou um desempenho de todo negativo do PIB. Veio do consumo um dinamismo capaz de ser absorvido pela economia doméstica, em parte correspondendo aos programas de renda do governo, mas também devido ao maior rendimento da população proporcionado pela evolução do emprego.

Segundo a última Pnad, a taxa de desemprego foi declinante desde 2005 (9,3%) até 2012 (6,1%), com leve aumento em 2013 (6,5%). Do lado do rendimento médio real do trabalho, a mesma pesquisa registrou acréscimo de quase 40% no mesmo período, um processo que se intensificaria após 2008. O boom de consumo levaria a uma forte expansão em setores altamente empregadores como serviços e atividade de comércio, o que realimentaria o crescimento do consumo. Dado o tempo necessário para treinamento e qualificação de mão de obra demandada pelos serviços, a inflação foi maior.

É possível que o processo de crescimento conjunto de consumo, serviços, emprego e renda do trabalho esteja presentemente mostrando sinais de fatiga, o que, junto com uma queda muito forte do investimento, explica a estagnação do PIB que se apresenta neste ano. Dois sinais dão suporte a essa interpretação. Um deles vem da pesquisa de comércio varejista do IBGE. Com três meses seguidos de resultados ruins (0% em maio, -0,7% em junho e -1,1% em julho, com relação ao mês anterior), não há como evitar a conclusão de que o setor pode estar entrando em uma trajetória negativa. Em alguma medida isso pode ser decorrência das consequências negativas da Copa (menor número de dias úteis e efeitos de mudanças de calendário, como o calendário escolar), mas certamente não só isso. O fato é que as vendas do varejo cresceram nos sete primeiros meses do ano apenas 3,5%, com tendência de baixa (4,3% no ano como um todo de 2013). As projeções para o fim deste ano indicam variação positiva perto de 3%, um nível de expansão que certamente não comportará um avanço expressivo da ocupação no setor.

Em serviços, outro levantamento do IBGE acusa uma gradativa desaceleração das receitas nominais. Com relação a um ano antes, a variação já está negativa em termos reais. Os acréscimos nominais em maio, junho e julho deste ano foram de 6,6%, 5,8% e 4,6%, com grande desaceleração em serviços prestados às famílias, serviços de informação e comunicação e em transporte e serviços auxiliares. A retração das receitas do setor espelha o retrocesso industrial, mas certamente é também reflexo do menor impulso do rendimento do trabalho e do receio das famílias quanto à sua situação de emprego.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda