O que explica a recessão?

Julio Gomes de Almeida – Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Brasil Econômico – 05/09/2014

É possível que uma parte do exagerado declínio da economia no segundo trimestre já esteja sendo “devolvido” na forma de um crescimento maior na entrada do terceiro trimestre. A queda além da conta do nível de atividade decorreu de fatores extraordinários, notadamente a Copa, que, salvo em poucas exceções setoriais, em junho reduziu vários dias de produção de bens e serviços. O crescimento da produção industrial em julho (+0,7% frente a junho) após quatro meses de queda é reflexo disso e provavelmente se repetirá em outros segmentos da economia.

Nem o viés para menos do trimestre anterior, nem o viés para mais do início do corrente trimestre devem esconder o que de muito importante vem se passando. Se ao longo de todo um triênio (2011-2013) uma grave crise industrial puxou para baixo o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2014 juntou-se a isso o efeito de um retrocesso muito acentuado do investimento. Essa redução, que antes tinha como uma de suas principais causas a própria crise industrial, passou a ser agora mais geral e possivelmente mais grave do que fora no passado.

Seu determinante destacado reside em um verdadeiro colapso das expectativas. É claro que o ambiente eleitoral favorece acentuadas oscilações de ânimo de empresários e consumidores, assim como são relevantes as sombrias perspectivas que as análises econômicas difundiram para o ano de 2015 em função dos ajustes que terão lugar possivelmente na taxa de juros, em preços relevantes do setor público, no orçamento fiscal e nos tributos. Esperar para ver foi a regra seguida pelos agentes econômicos, o que generalizou o efeito das expectativas para a economia.

Exemplo disso é que não só os bens de capital registrariam forte revés, como também outros bens duráveis associados ao consumo diferenciado. As quedas nas vendas de imóveis novos e automóveis podem ser associadas a vários fatores particulares, mas o fator de base e possivelmente o mais decisivo, é a menor confiança das famílias. Por seu turno, a disposição muito tênue das instituições financeiras em conceder crédito ao consumidor segue a mesma determinação geral ditada pela menor confiança, no caso, dos bancos financiadores.

Em outras palavras, a matriz da redução do PIB em 2014 é a deterioração da confiança, a qual afeta as classes de bens onde as avaliações, sejam de empresários, bancos ou famílias, fazem a diferença, vale dizer, em bens duráveis, seja de investimento ou de consumo. Em uma situação como esta, ampliar a oferta de crédito ou reduzir a taxa de juros, como o governo procurou fazer com os financiamentos do programa PSI do BNDES e com as medidas de afrouxamento do crédito bancário, têm um efeito pequeno, para não dizer quase nulo, se as expectativas continuam adversas. Também não é possível ou tem impacto apenas marginal a tentativa de reerguer a atividade econômica por meio de cortes de impostos na compra de bens de consumo porque, da mesma forma, os possíveis efeitos positivos dessas medidas ficam represados pela paralisia das expectativas dos consumidores.

A insistência em ações de facilitação de crédito e incentivo ao consumo difundiu a interpretação de que o governo continuamente errava na orientação de sua política econômica, quando na verdade o problema era outro: no contexto de crise industrial e com expectativas cada vez piores, a única direção da política econômica capaz de conter a trajetória para a recessão consistiria em promover o investimento, diretamente por meio de seu orçamento, ou através de empresas estatais e de mecanismos efetivos de coordenação do investimento privado (concessões), o que tanto melhoraria a competitividade como geraria efeitos dinâmicos para a indústria e o resto da economia. Isso tornaria dispensável a utilização de medidas discricionárias e de decrescente eficácia. Problemas de gestão e de recursos restringiram o investimento direto da União e contenção de tarifas e atraso na definição do programa de concessões contiveram as inversões em infraestrutura e energia. Não por acaso, o investimento teve retração nos últimos quatro trimestres. No segundo trimestre do corrente ano, a redução de 5,3% foi determinante para a queda de 0,6% do PIB.


Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda