O ajuste do varejo

Julio Gomes de Almeida – Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Brasil Econômico – 15/08/2014

O comércio brasileiro, depois de percorrer quase uma década de crescimento muito elevado, está em meio a um ajuste iniciado em 2013, do qual resulta uma evolução menor — porém ainda assim razoável, seja para padrões internacionais, seja para padrões internos. Ostentávamos índices como 9% a 10% ao ano e reduzimos para 4% a 5%. Para um setor que investiu muito, assumiu compromissos de dívidas e nesse processo fez bons, mas, em alguns casos, também maus negócios, um ajuste como esse é que permite um “pouso suave”, o que o distinguiria da indústria, cujo “pouso forçado” a levou a uma crise acompanhada da queda da produção, do emprego e do investimento que se arrasta desde 2011 até o corrente ano.

O primeiro semestre de 2014 teve alguns fatores extraordinários que afetaram o desempenho do varejo, como o “efeito Copa”, que tanto elevou vendas em determinados meses do ano para alguns segmentos — televisores é um exemplo —, quanto deprimiu as vendas, a exemplo do mês de junho, que acusou declínio generalizado de faturamento. Nesse mês, a queda do varejo restrito, que não inclui os setores de Veículos, motos, partes e peças e Material de construção, chegou a 0,7%, a terceira marca negativa no ano. Os ramos mais atingidos foram os de Veículos, motos, partes e peças (-12,9%), índice esse muito longe de refletir apenas a Copa. Outros casos foram de Livros, jornais, revistas e papelaria (-5,3%), Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (-4,2%) e Material de Construção (-3,9%). Em todos esses casos as vendas já acusavam redução em volume ou em termos de ritmo em meses anteriores, denotando que os dados do último mês do primeiro semestre de 2014 não podem ser considerados propriamente atípicos.

A análise do primeiro semestre como um todo é mais reveladora do desempenho de seus ramos. Na média, o varejo restrito cresceu 4,2%, novamente, um índice não inteiramente ruim e que é compatível com o menor ritmo de crescimento da renda e do emprego da população, maior moderação do crédito das instituições financeiras e da desconfiança no desempenho da economia e do emprego que vem aumentando entre os consumidores. Os diferentes ramos tiveram diversificada performance. Para poucos deles, casos de Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos e Outros artigos de uso pessoal e doméstico, nada se passou, ou seja, foi como se o ajuste do varejo como um todo não tivesse ocorrido. Nesses casos, o crescimento ainda “chinês” de 2013, na faixa de 10%, foi integralmente mantido. Inovações em produtos, estratégias de vendas e avanço de ciclo de consumo para produtos mais sofisticados por parte de segmentos de menor renda podem ser lembrados como determinantes destes casos excepcionais.

De resto, o desempenho foi piorando ao longo do ano. Em casos relativamente mais suaves, porém de grande peso no varejo, como Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo e Móveis e eletrodomésticos, a evolução de vendas, que no período janeiro-maio chegara a 4% e 6%, respectivamente, fecha o semestre com 3,5% e 5,1%, uma desaceleração branda.

Sofreram queda no acumulado do semestre, quando no ano passado como um todo haviam crescido suas vendas, os setores de Tecidos, vestuário e calçados, Livros, jornais, revistas e papelaria, Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação e Veículos, motos, partes e peças. Neste último caso a transição foi dramática, passando de aumento de 1,5% em 2013 para uma queda de 8% na primeira metade de 2014. É notório em todos esses casos de retração que o quadro de vendas ao longo do semestre apresentou tendência de deterioração.

Em parte a restrição de crédito tem papel importante, especialmente na trajetória de Veículos, motos, partes e peças e de Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação; em outra parcela prepondera a estratégia familiar de adiar compras de produtos relativamente supérfluos, como Tecidos, vestuário e calçados e Livros, jornais, revistas e papelaria. Em todos os casos o desempenho adverso é consequência do consumidor mais retraído e menos confiante.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda