Dilemas dos bens industriais

Julio Gomes de Almeida – Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Brasil Econômico – 01/08/2014

Não vem tendo o destaque que deveria, mas o fato é que grande parte da deterioração do déficit em transações correntes do Brasil vem sendo decorrência de crescentes desequilíbrios comerciais em produtos industriais. Esse é um processo que se instala e rapidamente se desenvolve no pós-crise de 2008. Para se ter ideia, em 2007 a indústria ainda registrava expressivo saldo de US$ 19 bilhões. Já em 2013 virou para um déficit tão elevado quanto US$ 60 bilhões. Este déficit não para de crescer e em 2014 deve superar a marca do ano anterior. No primeiro semestre subiu a US$ 35 bilhões um aumento de 5% relativamente ao mesmo período de 2013.

A menos que rapidamente venhamos a ter uma fonte de recursos externos expressiva como a que se imagina que será obtida com o pré-sal, a atual baixa competitividade industrial não poderá perdurar. Do contrário, chegaremos ao limite das contas externas. Não é demais lembrar que o presente quadro internacional não mais é tão favorável como foi no passado recente para o dinamismo das commodities agropecuárias e minerais, o que serviu de anteparo para o desequilíbrio comercial da indústria.

A despeito de manter sua tendência de crescente déficit, o comércio de bens industriais vem apresentando algumas características que precisam ser destacadas. A primeira delas vem do lado das importações. Estas, depois de uma década de crescimento contínuo (exceção para o ano de crise de 2009), declinaram no primeiro semestre de 2014. Tal resultado não decorre nem de um efeito de desvalorização do real, nem de ganhos de competitividade do produto aqui produzido. A menor importação (-3,3%) reflete especialmente o fraco andamento da atividade econômica interna e, muito particularmente, o colapso do investimento. Assim, as compras no exterior de máquinas e equipamentos mecânicos retrocederam nada menos do que 10%, enquanto a importação de máquinas e equipamentos elétricos caía 8%. Insumos fundamentais, como produtos químicos, e destacados bens de consumo duráveis, como automóveis, diminuíram entre 5% e 8%. Também cederam (-8%) as importações de produtos de petróleo refinado.

Do lado exportador o desempenho já não vinha bem há dois anos, mas na primeira metade de 2014 o retrocesso foi expressivo (-7,3%), em parte refletindo a redução de encomendas de plataformas de petróleo. Não só resultados ruins vêm notabilizando o setor exportador no corrente ano. Por exemplo, o ramo de produtos têxteis, couro e calçados, um dos mais afetados em seu comércio exterior pela concorrência externa e a falta de competitividade interna, teve aumento de 9% em suas vendas no exterior e reduziu muito o ritmo de importações, de forma que já há três anos vem estabilizando seu déficit comercial.

O quadro mostra-se também favorável para a indústria aeronáutica, com evolução de quase 30%. De resto, ou o crescimento é pequeno, a exemplo da indústria de máquinas e equipamentos, produtos minerais não metálicos e celulose, ou francamente negativos, como nos casos de informática, equipamentos de TV e comunicação e veículos automotores, cuja variação negativa superou 20%. Alimentos, produtos metálicos e produtos químicos foram outros segmentos com expressiva queda.

Segundo a classificação por intensidade tecnológica, somente a indústria de alta tecnologia aumentou suas exportações (11%), exclusivamente por conta do desempenho do setor aeronáutico (leia-se Embraer). Nos demais segmentos houve queda, muito menor no agregado de baixa tecnologia (-3,4%) e muito maior em média-alta (-9,6%, puxada por automóveis, devido à crise na Argentina) e em média-baixa (-15%), onde o efeito fictício de plataformas de petróleo se faz presente.

Nesse contexto adverso o ponto a ser sublinhado é que vale a pena ter a diversificação exportadora que ainda é um predicado da indústria brasileira. Ter segmentos competitivos em alta tecnologia e dispor de ramos dinâmicos na indústria de alimentos e outras commodities fazem diferença como estabilizadores de uma fase de declínio, a qual tende a ter maior impacto sobre ramos industriais de intensidade tecnológica média.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda