Sem a alternativa da exportação
Julio Gomes
de Almeida – Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério
da Fazenda
Brasil Econômico
– 25/07/2014
Já se foi
o tempo em que uma fase adversa do mercado interno era compensada por
exportações
Chegamos em várias
ocasiões à situação na qual o setor externo
foi determinante como mecanismo da recuperação econômica
após uma crise. O ano de 2004, quando a economia recuperou-se
de uma crise entre 2002 e 2003, assinala a última ocorrência
de um cenário como este. De lá para cá, a exportação
não foi a via de escape para a retração de 2009,
causada pela crise global, nem está sendo capaz de fazer a diferença
para neutralizar o quadro doméstico na atualidade.
Parece inevitável
que a economia brasileira marche para uma recessão derivada do
término dos efeitos dinâmicos da etapa anterior —
especialmente, os efeitos sobre o consumo e o investimento interno da
redistribuição da renda e do boom mundial de commodities
— ao qual se soma o esgotamento das medidas que desde a crise
de 2008 — com grande êxito inicial, diga-se de passagem
— procuraram reanimar a economia. O aumento da taxa de juros pelo
Banco Central para combater a inflação e o colapso das
expectativas empresariais derrubaram o investimento e o crédito
em um momento em que o governo tem limitada capacidade de reação
através do investimento por ele realizado ou coordenado (concessões).
Esses fatores representam neste ano eleitoral de 2014 a pá de
cal na situação da economia que crescentemente atinge
o que de mais importante o ciclo anterior criara: o aumento do emprego,
em particular, o emprego formal, e a elevação da massa
de rendimentos da população, o que alimentou o fortalecimento
do mercado interno. Aqui entraria a exportação como reação
empresarial compensatória à deterioração
doméstica.
Mas, infelizmente, isso nesse momento não está sendo possível.
Segundo dados da Funcex divulgados na edição de terça-feira
do “Valor Econômico”, o volume das exportações
de manufaturados cresceu apenas 1,4% no primeiro semestre sobre igual
período de 2013. Um índice muito maior teria sido necessário
para que as vendas externas tivessem papel anticíclico. É
verdade que as importações caíram 1,8%, o que,
para efeito da contabilidade do PIB, pode deixar uma contribuição
positiva ao crescimento econômico do primeiro semestre.
Todavia, isso em si não
deve ser comemorado, pois o revés das importações
teve como líder a redução das compras de bens de
capital, ou seja, espelha o retrocesso dos investimentos.
Por que o desempenho das exportações não se dá
à altura do que é requerido para rebalancear o quadro
econômico interno? Uma relevante razão corresponde a um
dos efeitos retardados mais destacados da crise global, qual seja, a
redução muito significativa do ritmo com que cresce o
comércio mundial no pós-crise. Disso resulta uma pronunciada
disputa por mercados de exportação, para a qual os bens
produzidos no país não estão preparados. Nosso
déficit de competitividade é antigo, mas, agora, muito
mais do que em qualquer outro momento, aparece como fator restritivo
de nossa exportação.
É verdade que houve nos últimos anos uma desvalorização
da moeda. Contudo, a mudança cambial é recente. Ocorreu
de dois anos para cá, até o início de 2014, quando
novamente se apresenta um processo de valorização. Além
disso, é muito restrita. Moeda valorizada ainda é a marca
registrada do real e, como foi assim por longo período, condicionou
todos os processos que cercam e dão substância à
exportação.
Nesse sentido, nos afastamos de grandes e dinâmicos mercados de
exportação e agora dependemos excessivamente de mercados
locais em crise, a exemplo da Argentina e da Venezuela. Pelo mesmo motivo,
fomos abandonando os investimentos voltados à exportação,
um fator de afastamento de cadeias globais de valor e de baixa geração
de capacidade produtiva exportadora, sobretudo em bens de mais elevada
intensidade tecnológica e grande crescimento de mercado. Sendo
cada vez maior a vinculação de nossa economia ao mercado
interno, a própria política econômica foi deixando
de lado a atividade exportadora e os incentivos à exportação
minguaram, enquanto cresciam os incentivos ao consumo interno. Estamos
pagando o preço dos erros da passado.