Para além da indústria
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 04/07/2014

Não resta dúvida de que a situação industrial é grave, como demonstram os resultados da última pesquisa industrial. A produção declina há três meses na faixa de 0,5% a cada mês, acumulando no ano uma redução de 1,6%, puxando para baixo o emprego no setor. Quanto ao valor adicionado, a indústria manufatureira acusa três trimestres seguidos de recuo, tecnicamente configurando uma recessão.

Na análise de seus macrossetores, o quadro é desalentador. Para os segmentos de maior representatividade na indústria, vale dizer bens intermediários, que têm o poder de refletir o dinamismo médio no setor como um todo, a produção nesse ano está 1,9% menor do que no ano passado. Este é um caso singular porque em seus resultados estão presentes os impactos de uma economia que cresce pouco, exporta com grande dificuldade e tem visíveis restrições de competitividade para tomar para si o pouco de cadente dinamismo do mercado interno, cedendo espaço ao produto importado.

Em bens de capital, o tombo é maior, 5,8%, porque aqui os revezes do mercado interno (devido ao colapso das expectativas empresariais), das exportações e da competitividade relativa com o produto importado se apresentam em escala ainda maior na atual conjuntura brasileira. Há um significado muito relevante a ser destacado neste caso. Tudo que o Brasil precisa para alavancar seu crescimento futuro e ter maior capacidade de concorrer com o produto estrangeiro pode ser resumido na palavra investimento, sem o qual não são gerados os aumentos de produtividade tão propalados como a salvação de nossos problemas.

Como as importações de bens de capital caíram no primeiro semestre 5,1%, muito possivelmente está em curso uma queda expressiva da inversão em máquinas e equipamentos. Como cabe observar, é desta modalidade de investimento — e não tanto na outra, qual seja, investimento em construção — que se originam as inovações que ampliam a produtividade empresarial. Assim, estamos perigosamente dando marcha à ré na reorganização das condições de crescimento futuro da economia. Há quem ache que o combate à inflação não deve poupar o investimento, mas isso pode ser um erro olhando para além do horizonte de curto prazo.

Em bens duráveis de consumo, a variação negativa de 3,2% refletiria tão somente um inevitável esgotamento do ciclo anterior de crédito e de consumo de bens de mais alto valor unitário. Diante, contudo, das limitações de aumento do investimento público e de concessões — este o mecanismo recomendável de política anticíclica —, reflete ainda a gradativa perda de eficácia do instrumento que restou para as autoridades econômicas tentarem minimizar o impacto da desaceleração econômica. De fato, o uso e abuso da redução de impostos para bens duráveis, em especial para automóveis, passou a ter na atualidade um significado muito próximo a de um instrumento que associa custo elevado com resultado quase nulo.

Por fim, onde há sinal de vida do mercado interno para uma evolução modesta, mas ainda positiva, é em bens não duráveis de consumo, com alta de 1%. Nesse caso, a mensagem remete novamente a políticas que podem vir a ser adotadas para combater a inflação. Como se sabe, a inflação reduz o poder de compra da população e, realmente, se fosse menor, contribuiria para preservar o mercado consumidor interno. Mas, o poder de compra da população, embora crescendo a um ritmo muito menor do que no passado, ainda se mantém com algum dinamismo graças ao nível de emprego, o qual, até agora, vem permitindo ganhos de rendimento médio real positivos, embora baixos. Se o combate à inflação gerar impacto muito forte sobre o emprego e, como também vem sendo debatido, se os programas de complementação de renda forem excessivamente restringidos, o risco é que se perca o último foco de impulsão do setor industrial brasileiro, qual seja, o de bens não duráveis.

O que estamos observando são os dilemas que se apresentam em uma economia que, após um crescimento razoável entre 2005 e 2008 e após ter resistido bem ao impacto da crise mundial de 2009, depara-se com inflação alta, distorções fiscais e das contas externas e menor ritmo de crescimento, especialmente quanto ao investimento. Este precisa se reerguer como condição de um novo ciclo.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda