Dimensões da crise industrial
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 06/06/2014

O intuito de consolidar três formas de ver a crise industrial brasileira é mostrar a sua gravidade e sublinhar a necessidade de políticas muito mais incisivas. Essas políticas deveriam abranger o campo “exterior” à indústria e o espaço propriamente industrial, seus ramos e suas empresas. Seria necessário orientar temas importantes da política macroeconômica e das ações microeconômicas ao objetivo geral de resgatar um setor mergulhado na crise.

Devido a essas dimensões macro e microeconômicas e ainda porque hoje em dia são cada vez mais próximas as fronteiras entre indústria e demais setores, o que se impõe não é exatamente uma política industrial, mas, sim, uma política para o desenvolvimento produtivo da economia brasileira. Não é tarefa fácil e nem deve ser encarada como a única avenida de uma estratégia de desenvolvimento do país, que, corretamente, vem tendo no desenvolvimento social a sua referência central.

Para sustentar uma política dessa envergadura se faz necessário ter presente a magnitude do estrago já ocorrido e que potencialmente está para ocorrer na indústria. Vejamos em primeiro lugar o que as últimas pesquisas industriais indicam como possíveis desdobramentos imediatos.

Por mais que se tenha em conta fatores especiais ocorridos em abril último — o número de dias úteis menor — o andamento da produção industrial nesse mês não pode deixar de ser considerado como desastroso. A queda chegou a 5,8% e em bens de capital alcançou quase 15%. São índices que mudam completamente a avaliação do que está ocorrendo na indústria e na economia. Parece estar em curso uma inflexão do anterior processo de crescimento industrial que, embora baixo, era positivo, mas agora se tornou negativo. Sendo esta a trajetória para o resto do ano, estamos no meio do caminho para uma recessão da economia, que até agora o governo conseguiu evitar utilizando-se de medidas dispendiosas e de efeito cada vez menor. Em particular, os últimos dados da produção industrial do IBGE sugerem que a reviravolta na indústria e na economia pode estar sendo comandada por um inusitado recuo do investimento.

A visão seguinte, muito importante, dá conta que o processo acima descrito não é senão parte de desdobramentos anteriores nos quais a indústria acusa quedas sistemáticas. Como uma análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial colocou em evidência, taxas negativas de variação do valor agregado pela indústria se repetem há três trimestres, o que configura uma etapa recessiva. Em outras palavras, a indústria está em recessão e, mais grave, este processo pode estar se agravando.

Finalmente, a visão de longo prazo, aqui entendida como a comparação do estágio atual da produção do setor com o momento que imediatamente antecedeu a grande crise global de setembro de 2008. Nesse período de cinco anos e meio, o encurtamento dos mercados consumidores de bens industriais dos países mais industrializados tornou muito mais acirrada a concorrência por mercados mais dinâmicos no mundo, dentre eles o mercado brasileiro. A esse processo se associou a baixa competitividade da economia doméstica causada, especialmente, pela prolongada valorização da moeda. Por isso, uma parcela significativa da indústria foi simplesmente devastada. Por exemplo, perderam entre 15% e 25% de produção para o produto importado setores como Máquinas e equipamentos, Vestuário, Calçados e Produtos têxteis. Perdas entre 10% e 15% ocorreram em Informática e produtos eletrônicos, Máquinas e aparelhos elétricos, Metalurgia e Veículos.

A indústria como um todo deu marcha à ré (-2,6%). Salvaram-se da desindustrialização ou do crescimento meramente vegetativo (casos de Farmacêutica, Produtos químicos, Celulose e papel, Alimentos, dentre outros) tão-somente dois ramos: Perfumaria e produtos de limpeza e Bebidas, cujo aumento de produção superior a 20% foi sustentado pela demanda superaquecida das camadas emergentes da população que já perde vigor. No longo e no curto e curtíssimo prazo o panorama industrial não é nada bom e puxa para baixo o dinamismo da economia como um todo.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda