Quem é quem na indústria?
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico –30/05/2014

Não é para qualquer um ter uma indústria com algum relevo no cenário mundial. Dos mais de 200 países relacionados em um levantamento do economista Mauro Thury de Vieira Sá, da Universidade Federal do Amazonas, com base em dados da ONU, somente 17 poderiam ser enquadrados dessa forma. Esse é o número das economias com participação mínima de 1% no valor agregado da produção manufatureira do mundo e que juntos respondem por 80% do total. As mega indústrias para valer reuniriam somente alguns poucos países: EUA (20,6%), China (17,8%), Japão (10,5%) e Alemanha (6,9%).

Esta forte concentração era também uma marca registrada três décadas atrás quando ainda engatinhava a chamada globalização, muito embora uma crucial distinção deva ser destacada. O rol de países com participação superior a 1% do PIB da indústria de transformação mundial, em número total de 15 economias, reunia esmagadora maioria de países já desenvolvidos e pouquíssimos emergentes. Destes, o Brasil figurava em primeiro lugar, com 2,5% do total mundial. Só depois vinham os dois outros emergentes do grupo, México (2,3%) e China (1,6%).

Em 2012 o mapa da indústria mundial não mudaria tanto no quesito concentração nas maiores economias, mas mudaria profundamente sua composição. Saem os países europeus de menor envergadura e entram diversos outros emergentes. Já as gigantescas indústrias dos EUA, Japão, Alemanha, Itália, França e Reino Unido, que permanecem em posição de destaques, cedem participação para o maior e mais brilhante dos emergentes que desponta no período, China. A dança de cadeiras inclui vários outros emergentes que também se destacaram na “era da globalização”, como Coréia, Índia, Rússia, Turquia e Indonésia, que junto com Brasil e México formam os oito países emergentes de maior peso industrial. A propósito, essas duas últimas economias foram as únicas no bloco dos maiores emergentes que tiveram redução em suas participações no contexto mundial. Portanto, se o fenômeno China sem dúvida representa o que de mais expressivo ocorreu nas últimas décadas, não se deve esquecer que houve espaço para outros países emergirem a partir de processos de industrialização.

Desindustrialização, no sentido de retrocesso do peso das economias industriais no mundo, só ocorreu entre os países que já haviam alcançado o grau de desenvolvidos e, no caso dos emergentes mais destacados, nas indústrias de México e Brasil. Isso significa dizer que de fato a desindustrialização ocorre e é um fenômeno recorrente nas trajetórias de desenvolvimento. No entanto, a qualificação necessária é que isso se dá, via de regra, somente após os países alcançarem o desenvolvimento. O mal brasileiro é que antes de se tornar rico o país se desindustrializou. Atualmente é a 11ª economia do mundo, com 1,6% do total mundial, tendo ocupado o 9ª lugar em 1982, com uma participação que, como já foi mencionado, chegava a 2,5%.

O caso brasileiro pode ser simultaneamente considerado um sucesso e um fracasso. Um sucesso pela resistência que a indústria mostrou em ter um papel de destaque internacional. Não custa insistir que não é qualquer país que tem uma posição e participação como a brasileira no mundo industrial. O seu peso corresponde hoje ao que tinha a China quando esse país iniciava seu exponencial processo de crescimento. O Brasil ainda faz parte, em outras palavras, do jogo industrial. Não se deve minimizar os impactos adversos sofridos pela economia brasileira nesse mesmo período em que deslancharam outros emergentes: sua dramática crise da dívida desdobrou-se em uma quase hiperinflação e em sucessivos choques de estabilização; seguiu-se a onda liberal, a abertura a qualquer custo e, por fim, a intensa valorização da moeda, que fez tombar a competitividade da indústria. A crise mundial de 2008 selou a sorte da indústria, que agora já está atrás até mesmo do México.

É também um caso de perda de oportunidade que, repetindo, outros emergentes não deixaram escapar. Tivesse tido sequência o desenvolvimento industrial, teríamos ao lado da pujança da agropecuária e dos serviços modernos uma manufatura que certamente já teria levado o país a percorrer uma parte considerável do seu caminho para alcançar níveis de renda per capita no padrão de país desenvolvido.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda