Os limites da política econômica
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 25/04/2014

O mundo emergente já não cresce como antes e o Brasil não é exceção. Nos últimos três anos, o aumento real médio de sua economia não passou de 2% ao ano, um índice que poderá ficar ainda mais baixo com o fraco desempenho previsto para 2014. A evolução reduziu-se em mais da metade relativamente ao crescimento em período equivalente anterior à grande crise mundial de setembro de 2008. Outros países emergentes mostraram a mesma tendência, mas com intensidade menor.

Em parte, a economia brasileira esbarrou em fatores externos, que talvez respondam por pouco mais da metade da desaceleração total, sendo que fatores internos também contribuíram. Neste caso, um componente cíclico teve lugar, correspondendo ao esgotamento de uma expansão iniciada antes da crise global e que as políticas econômicas adotadas internamente após a ocorrência desta prolongaram até 2010. A reversão cíclica que viria a se apresentar já no ano seguinte corresponde a uma espécie de “digestão” pelos agentes econômicos do elevado crescimento do consumo das famílias, do crédito e dos investimentos.

Deixada à sua própria sorte, essa mudança cíclica transcorreria até que os agentes consumidores (famílias), investidores (empresas) e financiadores (bancos) retomassem suas decisões de gastos e de concessão de crédito, o que cedo ou tarde ocorreria e reergueria o crescimento econômico. O processo foi além porque do lado externo o baixo crescimento das economias centrais e a instabilidade dos fluxos internacionais de capitais que vieram a caracterizar o pós-crise reforçaram o pessimismo dos agentes domésticos sobre o Estado e as perspectivas sobre a economia. Paralelamente, o quadro externo retraiu as exportações de manufaturados e, em seguida, as exportações de commodities, e aguçou o assédio da produção realizada no exterior ao mercado interno através de importações. A crise industrial brasileira tem origem aí e ainda constitui fator que deprime o crescimento do PIB devido aos índices negativos da manufatura.

A orientação da política econômica no último triênio é muito criticada, mas é preciso sublinhar que, sem ela, a simultaneidade de uma reversão cíclica interna e uma situação externa que se manteve indefinida, teria determinado uma retração (e não apenas uma desaceleração) da economia. É verdade que a política econômica desta feita não teria impacto tão positivo em revitalizar a economia como anteriormente. Mas, a crítica pertinente, a nosso ver, não deve vir tanto pelo lado do que ela fez, e sim pelo ângulo do que ela deixou de fazer. Tomou-se por parâmetro o êxito da política quando da crise de 2008, de modo que os mesmos instrumentos foram revividos — a exemplo das reduções de impostos sobre bens duráveis e os financiamentos subsidiados dos bancos oficiais — e se procurou reposicionar a taxa de juros e o câmbio. Não é justo classificar tais iniciativas como atinentes exclusivamente ao consumo, porque elas também atingiam a produção. Esta seria contemplada adicionalmente com desonerações dos investimentos e da folha de salários e com medidas de proteção do mercado interno.

O conjunto dessas ações teria papel subsidiário no contexto da desaceleração da economia, mas acabou se transformando em crucial pela incapacidade do setor público compensar a redução dos gastos privados por meio do seu gasto autônomo ou pelo investimento por ele induzido. Em três frentes o governo procurou agir, mas os resultados ou foram parciais ou só viriam com muito atraso. No PAC, os investimentos com recursos orçamentários não evoluíram como nos anos iniciais de sua implementação. O programa de concessões nos projetos de infraestrutura começa a fazer efeito, mas de forma modesta porque demandou ajustes demorados. Finalmente, os investimentos da Petrobrás ficaram limitados, dentre outras razões, pela política de preços de combustíveis. A política econômica falhou, mas não propriamente a sua vertente que buscou modular as decisões privadas, mas sim a política de investimentos coordenada e implementada pelo setor público.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda