As dúvidas sobre a indústria
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 04/04/2014

O aumento da produção da indústria em fevereiro — 0,4% frente a janeiro — pôs fim ao curto ciclo de estoques que levou em dezembro a uma queda tão expressiva (-3,8%) quanto o aumento que se seguiria em janeiro (+3,8%). Na comparação com o mesmo mês do ano passado, o IBGE registrou crescimento de 5%. Nesse caso, os dois dias úteis a mais de fevereiro último em relação a 2013, explicam a aparente boa performance. Feitas essas ressalvas, o padrão presumível para o setor neste ano é de um desempenho baixo. Mesmo esse cenário modesto está cercado de interrogações.

Uma das principais incertezas recai no setor de veículos, que teve muito destacado aumento em janeiro (+9,1%) e em fevereiro (+7%), totalizando elevação de 16,8%, em parte compensando quedas acentuadas nos meses finais do ano passado. Não há sinais claros de que o setor tenha dinamismo próprio capaz de sustentar tamanha ascensão no restante do ano. Com o mesmo perfil, outros setores também não devem manter o extraordinário ritmo desse início de ano, casos de máquinas para escritório e equipamentos de informática, equipamentos de instrumentação médico-hospitalar, ópticos e outros e indústria farmacêutica.

Uma breve análise dos segmentos por categoria de uso lança outras dúvidas. O setor que vem liderando a lenta recuperação da indústria brasileira é o de bens de capital, o qual nos dois primeiros meses de 2014 teve avanço significativo de produção: 8% com relação ao mesmo período do ano passado. Esses números sugeririam uma trajetória muito favorável, caso a confiança empresarial não se encontrasse em franca deterioração e as taxas de juros não estivessem em alta. Expectativas cadentes de parte de quem decide investir e maiores taxas de juros são ingredientes seguros para o declínio do investimento e, por conseguinte, da produção de bens de capital, a menos que ações muito rigorosas por parte da política econômica entrem em cena — por exemplo, através do investimento público ou de política fiscal agressiva.

O programa de concessões de projetos em infraestrutura do governo poderia se prestar a esse fim, mas em 2014 seu impacto sobre o investimento ainda será limitado. No caso do PAC, restrições de recursos e de execução de projetos diminuem sua contribuição. Já as políticas fiscais de desoneração do investimento e subsídios ao financiamento dificilmente serão adotadas em ano de aperto fiscal.

Quanto ao segmento de bens de consumo duráveis, pode não sustentar a cadência do primeiro bimestre do ano (+6,9%), em parte pelas mesmas dúvidas que recaem sobre a continuidade da evolução do setor de veículos. A menor efetividade da redução de impostos para potencializar a compra e a produção de automóveis e outros bens duráveis é patente, de modo que no atual contexto somente uma significativa reativação do crédito ao consumidor através dos bancos privados seria capaz de reacender a demanda de duráveis. As taxas de inadimplência dos credores das instituições financeiras que haviam aumentado já retrocederam, mas isto ainda não levou os bancos a retomarem o crédito. É possível que em um ano de transição como é 2014 isto não venha a ocorrer.

Nos dois outros segmentos — bens intermediários e bens não duráveis e semiduráveis — a produção declinou nos últimos três anos e voltou a apresentar semelhante curso no bimestre inicial de 2014: queda de 0,8% no primeiro e variação zero no segundo caso. Aqui, problemas de envergadura deprimem a dinâmica de vendas e produção: o contexto externo ainda adverso retira capacidade exportadora de bens intermediários e de bens processados da agropecuária e impõe uma competição feroz no abastecimento do mercado interno de insumos e de bens de consumo não duráveis (medicamentos, por exemplo) e semiduráveis (como produtos têxteis e vestuário). Por outro lado, o mercado interno para bens de consumo está cada vez mais fraco.

Muita dúvida sobre a continuidade dos setores que crescem e poucas perspectivas de melhora de quem declina é o quadro resumo nada animador da indústria no início de 2014.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda