O financiamento de longo prazo
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 21/03/2014

O governo pretende reduzir as transferências do Tesouro Nacional ao BNDES. Essa medida poderá provocar uma redução relevante da oferta de recursos de longo prazo e por isso precisa ser aplicada com cautela e moderação, para não interromper o fluxo de operações já contratadas pelo Banco e a contratação de novos projetos para a infraestrutura e a modernização industrial.

A empresa brasileira, de um ponto de vista geral, é financeiramente frágil e sofre de longa data com a restrição de recursos com prazos e custos compatíveis com o retorno esperado e o risco dos seus investimentos. A menos que recorram ao financiamento em moeda estrangeira, a alternativa são as fontes oficiais - o BNDES em especial - as quais não são ágeis e têm limites dados pela restrição de endividamento do setor público. A baixa autonomia financeira das empresas brasileiras é fator restritivo de investimentos, sobretudo os de maior envergadura e os de maior risco, como em inovação.

Isto reforça a característica defensiva da nossa empresa. Ela é menos genuinamente inovadora e muito mais seguidora de inovações introduzidas em outras economias. E, quanto à estratégia de crescimento e de internacionalização, mostra-se cautelosa. Não é fácil formar um adequado financiamento interno, que tenha agilidade e que facilite a absorção de riscos e imobilizações por parte das empresas, um tema ainda sem solução, se considerarmos que o foco de atuação do BNDES reside mais em minimizar as lacunas no crédito de longo prazo do que em conceder autonomia e flexibilidade financeira às empresas.

O Brasil não pode deixar de procurar seu próprio modelo de financiamento e, nesse sentido, está à vista um impulso em seu mercado de capitais com recursos voluntários que poderia representar um caminho. Estão em curso mudanças no crédito voluntário corporativo que, com a ajuda de algumas ações do governo, poderão ser aceleradas.

O crédito vem crescendo rapidamente no Brasil. De acordo com um estudo que os economistas Ernani Torres e Luiz Machayba, da Ettam Consultoria, estão concluindo sobre incentivos ao mercado interno de capitais, o volume de financiamento às empresas passou de 19% para quase 50% do PIB entre dezembro de 2005 e agosto de 2013. Até 2008, o crescimento apoiou-se no aumento do crédito dos bancos e nas emissões de debêntures, mas, desde então, o BNDES tomou a liderança, respondendo por 70% de toda a expansão. Subsidiariamente, porém com relevância digna de registro, a emissão de títulos corporativos foi responsável por 19%.

O mercado de debêntures no período viu surgir desde 2011 um novo título com isenção de imposto de renda para juros e ganhos de capital para pessoas físicas ou não residentes, as "debêntures incentivadas". A concessão do incentivo, no entanto, ficou restrita aos investimentos em infraestrutura ou voltados ao desenvolvimento tecnológico. O setor industrial, o agronegócio e o setor de serviços ficaram de fora.

Segundo a mesma fonte, até dezembro de 2013, ocorreram 15 lançamentos desses títulos, no valor total de R$ 4,8 bilhões, com prazos de até 17 anos. O sucesso das emissões de debêntures incentivadas simboliza um avanço, pois mostra que há investidores - pessoas físicas, institucionais e estrangeiros - dispostos a oferecer condições de financiamento às empresas mais próximas ao que é exigido por seus projetos de investimentos.

Algumas ações poderiam potencializar esse processo, como o aprimoramento de procedimentos associados à emissão de títulos corporativos ao público em geral, de modo a aproximar investidores e empresas mediante uma intermediação financeira mais eficaz. Incluir a indústria, assim como outros segmentos econômicos, entre os setores beneficiados pelas debêntures incentivadas, seria outra iniciativa. Finalmente, o BNDES pode requerer das empresas que se beneficiam de seus financiamentos uma maior vinculação ao mercado de capitais, eventualmente premiando aquelas com os melhores esforços nessa direção.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda