3 de janeiro de 2014

Tecnologia
O Estado e as inovações
tecnológicas empresariais


   

 
Mariana Mazzucato, professora da Universidade de Sussex (Reino Unido) e especialista em inovação, reconstitui em detalhes, em seu livro “The Entrepreneurial State: debunking public vs. private sector myths", o percurso histórico das principais inovações tecnológicas das últimas décadas, identificando a importância da intervenção estatal. Porque é o Estado que investe nas etapas iniciais do processo de inovação tecnológico – quando existe incerteza radical – ela lhe confere um papel empreendedor.

Suas conclusões expostas na Carta IEDI de hoje são de grande valor para o Brasil que vem tentando desenvolver uma política industrial e de inovação que apresenta muitos méritos e avanços, mas ainda precisa identificar rumos que as tornem instrumentos de mudança da estrutura industrial e da capacidade da indústria de protagonizar a maior inovação e o aumento de produtividade da economia.

Desde meados dos anos 1950, a teoria econômica confere à inovação tecnológica o papel de principal motor do crescimento econômico, levando os governos a concentrarem esforços para impulsionar investimentos em tecnologia e em capital humano, dando origem a políticas innovation-led growth. A compreensão do papel estatal na inovação foi mais bem abordada pela teoria evolucionista – alinhada à tradição schumpeteriana – em oposição aos esquemas teóricos baseados em funções de produção, como os modelos de crescimento exógeno e endógeno. Os evolucionistas veem a inovação, sujeita a elevada incerteza, como produto de especificidades das empresas que, por sua vez, estão imersas no processo concorrencial, gerando “sistemas de inovação”. Sistemas de inovação são definidos como a rede de instituições nos setores público e privado cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias. O papel do Estado nos sistemas nacionais de inovação não se resume à criação de conhecimento a partir da pesquisa básica, realizada em laboratórios e universidades (o que compensaria uma falha de mercado), mas também compreende mobilizar recursos que permitam que conhecimentos e inovações se difundam amplamente entre os setores da economia.

Esse papel facilitador não é, contudo, suficiente para compreender a importância que os investimentos públicos tiveram para o desenvolvimento das principais inovações tecnológicas ao longo da história. As evidências de sucesso de estratégias de desenvolvimento lideradas pelo Estado levam a considerar uma função mais ativa e central das intervenções estatais no processo de inovação. O sucesso de uma inovação está baseado em estratégias estatais de longo prazo e na orientação dos investimentos. A reconstituição das trajetórias das principais inovações tecnológicas recentes, como a Internet, nanotecnologia e biotecnologia, mostram que o Estado tem mais predisposição do que o setor privado em enfrentar o ambiente de incertezas radicais, investindo nos estágios iniciais do desenvolvimento de novas tecnologias. Por essa razão, Mazzucato confere ao Estado um papel empreendedor.

O caso dos EUA ilustra o empreendedorismo estatal, uma vez que seu Estado, segundo a autora, tem se comprometido massivamente com a redução de incertezas, assumindo riscos para induzir a inovação. O governo federal dos EUA configura-se como o principal player do sistema americano de inovação, não apenas fornecendo subsídios de longo prazo a determinadas empresas (nesse sentido, de alguma forma facilitando o surgimento de campeões nacionais), mas também funcionando como o principal gerador e disseminador de conhecimentos. Por meio de várias agências e laboratórios públicos, faz uso de encomendas e compras governamentais, bem como de seu poder regulatório, para moldar mercados e dirigir o avanço tecnológico.

Se o papel empreendedor do Estado foi tão importante para garantir a dianteira da revolução das tecnologias de informação e comunicação aos EUA, restrições contemporâneas a esse papel estão na origem do relativo atraso americano no desenvolvimento de tecnologias limpas, responsáveis pela “revolução verde” da indústria. Países como Alemanha e, mais recentemente, a China têm demonstrado um comprometimento maior com o avanço dessas tecnologias. Entretanto, outros, como o Reino Unido, estão em situação ainda pior do que os EUA, ao rejeitar o papel empreendedor do Estado.

Em parte, as dificuldades atuais em fazer do Estado um agente empreendedor, de forma a impulsionar a inovação e o crescimento econômico, deve-se à disseminação de uma ideologia que caracteriza o Estado como burocrático, inerte e ineficiente; cujas intervenções no sistema econômico seriam responsáveis por bloquear o livre mercado, inibindo o espírito empreendedor dos empresários e a introdução de inovações tecnológicas e comprometendo, assim, o crescimento econômico. Seria visto, então, como inimigo dos empresários. Essa ideologia, que o livro de Mariana Mazzucato busca combater, além de carecer de fundamentação histórica, funciona como instrumento de cristalização de desigualdades sociais. Segundo a autora, a distorção da relação risco-retorno que caracteriza o processo de inovação está na base do aumento da desigualdade social depois dos anos 1980.

Se em finanças é amplamente aceita a ideia de que maiores riscos vêm acompanhados de maiores retornos, isso não é, contudo, verdade no caso da inovação. É o Estado empreendedor quem enfrenta a incerteza radical própria das primeiras etapas do surgimento de uma nova tecnologia – isto é, os riscos do processo de inovação são amplamente socializados. Já o retorno é, na sua maior parte, capturado pelo setor privado, ao investir em etapas posteriores do processo de inovação, quando os riscos já são identificáveis e gerenciáveis.

Isso ocorre porque o processo de inovação tem caráter fortemente cumulativo. Dependendo de quando um agente específico entra na cadeia de inovação, ele é capaz não apenas de se apropriar de retornos compatíveis com sua contribuição (isto é, a parcela de riscos que assumiu), mas de toda a área sob a curva cumulativa de inovação. Assim, à medida que o setor privado participa do processo de inovação em etapas mais próximas do lançamento no mercado de produtos finais ou de abertura de capital nos mercados financeiros (no caso do venture capital), ele é capaz de capturar retornos desproporcionais aos riscos por ele assumidos.

As condições de a sociedade obter retornos indiretos, como o aumento do emprego e a geração de receitas fiscais para o Estado, tem sido, em muito, dificultadas pela globalização financeira. Diante da liberdade dos fluxos de capitais, nada impede que as empresas que se beneficiaram do papel empreendedor de um Estado vão gerar empregos em outras partes do mundo, como parte de suas estratégias de redução dos custos de produção, nem que façam uso de paraísos fiscais para evitar o pagamento de impostos devidos.

É necessário, então, que as intervenções estatais no sentido de apoiar as inovações venham acompanhadas de mecanismos que garantam a captura de parte dos retornos gerados por ela. Mazzucato sugere a adoção de golden shares sobre patentes, criação de um fundo nacional para inovação, empréstimos reembolsáveis em função do rendimento das empresas, participações acionárias e apoio à inovação por meio de bancos de desenvolvimento.
  

 

 

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