A situação delicada das contas externas
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 23/12/2013

Na área externa o quadro atual do Brasil não reproduz a folga que prevaleceu desde a última crise cambial em 2002. A situação das contas externas não é desesperadora, mas inspira cuidados, o que deve ser levado em conta em um ano eleitoral e sujeito a mudanças relevantes na economia mundial, como é o caso da reorientação já anunciada da política de afrouxamento monetário nos EUA. O pior desempenho não ocorre somente neste campo, mas também em vários outros da economia brasileira: no investimento, emprego, contas fiscais, inflação e produção industrial.

Pelo menos por enquanto, não temos retrocessos dramáticos ou permanentes nesses temas, mas de qualquer modo, a sucessão de reveses vem colaborando para a piora das expectativas empresariais, contribuindo para deter as decisões de investir e reduzir o crescimento da economia, o que realimenta todo o processo.

No setor externo os dados do problema são os seguintes. Amparado pelas exportações de commodities, cujos preços cresceram excepcionalmente como fenômeno China, o Brasil deixou para trás a sucessão de crises cambiais dos anos 1990 e início dos anos 2000, de modo que seu déficit em transações correntes, que chegara a 4,1% do PIB em2001, regride até se transformar em saldo já em 2003. Desde a crise financeira global de 2008, no entanto, os déficits retornaram e não pararam de aumentar até os dias de hoje. Como proporção do PIB, foi de 1,7% naquele ano, 2,4% em 2011 e 3,6% em 2013 até novembro.

Faz lembrar a escalada que no passado levava fatalmente à crise cambial, e daí à forte desvalorização da moeda, maior inflação, juros mais altos e queda do crescimento. O dado novo do ciclo atual são as reservas do país (US$ 376 bilhões) que formam um escudo de proteção contra crises cambiais. O Banco Central tem aperfeiçoado suas políticas de intervenção no mercado de câmbio, o que também colabora para compor um quadro mais favorável na atualidade. Todavia, o que não se pode perder de vista é a necessidade de que o processo de agravamento do déficit externo seja estancado.

Como é formado o déficit externo? São três componentes: as contas de comércio, serviços e rendas, as duas últimas estruturalmente deficitárias, mas cujo aumento do déficit poderá ser contido pela desvalorização da moeda. O comércio de bens deve ser dividido em duas partes: o de produtos industriais e o de bens primários (agropecuária e extrativa mineral). O primeiro, após muitos anos de valorização da moeda, apresenta déficits crescentes ano após ano. Assim, por exemplo, no corrente ano até setembro, o desequilíbrio foi de US$ 49 bilhões, um aumento de 28% com relação ao mesmo período de 2012.

O que ocorre agora e não ocorria antes é que o crescente saldo negativo da indústria não é compensado pelo resultado do comércio de bens primários porque os preços de commodities já não têm o mesmo dinamismo anterior. Assim, no corrente ano o saldo de bens primários foi de US$ 48 bilhões. Se as commodities primárias já não conseguem neutralizar o impacto negativo do comércio de bens da indústria, está neste último setor a chave da solução do problema do crescente déficit em transações correntes brasileiro, o que não será possível empreender sem maior competitividade derivada do câmbio e da produtividade.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda