A expansão do crédito pelos bancos públicos
em 2013 têm sido um dos temas da conjuntura mais debatidos
nos últimos meses. Várias análises chamam
a atenção para seu impacto negativo sobre a dívida
pública bruta em função das operações
de capitalização do BNDES pelo Tesouro Nacional,
realizadas para viabilizar a ampliação das operações
dessa instituição. Todavia, devem ser considerados
também outros temas associados ao processo de crescimento
do setor público creditício.
A análise
do desempenho do mercado de crédito nos primeiros nove
meses de 2013 revela o maior dinamismo do crédito dos bancos
públicos, que avançou 16% em termos nominais no
acumulado do ano, contra apenas 3,9% do conjunto dos bancos privados.
Com isso, sua contribuição ao crescimento de 9,7%
do crédito total foi de 79%. Ou seja, os bancos públicos
atuaram, como em outras épocas, de forma anticíclica,
evitando uma perda de dinamismo ainda mais expressiva do crédito
total. Por seu turno, isso evitou uma perda ainda maior da atividade
econômica doméstica.
Como mostra
o indicador de variação real do crédito em
12 meses, em 2013 os bancos públicos basicamente deram
sustentação à oferta de crédito doméstico
frente ao recuo das operações pelos bancos privados
nacionais. Ou seja, segundo as informações disponíveis
deixam claro, essa segunda fase de ação anticíclica
do período pós-crise financeira global (a primeira
fase vigorou de setembro de 2008 a agosto de 2009) pode ser interpretada
como um movimento reativo do setor bancário público
à desaceleração do crédito privado
que se desenvolvia desde o início de 2011. O mesmo indicador
também mostra que a divergência no desempenho das
operações de crédito das instituições
públicas e privadas se ampliou. Pela primeira vez no período
pós-crise financeira global, o estoque de crédito
dos bancos privados nacionais registraria variação
real negativa em 12 meses entre maio e setembro de 2013.
A retração
dos bancos privados atingiu, sobretudo, o segmento de recursos
livres, que aumentou somente 4,7% no acumulado janeiro-setembro
de 2013. No período analisado, o crédito livre foi
afetado adversamente pela deterioração da confiança
dos agentes em relação ao desempenho da economia
brasileira, associada a um conjunto de fatores correlacionados,
dentre os quais: a) a aceleração da inflação
que corroeu o poder de compra das famílias; b) a nova fase
de alta da meta da taxa Selic; c) o desempenho da indústria,
que segue decepcionante num contexto de menor dinamismo do mercado
consumidor interno e persistência de uma frágil demanda
externa. Já a trajetória de alta da inadimplência
nos bancos privados nacionais e estrangeiros – um dos principais
determinantes da desaceleração das suas operações
desde 2011 – não teve continuidade em 2013; pelo
contrário, nos dois casos, o movimento foi descendente.
Em contrapartida,
o estoque de crédito direcionado avançou 17% e sua
contribuição ao crescimento do crédito total
superou o percentual de 70%. As operações com pessoas
físicas foram o destaque em termos de dinamismo (+22,7%
e contribuição de 53% ao crescimento do total do
crédito direcionado), sob a liderança do crédito
imobiliário (beneficiado pelo esgotamento do boom de crédito
de bens duráveis), seguido pelo crédito rural (cuja
demanda foi estimulada pelo desempenho favorável do setor
agropecuário em 2013).
Já
as operações de crédito direcionado às
pessoas jurídicas aumentaram a uma taxa bem menor no período
em tela (13%), mas sua contribuição ao crescimento
do total foi de 47% devido à sua elevada (embora decrescente)
participação no total (58,5% contra 41,5% do segmento
de pessoas físicas). As modalidades “Outros”,
“Rural” e “Imobiliário” registraram
as maiores taxas de expansão (+28,8%, + 24,3% e +19,1%,
respectivamente), mas foram as operações do BNDES
que mais contribuíram para o crescimento do total (56%),
com destaque para a linha “BNDES-Investimento”. Isto
porque, embora tenham avançado num ritmo bem menor (de
9,7%), elas respondiam por 73,9% do crédito direcionado
corporativo em setembro de 2013.
Uma observação
importante é que os dados de setembro já mostram
uma desaceleração dos empréstimos do sistema
bancário público. Esse movimento deve se acelerar
nos próximos meses diante da decisão do governo
de conter o avanço, sobretudo, da CEF e do BNDES no mercado
de crédito bancário. No caso da CEF, que aproveitou
o recuo dos bancos privados para ampliar sua participação
de mercado no segmento de recursos livres, a orientação
governamental já teve reflexo nas concessões para
as grandes empresas e deve atingir nos próximos meses as
operações para pessoas físicas. O BNDES,
por sua vez, terá que diminuir ou ao menos interromper
o aumento da escala das suas atividades para se adequar à
redução dos aportes do Tesouro – outra decisão
anunciada pelo governo.
Todavia, a
desmontagem da recente fase de atuação anticíclica
do sistema bancário público precisa ser feita de
forma gradual de forma a não comprometer mais ainda o desempenho
decepcionante da economia brasileira. No caso do BNDES, esse processo
deve se basear no aumento, também gradual, do custo dos
financiamentos do Programa de Sustentação dos Investimentos
- PSI (cujas taxas são muito baixas e em termos reais são
negativas), bem como das linhas de capital de giro, modalidade
de crédito que pode ser ofertada pelos bancos privados
a partir de recursos livres.
A instituição
de fomento deve priorizar o financiamento da das modalidades que
não têm correspondência no financiamento bancário
ou no mercado de títulos provados, como infraestrutura,
projetos industriais, financiamento à exportação
e crédito para a compra de máquinas e equipamentos
para os setores agropecuário, serviços e indústria.
Os demais bancos públicos também devem manter sua
atuação, a partir dos recursos direcionados, em
segmentos do mercado de crédito não atendidos pelos
bancos privados a partir de recursos livres: a CEF no financiamento
habitacional, sobretudo de baixa renda; o BB no crédito
rural e à exportação; e o BASA e BNB no financiamento
das suas respectivas regiões (Norte e Nordeste) que também
enfrentam escassez de crédito no sistema bancário
privado.
Por fim, os
dados também fornecem, indiretamente, informações
sobre a origem de recursos da alocação setorial
do crédito dos bancos públicos. Não foi a
indústria a principal beneficiária. Em ordem decrescente,
os setores que mais contribuíram para crescimento do crédito
dos bancos públicos foram imobiliário, pessoas físicas,
rural, outros serviços e indústria. Outro dado que
chama atenção é o aumento da participação
no total do crédito imobiliário, que atingiu 23,6%
em setembro de 2013, percentual superior àquele da indústria
(até então, o segmento com maior participação
no estoque de crédito dos bancos públicos).