Novamente o descompasso entre varejo e indústria
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 18/11/2013

O aumento de vendas do varejo em setembro foi menor do que nos meses anteriores, mas mesmo assim confirma que desde o início do segundo semestre está em curso uma reativação no setor. De fato, se no segundo trimestre as vendas reais cresceram, em média, 0,4% a cada mês com relação ao mês imediatamente anterior, no trimestre seguinte este índice passa para 1,2%, combinando uma variação especialmente alta em julho (2,1%) com variações menores, mas ainda expressivas em agosto e setembro (0,9% e 0,5%, respectivamente).

Um dos líderes desse processo foi o ramo de alimentos e bebidas. Refletindo a menor taxa de inflação, seu faturamento reagiu no terceiro trimestre, numa demonstração da influência que a elevação de preços exerce sobre o consumo da população, especialmente se a inflação tem nos produtos alimentares um dos seus principais focos, como foi o caso brasileiro recente. Tecidos, vestuário e calçados, equipamentos de informática e comunicação e outros artigos de uso pessoal e doméstico (com destaque para lojas de departamentos) foram os demais indutores da reativação. Cabe notar que as vendas de veículos,motos,
partes e peças retrocederam, a despeito dos incentivos fiscais que ainda se fazem presentes.

A melhora da atividade do comércio tem implicações importantes. Uma delas é a projeção mais favorável de crescimento real para o ano. Hoje, uma referência como 4,5% (elevação de 8,4% em 2012) é compatível tanto como baixo desempenho do primeiro semestre (de apenas 3% com relação ao mesmo período de 2012), quanto com o ritmo mais intenso no segundo semestre.

Os últimos resultados do varejo também ensejam uma perspectiva mais otimista para o consumo familiar, que experimentou desaceleração expressiva comparativamente ao inusitado avanço de 2005 a 2011. O consumo ainda deverá exercer papel destacado na dinâmica econômica brasileira e mostrará isso com clareza tão logo o crédito volte a fluir com mais vigor no sistema bancário.

Uma projeção um pouco maior para o PIB do terceiro trimestre e do ano como um todo seria outra decorrência das últimas tendências do varejo, mas deve ser levado em conta que ao lado da ascensão neste caso, a indústria retrocedeu mais do que era previsto. No último ciclo de crescimento da economia brasileira foram se afastando os desempenhos do comércio, em alta evolução, e da produção da indústria, em baixa ou mesmo negativa progressão. Esta era uma decorrência da contínua perda de competitividade do setor industrial que foi cedendo fatias do mercado interno à produção estrangeira.

Pois bem, a novidade dos dois primeiros trimestres de 2013 foi que este descompasso se estreitou, seja devido à forte perda de ritmo do varejo, seja em função do modesto retorno ao crescimento da indústria após um recuo de 2,6% em 2012. Nesses dois trimestres a produção industrial avançou mais do que o comércio na comparação com o trimestre anterior (0,9% e 0,1% nos primeiros três meses do ano e 0,9% e 0,8%, nos três meses seguintes).

Mas, no terceiro trimestre o antigo modelo voltou: a produção industrial recuou 1,4% e o varejo aumentou 3,2%, sugerindo que a frágil capacidade de concorrer da produção industrial brasileira está intacta.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda