A indústria brasileira não decola
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 04/11/2013

A melhora na produção manufatureira em setembro, 0,7% com relação a agosto, interrompendo dois meses de declínio, é um resultado positivo, sem dúvida. Porém, a última pesquisa industrial também torna patente que o setor não consegue sustentar uma etapa de inquestionável evolução depois de um declínio tão acentuado como o de 2012 (-2,6%). A distinção entre gastos autônomos ou induzidos pelo setor público e não autônomos ajuda a interpretar o que está ocorrendo na indústria.

Os macro setores que têm crescimento são aqueles onde a indução do gasto é maior. Por outro lado, têm estagnação ou declínio os setores para os quais a engrenagem econômica interna e externa é a determinante única ou quase única de sua dinâmica. Em outras palavras, quem cresce e vem puxando o aumento da produção de 1,6% na indústria como um todo no acumulado de 2013, é o setor de bens de capital (+14,6%) e o setor de bens de consumo duráveis (+2,3%). É clara a associação entre os resultados nesses dois casos e medidas de política econômica adotadas desde o ano passado.

O incentivo do crédito a baixas taxas de juros nos financiamentos de longo prazo é um dos principais fatores da recuperação das compras de bens de capital. Vários analistas vêm criticando as operações do BNDES por sobrecarregarem a dívida pública e ampliarem os subsídios no crédito. Deve ser ponderado, contudo, que não procede integralmente a tese de que esses financiamentos apenas substituem outras fontes que as empresas de qualquer forma utilizariam para suas inversões. Está para ser demonstrado que o crédito em bases atrativas, por reduzir o preço de oferta do bem de capital, não melhora o retorno do investimento e não tem influência de convencimento a favor de novas decisões empresariais de investir.

O governo também induziu o consumo, a exemplo da redução de impostos para automóveis, linha branca e outros bens duráveis. O impacto de medidas como essas já tiveram maior profundidade na economia brasileira no passado,mas não deixa de ter papel dinamizador na atualidade junto ao segmento de duráveis. A indústria automobilística, que produz tanto bens de capital (caminhões, ônibus, tratores, utilitários), quanto bens duráveis (automóveis de passeio), é receptora das duas modalidades de incentivo acima mencionadas e por isso serve de ilustração. Em setembro o crescimento de sua produção chegou a 6,2% com relação a agosto, explicando quase integralmente o aumento já referido de 0,7% da produção total da indústria. No acumulado do ano, o setor responde por nada menos do que 2/3 do crescimento.

Já nos outros segmentos, vale dizer, bens intermediários e bens de consumo semi e não duráveis, a menor capacidade de indução do setor público faz com que absorvam de forma mais intensa e com menor capacidade de compensação a maior concorrência dos produtos importados, os problemas de competitividade de nossa economia, a desaceleração do mercado interno consumidor e as dificuldades do mercado de exportação. Detalhe fundamental: esses segmentos têm larga preponderância na estrutura industrial, de forma que seu baixo ou negativo crescimento (respectivamente, 0,2% e -0,2% no acumulado de 2013) determina em última instância a tênue, parcial e oscilante evolução recente da indústria brasileira.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda