A Sombra Desafiadora da Concorrência Chinesa
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 16/09/2013

A China tem sido um mercado amplo para produtos primários e ao mesmo tempo um mercado restrito para os produtos industriais brasileiros. Pelo menos até o ano passado, esta combinação foi boa em termos estritamente cambiais, porque o saldo comercial dela resultante constituiu-se em um dos principais mecanismos de sustentação das contas externas brasileiras desde a última crise cambial em 2003. Por outro lado, tem sido negativa porque concorre para formar um modelo de comércio exterior muito dependente dos preços de bens primários. E também com tendência ao desincentivo da produção e exportação de manufaturados de maior valor adicionado e intensidade tecnológica superior.

Mesmo assim, a extraordinária expansão chinesa não deixou de favorecer a exportação brasileira de manufaturas através de uma via indireta. A explosão dos preços de commodities determinada pelo fenômeno China levou a um crescimento econômico maior e ampliou a capacidade de importar de vários outros países para os quais somos tradicionais supridores de bens industriais. Países da América Latina e do Mercosul são os principais exemplos desse encadeamento que agora corre o risco de se desfazer.

A ameaça não vem somente do menor vigor do ciclo de commodities determinado em grande medida pela desaceleração do crescimento da China, mas também porque os produtos desse país vêm deslocando o produto brasileiro em mercados de bens relevantes para a nossa indústria. Mais ainda: a penetração chinesa se dá em produtos de maior dinamismo e melhor expectativa de evolução, configurando uma perspectiva de que o processo terá continuidade.

Um recente trabalho do IEDI (O Dinamismo Exportador do Brasil e a Ameaça das Exportações Chinesas no Após Crise) pretendeu transformar em números as atuais etapas desse processo. Foi analisada a penetração das exportações chinesas relativamente às brasileiras entre os anos de 2008 e 2012 nos mercados do NAFTA (América do Norte),ALADI(América do Sul e América Central) e MERCOSUL (Argentina, Paraguai e Uruguai, além do Brasil).

Uma primeira constatação é que a China conquistou maior espaço principalmente em produtos mais demandados por esses mercados, ao passo que o Brasil ganhou participação em produtos com demanda declinante, aumentando muito pouco sua expressão em produtos com demanda crescente. Nesse último caso, ou seja, em que o nosso país aumentou sua participação em produtos com demanda crescente, mostrando-se, portanto, ser mais competitivo em relação à China, foram somente em bens com menor elaboração industrial, como alimentos e bebidas, ou produtos onde o país tem destacada vantagem competitiva, como refino de petróleo.

O estudo também avaliou o grau de ameaça das exportações da China para as regiões sob análise. Há uma expressiva ameaça direta (76%) em produtos em que o Brasil vem perdendo oportunidades de mercado. O Brasil sofreu menor ameaça das exportações chinesas em 2012 em bens que têm perdido participação relativa nos mercados. Isto significa dizer que o nosso país revela-se competitivo em relação à China apenas em produtos com expressão declinante em termos de mercado nas regiões estudadas. Esses resultados tornam obrigatório os cuidados com o câmbio, com os custos sistêmicos da economia e com a política de maior integração da indústria brasileira nas cadeias globais de valor.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda