A Falta Que O Investimento Público Faz
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 02/09/2013

Desde o imediato pós-guerra, o exame da trajetória da economia brasileira confirma que o bom desempenho do investimento público é crucial para a obtenção de taxas de crescimento elevadas. Nas economias emergentes de maior industrialização, o investimento público desempenha uma inarredável função coordenadora das expectativas do setor privado. No Brasil, a taxa de investimento alcançou em média 22,9% do PIB no período 1968-1979 e foi o motor da expansão da economia.

Um estudo da economista Cristina Reis mostrou que o investimento público (incluindo os governos federal, estadual e municipal, além de empresas estatais federais) chegou a 8,3% do PIB como média nestes anos. Não por acaso, as taxas de crescimento do PIB deste período suplantaram significativamente aquelas obtidas em outras etapas da trajetória da economia.

O descompasso com a situação atual é muito acentuado, explicando em grande parte porque a economia brasileira patinou no último triênio. Em 2012, a taxa de investimento da economia não passou de 18,1% do PIB e o investimento público, segundo informações do Ministério da Fazenda, foi de apenas 4,5% do PIB. A retomada do crescimento vai depender da capacidade do Estado brasileiro de recuperar sua função de coordenador das decisões privadas mediante a elevação substancial do investimento público em infraestrutura com o devido cuidado para garantir a difusão dos efeitos pelos diversos setores que promovem maior produtividade e dão empregos no país.

Certas iniciativas nos últimos anos procuraram reconstituir a capacidade financeira e de execução de projetos por parte do Estado. A seleção de projetos de infraestrutura com recursos do orçamento federal (o PAC), o reforço dos programas de investimentos no setor de petróleo, a destinação de recursos do Tesouro para o financiamento de longo prazo através do BNDES e as medidas de incentivo e aperfeiçoamento da regulação e do crédito para a construção habitacional são exemplos disso. Elas tiveram efeito relevante,mas seu significado foi limitado em termos do investimento do setor público e do investimento global da economia. Assim, a taxa de investimento do setor público de 4,5% do PIB no ano passado na prática tão somente repôs o padrão anterior à onda neoliberal dos anos 1990, quando o investimento público retrocederia de 4,3% do PIB em1995 para 2,7% do PIB em 2000. Declínio correspondente ocorreria com a inversão global: de 18,3% do PIB em 1995 para 16,8% em 2000.

Será necessário muito mais para que o investimento público e privado deslanchem e, com isso, a economia volte a ter um crescimento maior e mais sustentado. Destravar o investimento das administrações públicas, potencializar as inversões das empresas estatais, especialmente a Petrobras, e viabilizar o vultoso programa de concessões são absolutamente cruciais para o novo ciclo de expansão da economia.

Os defensores do não intervencionismo estatal não deveriam ver nisto nenhum indício de retrocesso ou ameaça. O investimento em infraestrutura executado ou organizado pelo setor público não concorre como investimento privado,mas, ao contrário, serve como indutor ou o complementa. Os desdobramentos privados das iniciativas públicas na área de petróleo e a magnitude das inversões privadas nos programas de concessões são cabais demonstrações disto.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda